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A cobrança que falta

Além de todas as críticas que se tem feito ao pacotão eleitoral do governo Lula – que já comentamos em editorial -, no qual se destaca o programa emergencial tapa-buracos, que está sendo implementado sem licitação pública e sem garantia de um mínimo de qualidade, para resolver, no último ano do mandato, uma situação infra-estrutural calamitosa deixada sem solução nos três primeiros, cabe mais uma à sociedade brasileira pela falta de cobrança do bom uso e do destino dado aos tributos que paga.

Não é de agora o desvendamento da precaríssima situação a que chegou a malha rodoviária, cujos buracos, crateras, pontes destruídas, falta de acostamentos e de sinalização, tem causado prejuízos econômicos imensos, além de trágico saldo em vidas humanas, dado o volume descomunal de acidentes que causam.

Foi diante desse quadro lastimável, exposto diariamente pela mídia, que se criou, com a Lei 10.636 de dezembro de 2002, a chamada Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), que recai sobre a importação e comercialização de petróleo e derivados, de gás natural e álcool combustível, com a finalidade especial de constituir-se o Fundo Nacional de Infra-Estrutura de Transporte, destinado à melhoria e conservação das estradas. O simples exame do inferno em que se transformou a grande maioria das rodovias já é uma notória demonstração de que esses recursos foram desviados para outras finalidades. Mas é claro que esse não é o único caso em que se verifica a brutal disparidade entre o que paga o contribuinte e o que ele recebe do Estado, em termos de serviços essenciais.

O que aconteceu com a Cide aconteceu antes com a CPMF e o cidadão contribuinte continua tendo um serviço público de saúde que o deixa em filas intermináveis nos hospitais. O mesmo acontece na seguridade social, onde o contribuinte vê desrespeitada sua condição de idoso aposentado, e no sistema educacional que deixa tudo a desejar e assim por diante.

Até hoje o contribuinte não se deu conta de que aquele dinheiro saído de seu bolso para pagar impostos, taxas, contribuições e tarifas ainda é seu, e como tal tem que ser transformado em serviços a lhe serem prestados. Como se explica o fato de os cidadãos, que têm feito tantas cobranças éticas e políticas de seus representantes – e o caso do mensalãoestá longe de ser um fenômeno isolado -, não se disporem também a fazer uma cobrança maior, em seu relacionamento com o Estado, exigindo contrapartida por tudo o que lhe é retirado pelo Fisco voraz? Curiosamente, ao cobrar moralidade dos agentes do poder público, os cidadãos brasileiros têm se esquecido de incluir na pauta essa reciprocidade tributos/serviços. É como se o dinheiro arrecadado fosse do governo – e ao cidadão restasse apenas lutar pela diminuição da carga tributária. Na Suécia, onde os impostos são talvez os mais altos do mundo, jamais os cidadãos concordariam com redução da carga tributária por saberem que, se isso ocorresse, teriam reduzida a multiplicidade de excelentes serviços que recebem do Estado – assistência médica, previdenciária, escola, transporte, áreas de lazer, etc. Provavelmente no Brasil as empresas e os cidadãos contribuintes estariam satisfeitos com a atual carga tributária se os impostos estivessem, efetivamente, revertendo em beneficio da coletividade, na forma de serviços prestados com a eficiência necessária para serem fatores de crescimento econômico. É verdade que os governantes brasileiros nunca se preocuparam em propiciar as melhores condições para a fiscalização popular, para o acompanhamento rotineiro, feito pelos cidadãos, do produto da arrecadação tributária. Talvez até muitos, instalados no Poder, tenham se esforçado em impedir a transparência pública dos gastos governamentais, justamente para proteger seus próprios desvios. Hoje em dia, no entanto, graças à internet e à atuação de organizações nãogovernamentais dedicadas a fiscalizar procedimentos de várias instâncias do Poder, ao cidadão comum torna-se mais acessível a antiga caixa preta da administração pública.

Está na hora dos contribuintes aprenderem a protestar não apenas contra o tamanho da carga tributária, mas também, e principalmente, contra a incompetência, e até a irresponsabilidade, com que os governos fazem uso dela.

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