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‘A concentração das usinas veio para ficar’, afirma professor da USP

No ano em que o Programa Nacional do Álcool, o Proálcool, completa 40 anos, o setor sucroernegético brasileiro assiste a mais de 80 unidades em recuperação judicial e a desativação de dezenas de outras.

Fora isso, o setor convive com uma crise econômica própria nos últimos cinco anos, devido à manutenção do preço da gasolina para conter a inflação. Há outro quadro: a concentração de unidades avança.

Na entrevista a seguir, Alberto Borges Matias, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), da USP em Ribeirão Preto (SP), e diretor do Instituto de Ensino e Pesquisa em Administração (Inepad), comenta sobre a concentração de empresas do setor.

E revela: os bancos estrangeiros virão correndo investir no setor nos próximos anos. 

O setor sucroenergético tem o que comemorar nestes 40 anos desde o lançamento do Programa Nacional do Álcool (Proálcool), em 1975?

Alberto Borges Matias – O setor é um sucesso. Se pegarmos esses 40 anos e olharmos os gráficos de evolução são dignas de padrão internacional.  Mesmo os países altamente concorrentes [do setor sucroenergético brasileiro] têm taxas de crescimento menores. E com níveis de flutuação ainda maiores.

E sobre as unidades produtoras?

Alberto Borges Matias – No tocante às unidades produtoras, o setor passa pelo que outros setores da economia brasileira passaram ou ainda estão passando. Que é uma maior concentração dos setores. Os setores vão crescendo e exigem uma concentração de atividades para bancar essa necessidade de capital, para bancar os investimentos necessários. As plantas [fábricas de açúcar e de etanol] menores já não estão se viabilizando mais. Então a concentração é algo habitual.

A concentração já era esperada?

Alberto Borges Matias – Já era esperado que o setor sucroenergético passaria por isso.

E sobre as unidades fechadas e em recuperação judicial?

Matias: o fechamento de empresas do setor já era esperado
Matias: o fechamento de empresas do setor já era esperado

Alberto Borges Matias – Também é um processo normal. Em média, a empresa brasileira vive 12,5 anos. Isso independente do porte. Se se pega as grandes companhias, que estão, por exemplo, na lista das Maiores e Melhores da Exame, e pegar as 500 maiores, verá que desde 1973 [quando iniciou o projeto do Proálcool] a hoje teremos de pé 170 delas.

Então o fechamento de usinas é normal?

Alberto Borges Matias – [O fechamento] é um processo que atinge a todos. É um problema sério no processo sucessório, é um problema sério na profissionalização das organizações. É um problema sério na diversificação dos mercados, e na instabilidade do processo temporal, do processo climático, de preços. Se olharmos, quantas empresas têm mais de 50, ou 100 anos no Brasil?

Fale mais, por favor

Alberto Borges MatiasComo muitas das empresas do setor sucroenergético começaram após o Proálcool, em 1975, a vida também se encerra em períodos meio próximos. Por isso ficamos meio assustados de ver tantas [unidades de cana] em situação similar. Mas é um processo normal da economia e dos negócios no país.

Sobre investimentos no setor sucroenergético: com o avanço na venda de etanol no mercado interno e a sinalização de redução nos estoques mundiais de açúcar em 2016, significa que as usinas voltarão a atrair investidores estrangeiros. E, entre eles, os bancos estrangeiros? 

Alberto Borges Matias – O agronegócio no país cresceu bastante, é importante. O setor sucroenergético tem organizações sólidas. O mercado bancário, também como falei antes sobre concentração, também sofreu forte processo de concentração. Em 1994, tínhamos 16 grandes bancos privados nacionais de varejo. Dos 16, hoje sobraram dois do setor privado. O setor bancário se concentrou muito. E essa concentração faz com que ele tenham de atender a uma amplitude de segmentos de mercado. E o segmento da cana é importante. Então eles [os bancos] também vão nesse sentido.

Dê exemplos, por favor

Alberto Borges MatiasTemos agora, desenhado, o banco dos Brics. Tem forte capital da China. Nos próximos anos esse banco vai financiar projetos no Brasil, em concorrência com o BNDES. Nós temos o Banco Mundial (Bird), que poucas empresas brasileiras acessam, e que é de possibilidade plena. Principalmente agora, com a desvalorização do real.

Por que?

Alberto Borges Matias – Com a desvalorização ocorrida, o risco cambial diminuiu. Caiu a possibilidade de se ter um gap tão grande de desvalorização. Então isso faz com que os financiamentos internacionais passem a ser viáveis. E aí faço uma observação: normalmente os financeiros estão na contramão. Quando o risco cambial está alto, eles buscam financiamentos internacionais. Quando acontece a perda, eles fogem do mercado internacional no momento em que deveria ir buscar recursos lá fora.

O sr. imagina que as usinas de cana voltarão a ser atraentes para grupos estrangeiros, independentes de instituições financeiras?

Alberto Borges Matias – Sim, para já. A aquisição de cota de capital das empresas brasileiras agora é mais barata. Em dólar, o custo [dessa aquisição] ficou mais barato. As empresas brasileiras se tornaram mais baratas em moeda estrangeira. Então, sim, teremos mais investimentos no Brasil vindos do exterior. Mas temos competência nacional para criação e ampliação de novas unidades [produtoras de açúcar e de etanol].

Como assim?

Alberto Borges Matias – Temos outro segmento como, por exemplo, o reverso, onde o setor industrial pode fazer investimentos no setor básico de produção.

Isso poderá ser feito com financiamento de bancos no país?

Alberto Borges Matias – O mercado de oferta de crédito no Brasil é pequeno diante os padrões internacionais. Estamos falando em 65% do PIB, que no exterior chega a 200% do PIB em países mais avançados.

O que limita isso no Brasil?

Alberto Borges Matias – Um erro de política econômica. Por exemplo: o compulsório no Brasil é muito alto. Então, quando nós depositamos na conta corrente, compramos um CDB de banco, parte desses recursos fica em compulsórios. Eles, os compulsórios, são os mais altos e como as taxas de juros também são muito altas, eles são alocados pelos bancos em cartões de crédito, cheques etc na pessoa física, e não na pessoa jurídica, no agronegócio. E ficam assim centrados nas mãos de um Banco do Brasil, que tem feito um belíssimo trabalho. O crescimento do agronegócio nos últimos anos se deve ao trabalho do Banco do Brasil.

 

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