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A cooperação entre Brasil e EUA

Há dois meses, numa conferência na República Dominicana, o assessor de política externa do presidente Lula, Marco Aurélio Garcia, contestou minha afirmação de que as relações entre EUA e Brasil estavam boas como sempre e afirmou, orgulhosamente, que, na verdade, nunca estiveram melhores. Mesmo um pouco exagerada, foi uma nítida mensagem de que o Brasil confere importância crucial às suas relações com os EUA. Não há dúvida de que ambos os países necessitam muito um do outro para atingir seus objetivos de política externa.

É por esse motivo que, nos últimos 18 meses, o presidente Bush visitou duas vezes o Brasil e fez um raro convite a Lula para reunir-se com ele na casa de campo de Camp David, no último fim de semana. E explica também por que os dois presidentes deixaram de lado as divergências políticas e ideológicas, mostrando de maneira clara como se respeitam e valorizam o relacionamento entre seus países. Embora exista uma química pessoal surpreendente entre Lula e Bush, são os interesses nacionais que estão no centro das relações entre Brasil e EUA.

Os responsáveis pela política externa brasileira compreendem a importância dos laços com Washington, e não só por causa do enorme significado econômico do comércio, dos investimentos e da tecnologia dos EUA. Eles sabem que a boa vontade e o apoio desse país são essenciais para a influência regional e global do Brasil. A boa comunicação entre os negociadores comerciais dos dois países fortalece o papel do Brasil nas conversações em Doha; o respeito mútuo entre o Ministério da Fazenda brasileiro e o Tesouro americano garante que o Brasil seja regularmente convidado para as reuniões do G-8. O apoio dos EUA também reforça a legitimidade da liderança do Brasil na América do Sul.

E hoje, quando as relações dos EUA com a América Latina – do México à Argentina – titubeiam e o sentimento antiamericano contamina a região, as boas relações com o Brasil são vitais para a credibilidade de Washington na região e ajudam a abrir uma porta para os EUA buscarem seus interesses. Como efeito secundário, elas contribuem para contrabalançar a influência de Hugo Chávez, antagonista dos EUA. O comício anti-Bush, liderado por Chávez em Buenos Aires, teve de competir com a cordialidade da coletiva de imprensa de Bush e Lula em São Paulo. Além disso, ao se colocar ao lado de Lula, amplamente conhecido como um defensor dos pobres, Bush encontrou o lugar certo para mostrar o engajamento dos EUA no desenvolvimento social da América Latina.

Com certeza Washington e Brasília têm posições conflitantes sobre muitos assuntos cruciais. Seu desacordo paralisou as negociações sobre livre-comércio no hemisfério, consideradas fundamentais para a política americana na América Latina. Embora EUA e Brasil estejam hoje trabalhando para forjar uma posição comum na Rodada Doha, há dois anos Washington censurou publicamente o Brasil pelo colapso das negociações em Cancún.

Lula tem sido um crítico veemente da política americana no Oriente Médio, enquanto a administração Bush fica eriçada com o estreito relacionamento do Brasil com a Venezuela de Hugo Chávez e tem ainda que apoiar as aspirações do Brasil a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Muita gente em Washington concorda com a afirmação do ex-embaixador brasileiro Roberto Abdenur de que o Itamaraty parece abrigar sentimentos antiamericanos.

Porém, EUA e Brasil aprenderam a tolerar suas diferenças e a encontrar meios para cooperar em questões de interesse comum. Em resposta à insistência de Washington, o Brasil concordou em comandar as operações de manutenção da paz da ONU no Haiti, apesar da oposição interna. O acordo, assinado no Brasil, de cooperação na área de pesquisa e comercialização dos biocombustíveis, deu uma dimensão nova e potencialmente de longo alcance às relações bilaterais. Apesar dos desacordos anteriores, os negociadores dos dois países vêm trabalhando cada vez mais unidos para tentar resolver o impasse nas conversações de Doha.

E os dois países podem fazer muito mais juntos. Mas isso exigirá mais flexibilidade dos dois governos. Como Lula deixou claro, a cooperação na área dos biocombustíveis será fortalecida substancialmente se os EUA concordarem com um corte das altíssimas tarifas cobradas sobre o etanol brasileiro. Mas essa questão não deve embaraçar as conversações de Doha.

Do seu lado, o Brasil deve retirar sua oposição à reabertura de conversações comerciais que envolvem o Hemisfério Sul. Na verdade, Brasil e EUA estão bastante separados no tocante a um tratado para a Alca, mas é exatamente por isso que negociações são necessárias. Não obstante as diferenças passadas, os EUA deveriam apoiar os planos do Brasil no campo da energia nuclear – como ocorre hoje com a Índia -, especialmente se o Brasil se mostrar disposto a assumir um papel ativo nos esforços internacionais contra a proliferação nuclear. E o Brasil pode auxiliar Washington a idealizar uma estratégia confiável e eficaz para ajudar a América Latina a fazer frente às suas necessidades sociais.

Certamente, Brasil e EUA têm objetivos de política externa muito distintos. E, mesmo que valorizem muito as boas relações com Washington, os brasileiros têm orgulho da sua independência em relação aos EUA. Brasil e EUA ainda não estão preparados para se tornarem aliados inabaláveis ou parceiros permanentes numa série de questões.

Porém, as visitas seguidas dos seus dois presidentes, no mês passado, não deixam dúvida de que existem muitas oportunidades para que a cooperação bilateral seja ampliada, melhorando a posição dos dois países. Além disso, como hoje as relações interamericanas giram em torno do Brasil e dos EUA, a sua cooperação será importante para todos os países da América Latina.

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