Dezenas de usinas sucroalcooleiras estão processando a União por supostas perdas provocadas pela política de controle de preços da gasolina no país praticada pela Petrobras entre 2011 e 2014, no governo de Dilma Rousseff. As usinas pedem ressarcimentos de valores que poderiam ter recebido pelas vendas de etanol caso o preço da gasolina tivesse, no período, mantido correlação com as cotações internacionais.
Levantamento identificou quase 30 ações tramitando no Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Mas o número pode ser maior, já que algumas empresas podem ter optado por entrar com ações em TRFs de outras regiões. Os processos começaram a ser apresentados em 2016 e mais ações poderão ser movidas, conforme fontes do segmento.
Entre as empresas que movem as ações figuram desde algumas que estão em recuperação judicial, como Usina Nova União – que chegou a ter a falência decretada, mas está recorrendo -, grupo Farias, grupo Goianésia e Aralco, até líderes da área, como Raízen e São Martinho.
As usinas sustentam que, a partir do fim de 2010, a Petrobras, por determinação do governo federal, que estava preocupado com a inflação, deixou de repassar ao mercado doméstico a alta dos preços internacionais da gasolina. Até então, a estatal calculava o preço da gasolina vendida no país com base em uma média dos seis meses anteriores.
Como o Brasil se tornou importador líquido de gasolina, a prática gerou perdas à estatal. “Se a União faz algo em prejuízo da empresa controlada, contraria a Lei das S.A.s, que impede que o controlador se valha da empresa em benefício próprio”, afirma Mário Costa, sócio do escritório Dias de Souza Advogados Associados, que entrou com ações em nome de mais de 20 usinas.
Como o etanol hidratado (usado diretamente nos tanques dos veículos) tem que custar nos postos no máximo 70% do valor cobrado pela gasolina para se manter competitivo, já que sua eficiência energética é menor, a política pressionou as usinas, que alegam que em diversos períodos trabalharam com margens negativas e prejuízos. As ações em geral não estipulam valores de indenização, mas solicitam perícia técnico-econômica para esse cálculo.
Estudo de 2014 da Tendências Consultoria, usado na argumentação do escritório Dias de Souza avalia, em um dos cenários traçados, que as usinas poderiam ter recebido R$ 21,4 bilhões a mais entre 2011 e 2013 caso a gasolina tivesse sido vendida sem defasagem e a relação entre seus preços e os do etanol tivesse se mantido a mesma. Outro cenário, de preços menores do etanol, calcula que o segmento deixou de receber R$ 15,3 bilhões.
Em alguns processos, os juízes pediram perícia – é o caso da ação movida pela Abengoa Bioenergia. Mas na ação movida pelo Grupo São Luiz, a juíza federal auxiliar Cristiane Pederzolli Rentzsch julgou que a empresa deveria apresentar um valor, enquanto na ação da Usina Denusa, da JB Participações, a juíza federal Adverci Rates Mendes de Abreu dispensou a perícia e julgou que a apuração seria discutida em juízo.
Três empresas já fizeram perícia por conta própria e apresentaram, na ação, valores de indenização: Alcoolvale, Unialco e Aralco. As duas primeiras são representadas pelo escritório Brogin Crepaldi Sociedade de Advogados. Essas perícias chegaram a uma conta de R$ 0,22 a R$ 0,26 por litro de etanol vendido. Procurado, o escritório não comentou.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a Advocacia-Geral da União (AGU) afirmou que, em resposta às ações, tem “levado argumentos quanto à inexistência de qualquer tipo de congelamento de preços por parte da Administração Direta (União) e de que a atividade de exploração de petróleo, em caráter de livre competição no mercado, é desempenhada por sociedade de economia mista com personalidade jurídica de direito privado – a Petrobras Brasileiro S/A”. E disse que a “formação do preço dos derivados do petróleo sofreu processo de liberalização e desregulamentação legal, consoante a Lei nº 9.478/97, motivo pelo qual inexiste qualquer política pública formulada por ente da Administração Direta no sentido do controle de preços. Nesse sentido, não há qualquer nexo de causalidade entre a liberdade de iniciativa e de concorrência prevista em lei e a alegada ação coordenada de controle de preço”.
Biosev e Odebrecht Agroindustrial, representadas pelo escritório Guedes Nunes, Oliveira e Roquim Sociedade de Advogados, já estão processando a Petrobras. Enquanto as demais usinas argumentam que a estatal foi vítima da intervenção do governo, as duas afirmam que o controle dos preços foi praticado por ela e que, portanto, a empresa não pode ser vítima de um ato praticado por sua própria administração.
No processo de uma controlada do grupo Farias, o juiz federal substituto Frederico Botelho de Barros Viana julgou improcedente colocar a União como ré, por não haver “responsabilização de administradores sem rejeição de contas prévia”. E em ação das usinas Cerradão, Uberaba e Caçu, o juiz federal Marcelo Rebello Pinheiro julgou que as proponentes deveriam processar a Petrobras por ser ela a responsável pela atividade econômica. Até o fechamento desta edição, a Petrobras não se manifestou.
Fonte: Valor