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A eletrificação veio para ficar, mas com a ajuda do etanol

Biocombustível é estratégico para gerar energia elétrica nos motores híbridos, afirma Luiz Augusto Horta Nogueira, consultor de agências das Nações Unidas em temas energéticos

A eletrificação veio para ficar, mas com a ajuda do etanol

Para Luiz Augusto Horta Nogueira, consultor em temas energéticos de agências da Nações Unidas como FAO, CEPAL e PNUD, a eletrificação chegou para ficar também no Brasil.

Mas sua viabilidade terá ajuda do etanol, a ser adotado em tecnologias nas quais o biocombustível é transformado em hidrogênio no próprio carro, alimenta a célula de combustível que gera eletricidade e movimenta o veículo. Há também outra tecnologia em desenvolvimento na qual as células geram eletricidade diretamente do etanol, sem passar pelo hidrogênio.

Nesta entrevista ao JornalCana, o especialista analisa como a eletrificação com uso de biocombustível ocorrerá em gigantes como Índia e China. E comenta, também, sobre o futuro dos motores a combustão.

JornalCana: Quase que diariamente, são anunciados modelos de carros, motocicletas, bicicletas e mesmo patinetes movidos a energia elétrica. A eletrificação é um caminho sem volta no Brasil?

Luiz Augusto Horta Nogueira – Acho que há um certo exagero, mas a eletrificação dos veículos é um caminho sem volta. Decorre da preocupação com o meio ambiente, e do desenvolvimento da eletrônica embarcada, que viabilizou o acionamento elétrico das rodas, eficiente e sem precisar de caixas de câmbio.

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A meu ver, há bons motivos em favor da eletrificação. Mas existe aí uma certa confusão: um veículo elétrico não precisa ter sempre grandes e caras baterias, carregadas demoradamente na rede elétrica, existem modelos em que a eletricidade é produzida no próprio veículo, com vantagens, como acontece nos veículos híbridos, com um motor a combustão otimizado acionando um gerador, que fornece energia aos motores elétricos para movimentar o veículo.

Como as locomotivas diesel-elétricas, são elétricas e usam diesel. Essa concepção foi proposta por Ferdinand Porsche em 1.899 e finalmente os modelos híbridos vêm tendo um merecido sucesso, e mais ainda quando usam etanol e são os campeões mundiais do ponto de vista ambiental.

Principalmente em países como o Brasil, que dominam a tecnologia de produção de etanol, encontrado em todo o país, as montadoras mais espertas como Nissan, Toyota e Volks estão apostando nos modelos híbridos. E será daqui para o mundo.

JornalCana: Então o senhor acredita que a tecnologia de veículos elétricos híbridos usando etanol poderá ser adotada em outros países?

Luiz Augusto Horta Nogueira – A receita da eletrificação no transporte não é a única. Países pequenos, como Bélgica e Finlândia, por exemplo, não produzem biocombustíveis e geram energia elétrica em centrais solares e eólicas, mas quando há sol e vento e não tem demanda, precisam encontrar formas de consumir esses excedentes. Para esses países, veículos a bateria pode ser uma solução.

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Mas veja o caso de gigantes como China, EUA e Índia, onde as distâncias percorridas impõem investimentos elevados na rede elétrica, para não mencionar o Brasil, onde temos um quadro complicado no setor elétrico nesse e no próximo ano.

Por isso, os modelos híbridos fazem todo o sentido, são de longe mais racionais, energeticamente falando. As marcas mais nobres, como a Ferrari, Porsche, Lamborghini, estão partindo para modelos híbridos. Se os países estão preocupados em reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEEs), os híbridos, como disse, são os mais eficazes. Na Europa, China e muitos outros países, quando se compara direitinho, o veículo elétrico híbrido a biocombustível apresenta emissões bem menores que os veículos elétricos com baterias.

Isso é um fato. E temos exemplos como o da Índia, que optou recentemente por produzir etanol para misturar à gasolina. Isso foi decidido com certo atraso, mas acaba com o contrassenso que era usar a cana apenas para produzir açúcar.

Na verdade, não há uma só solução para a transição energética, mas existem argumentos robustos para defender a eletrificação dos veículos associada ao uso de biocombustível, como se consegue com os modelos híbridos.

Não é preciso pendurar o carro por horas na tomada. Aliás, se o preço da eletricidade estiver alto, como atualmente, será possível gerar energia elétrica no carro e usá-la dentro de casa.

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JornalCana: E o desempenho de vendas dos veículos elétricos?

Luiz Augusto Horta Nogueira – A venda de veículos elétrico a bateria é baixa em relação ao mercado real, o que impressiona o cidadão são as taxas de crescimento das vendas, porque a base é muito pequena.

O preço dos veículos elétricos a bateria é bem elevado e a troca periódica das baterias vai dar susto em muita gente desinformada.

São caros mesmo com os subsídios concedidos pelo governo, que de forma equivocada, isentou de impostos os veículos elétricos importados pelo Brasil. Um absurdo, não há justificativa.

Mas a propaganda é forte, eu sei, é um canto da sereia e ainda tem a sedução enganosa por alguns prédios e shoppings que oferecem eletricidade gratuita para carregar as baterias dos mais ricos, para parecerem moderninhos.

Ledo engano, alguém vai pagar por isso. Foi assim em Portugal, onde logo descobriram que a festa da energia de graça não era nada inteligente. De todo modo, penso que o tempo vai mostrar quem tem razão.

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JornalCana: Os motores a combustão podem melhorar? Terão sobrevida até quando no Brasil?

Luiz Augusto Horta Nogueira – Não há uma resposta pronta, mas tenho uma convicção clara, baseada em fatos reais, os motores de combustão interna, com pistão, árvore de manivelas, válvulas, etc. ainda têm muito a render em termos de desempenho.

Atualmente, em nossos carros, o motor precisa trabalhar em várias faixas de operação, variando rotação e torque, apresentando desempenho inferior à quando operam apenas no ponto de melhor performance, como é possível nos veículos elétricos híbridos.

Além disso, por conta da maior octanagem e outros aspectos, o etanol permite um desempenho melhor que a gasolina, especialmente nos motores dedicados apenas a etanol.

Por isso que os motores flex, que usam tanto etanol como gasolina, não utilizam todo o potencial desse biocombustível, para usar os dois combustíveis se penaliza o etanol.

Eu sei que a flexibilidade deu certo, a maioria dos carros hoje são flex, mas acredito que existe uma demanda reprimida de motores a etanol.

Faz poucos anos a Stellantis, que produz o Jeep Compass, lançou um motor avançado a etanol, com turbocompressor elétrico, muito eficiente, afirmando que em 2021 estaria nas ruas, mas deu um passo atrás, não sei porque. Uma pena, acho que faltou ousadia e visão, eu penso que seria um sucesso.

Como eu disse, existem diversas novas tecnologias que estão elevando o desempenho dos motores de combustão e nós vamos usar esses motores ainda por muitas décadas, suas vantagens são relevantes, não só no Brasil.

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JornalCana: E como o senhor vê as possibilidades das células de combustível no Brasil?

Luiz Augusto Horta Nogueira – Bom, aí temos uma novidade realmente importante. As células de combustível são geniais, conhecidas há muitos anos, agora amadureceram e vem ganhando visibilidade e mercado.

Essas células produzem eletricidade diretamente, com alta eficiência, sem queimar o combustível, sem peças móveis, como se fosse um filtro.

As células de combustível a hidrogênio já equipam alguns modelos à venda no Japão, Coreia e EUA. O hidrogênio pode ser produzido a partir de eletricidade e precisa ser transportado sob pressões muito altas, mas também pode ser produzido no próprio veículo, simplificando muito a logística.

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Como o professor Gonçalo Pereira gosta de dizer: “o etanol é um cacho de hidrogênio”. Pense bem, o carro elétrico passa no posto, se abastece de etanol, que durante a viagem vai se transformando em hidrogênio no próprio carro e alimentando a célula de combustível, que gera a eletricidade, que movimenta o carro…

E também existem as células que geram eletricidade diretamente do etanol, sem passar pelo hidrogênio, mas essas ainda estão em desenvolvimento. Na medida em que ficarem mais baratas, vão ser a melhor opção nos veículos híbridos.

JornalCana: Em quanto tempo teremos completada a transição energética nos veículos no Brasil?

Luiz Augusto Horta Nogueira – Na verdade, o Brasil vem sendo inovador há muito tempo. Começamos cedo. A partir de 1931, a gasolina brasileira passou a ser aditivada com etanol. Hoje, com todos os postos oferecendo etanol puro ou em 27% na gasolina, somos um exemplo para outros países. Os veículos elétricos híbridos potencializam suas vantagens com os biocombustíveis.

Por isso, vejo de forma otimista essa transição energética, da eletrificação do transporte, mas com menos baterias e mais biocombustível.

E não tenho dúvidas de que ela irá acontecer de modo progressivo, em 2030 as modernas tecnologias híbridas já vão estar bem presentes em nossas ruas e estradas, e até 2050 estarão dominando.

Quem é Luiz Horta Nogueira

Possui graduação em Engenharia Mecânica pela Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1978), mestrado em Engenharia Mecânica pela Universidade Estadual de Campinas (1981), especialização em Economia da Energia pela Fundación Bariloche (1985) e doutorado pela Universidade Estadual de Campinas (1987).

Foi Cientista Visitante na FAO (Roma, 1997/1998) e Diretor Técnico da Agência Nacional do Petróleo (1998/2004).

Atualmente é professor titular do Instituto de Recursos Naturais da Universidade Federal de Itajubá (Unifei) e consultor de agências das Nações Unidas (FAO, CEPAL, PNUD) em temas energéticos.

Atua em estudos técnicos, econômicos e ambientais de sistemas energéticos, principalmente relacionados à cogeração, bioenergia (etanol, biodiesel e bioeletricidade) e eficiência energética nos usos finais.

É pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (NIPE), da Unicamp.

Delcy Mac Cruz

Esta matéria faz parte da edição de outubro do JornalCana. Para ler,  clique AQUI!

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