As usinas de açúcar e álcool do Centro-Sul do país podem frear seus investimentos em co-geração de energia a partir do bagaço da cana. O desânimo reflete mudanças nas metodologias e critérios de valorização de preços para as usinas térmicas feitas no último leilão de energia nova promovido pelo governo federal, em junho.
Já foram investidos no Brasil cerca de R$ 3,8 bilhões em co-geração de energia a partir do bagaço de cana nos últimos quatro anos. E as usinas estimam que esse valor pode crescer oito vezes por conta do potencial que poderá ser gerado no país, segundo fontes do setor.
No último leilão realizado, dos 21 projetos de biomassa envolvendo cana somente quatro empresas se habilitaram para vender energia. No leilão de dezembro passado, quatro das dez usinas habilitadas venderam energia, de acordo com Onório Kitayama, consultor da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Unica).
O grupo Cosan, maior do país, com 17 usinas, estava com seis usinas preparadas para participar do leilão de junho, mas recuou, afirmou Pedro Mizutani, vice-presidente administrativo da companhia. “Essas alterações pegaram as empresas de surpresa”, afirmou o executivo. O grupo já investiu R$ 250 milhões em duas usinas. O Cosan já comercializa 90 megawatts, mas tem potencial para 600 MW.
As mudanças nos critérios de cálculos do preço para as ofertas das usinas de biomassa, ocorridas no último leilão, não estão condizentes com as avaliações efetuadas pelas usinas, que tinham como parâmetro os preços praticados no último leilão realizado em dezembro de 2005.
Uma das principais mudanças diz respeito ao Custo Econômico de Curto Prazo (CEC), que, em média, passou de R$ 22,60 em dezembro para R$ 3,20 em junho. A expectativa do setor para o próximo leilão de energia, programado para o dia 10 de outubro, é de que haja uma recuperação dos preços pagos.
O preço médio do MW para as usinas hidrelétricas ficou em R$ 126,77, enquanto para as termelétricas foi de R$ 132,39. O teto máximo estipulado pelo governo foi de R$ 125 para hidrelétrica e R$ 140 para as térmicas. Em dezembro, as usinas chegaram a receber R$ 160. Os valores só foram maiores, em alguns casos de usinas hidrelétricas, porque considerou-se uma taxa pelo uso do bem público (UBP).
O governo federal começou a dar maior importância aos projetos de energia alternativos, como uma forma de complementação aos projetos realizados por grandes hidrelétricas e aproveitar fontes geradoras para atender a pequenos e médios consumidores.
Atualmente, 10% das usinas de açúcar e álcool do país – um total de 350 usinas – vendem energia excedente. As usinas do país tem um consumo próprio de cerca de 2,6 mil megawatts de energia, dos quais cerca de 1,1 mil megawatts já são comercializados. O potencial que pode ser gerado a partir das usinas instaladas é de 8 mil megawatts, o que representa “meia usina de Itaipu”.
Para produzir mais energia, a rentabilidade tem de ser parecida com a do açúcar e do álcool, segundo Eduardo Pereira de Carvalho, presidente da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Unica).
Hoje 85% da eletricidade gerada no país vem das hidroelétricas. A energia a partir da biomassa, na qual as usinas estão inseridas, representa 2% do total, no país, segundo o especialista em energia Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE).
Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), responsável pelo leilão, reconhece que houve uma mudança na metodologia de valorização dos preços. Segundo ele, em dezembro de 2005 ainda não tinha sido publicado o programa decenal. Os cálculos de dezembro foram baseados em uma configuração antiga que o governo tinha como referência.
Os cálculos para os leilões a partir deste ano foram feitos a partir do programa decenal, o que mudou os critérios de pagamento, segundo Tolmasquin. No leilão previsto para o dia 10 de outubro, Tolmasquin afirmou que será efetuada uma revisão dos critérios utilizados em junho, mas os novos valores não serão nos mesmos patamares de dezembro de 2005.
Segundo Tolmasquin, a taxa de retorno para as usinas, considerando os patamares de junho, são atraentes. Pires, do CBIE, discorda. Segundo ele, a taxa de retorno para o setor sucroalcooleiro não pode ser inferior a 10% por que não compensariam os investimentos feitos pelas usinas em infra-estrutura para a produção de energia. Hoje a taxa de retorno de açúcar e álcool está em torno de 25% a 30%.
Para Carlos Roberto Silvestrin, vice-presidente executivo da Cogen/SP (Associação Paulista de Cogeração de Energia), o governo, visando maior transparência, deveria incluir a metodologia e os critérios a serem praticados, nas audiências públicas previstas para o leilão, para que o setor tome conhecimento dos critérios que serão definidos para o respectivo leilão. “É importante que o setor elétrico conheça mais como opera o setor de biomassa e, este como está operando o setor elétrico”.