A frota brasileira de veículos movidos a gás cresceu 24,2% no último ano e já ultrapassa 1,1 milhão de veículos, que elevaram em 22,8% a demanda pelo gás natural veicular (GNV) no ano passado. Com indústrias, termelétricas, residências e comércio, o uso automotivo contribuiu para a expansão de 10,3% na demanda pelo insumo em 2005, aumentando também o déficit potencial para 46% — se fossem ligadas todas as usinas movidas a gás do país — nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste e para 52% no Nordeste, segundo cálculos do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE).
O déficit potencial significa que, mesmo sem qualquer interrupção no fornecimento da Bolívia, de onde vêm mais de 50% do produto consumido no Brasil, faltaria gás para atender a todos os consumidores. Por causa disso, especialistas alertam para a necessidade de o governo agilizar a ampliação da oferta por meio da exploração das reservas de gás do país, aumentando a segurança do abastecimento do insumo, também usado para garantir o suprimento de energia elétrica.
Atualmente, cerca de mil veículos são convertidos por dia no país para o uso do gás, informa o coordenador geral do Comitê de GNV do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), Rosalino Fernandes. O Rio, onde há um desconto de 75% no Imposto sobre Veículos Automotores (IPVA) para automóveis de passeio, tem a maior frota do país. Chegou a 417 mil em fevereiro, com crescimento de 28,2% em um ano, acima da média nacional.
Economia de custos compensa riscos
Apesar da forte demanda, muitos consumidores temem que se repita o que aconteceu com o álcool. Após forte estímulo do governo ao uso do combustível a partir da década de 70, o Programa Nacional do Álcool (Proálcool) entrou em crise devido a problemas no abastecimento, no fim dos anos 80. De acordo com Fernandes, cada vez em que surgem notícias sobre problemas no abastecimento, há desaceleração do número de conversões.
— Fui um dos primeiros a comprar carro a álcool, há 30 anos. Depois de estimular o uso, cortaram todas as vantagens. Preocupa-me saber que pode faltar gás — afirma o empresário Edson Leonardes.
Mas a economia compensa o risco. Mais barato que os demais combustíveis nas bombas, o gás ganha adeptos, muda hábitos e impulsiona negócios. Morador de Cabo Frio, Leonardes diz que passou a ir muito mais a Petrópolis, a 198 quilômetros, para visitar a mãe, depois que instalou em seu Meriva um kit contendo cilindro com capacidade para 17 metros cúbicos de GNV:
— Eu gastava cerca de R$ 120 para encher o tanque de gasolina e, depois de rodar por lá, tinha que reabastecer na volta. Agora, desembolso apenas cerca de R$ 35.
Eledir Guetten de Oliveira Melo também vê inúmeras vantagens no gás. Ela mora em São Gonçalo, mas trabalha no setor de bagagens do Aeroporto Internacional Tom Jobim e faz diariamente um percurso de 66 quilômetros de ida e volta. Além de economizar na compra do combustível, acha que o desconto no IPVA compensa o custo da conversão do automóvel para uso do gás. O IPVA do seu carro, um Palio ano 2000, que seria de R$ 737,94, caiu para R$ 109,48:
— Eu e meu marido compramos um Siena 2004, já convertido para o gás e, em outubro de 2005, decidimos converter o Palio que já tínhamos.
Eledir pagou R$ 1,8 mil por um kit com cilindro de 16 metros cúbicos, o que, segundo ela, dá autonomia de 210 quilômetros. O Palio roda em média dez quilômetros com um litro de gasolina, que a um custo de R$ 2,49 dá um gasto de R$ 52. Com o gás, o mesmo percurso sai por R$ 13, calcula o marido dela, Augusto Cesar de Oliveira Melo.
Segundo levantamento da Agência Nacional do Petróleo (ANP) entre 2 e 8 de abril, o preço do gás era, em média, de R$ 1,255 o metro cúbico no país e de R$ 1,131 no Rio. Este valor equivalia a 49% do preço médio do litro da gasolina em todos os estados ou 44% no Rio. O GNV era em média 63% do álcool no país e 53% no Rio.
Combustível pode ficar mais caro
O preço é competitivo, mas o especialista Adriano Pires, do CBIE, acha que a tendência é de o gás ficar mais caro. Depois de manter o preço do gás congelado a partir de 2003, a Petrobras fez aumentos em setembro e em novembro de 2005. Em janeiro de 2006 houve um novo reajuste, que inaugurou o que deve ser a regra este ano: aumentos trimestrais, de acordo com a cláusula do contrato de fornecimento do insumo vindo da Bolívia.
— Como não há como aumentar a oferta, deve haver novos reajustes de preços — acrescentou Pires.
Com o mercado em ebulição, montadoras como a General Motors e a Volkswagen lançaram veículos que já saem da fábrica com o kit instalado. É o caso do Astra Multipower, que funciona com gás, álcool ou gasolina. A versão mais acessível do Astra Multipower 2.0 vem com cilindro de oito metros cúbicos já instalado no porta-malas e tem preço em torno de R$ 54 mil. Quando o modelo foi lançado, o custo adicional de instalação do sistema era em média de R$ 3 mil.
A maior parte dos veículos a gás é, porém, de carros a gasolina ou flex convertidos depois de saírem da fábrica. Este mercado secundário é dinâmico e vem estimulando a criação de oficinas especializadas. O advogado Fábio Luiz Nogueira abriu a Secc Gás em outubro, em Madureira. Sua oficina é uma das 764 que, até o feriado, eram homologadas pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro).
Nogueira cobra R$ 1.250 pela instalação do cilindro de oito metros cúbicos, segundo ele capaz de rodar cerca de 80 quilômetros. Já o de 16 metros cúbicos custa R$ 1,9 mil e o de 18 metros cúbicos, R$ 2,2 mil.
— Cheguei a fazer 50 conversões em fevereiro — disse ele.
A instalação do kit leva entre quatro e seis horas. O motorista deve ter o cuidado, porém, de confirmar se a oficina é credenciada pelo Inmetro.
— Se os componentes forem certificados, não há qualquer risco. O cilindro tem uma espessura que resiste até a alguns tipos de armas de fogo. Numa batida, o carro amassa e ele continua. Há ainda um sistema de válvulas de segurança. Se o carro pega fogo, o gás é liberado para não acumular e explodir — garante Italo Domenico Oliveto, responsável pelo Programa de Certificação do Inmetro.
Abastecer também ficou mais fácil. Segundo o secretário estadual de Energia, Indústria Naval e Petróleo, Wagner Victer, já existem cerca de 410 postos no Estado do Rio, onde ele está à frente de um programa de estímulo ao uso do GNV desde 1998:
— Praticamente toda a frota de táxis foi convertida e, agora, estamos testando o gás também em ônibus que rodam na Baixada Fluminense e em alguns carros da polícia.
Mais sobre o combustível
O QUE É O GÁS NATURAL VEICULAR (GNV): mistura de elementos, cujo principal componente (cerca de 93%) é o metano.
COMO UTILIZÁ-LO: instalando, geralmente no porta-malas, um kit contendo cilindro de armazenamento (a capacidade varia de 7,1 a 28,2 metros cúbicos).
QUE VEÍCULOS PODEM USAR: os movidos a gasolina e a álcool, os flex e alguns movidos a diesel.
COMO O MOTORISTA MUDA DE COMBUSTÍVEL: acionando um botão instalado no painel (chave comutadora).
ONDE INSTALAR: em uma das 764 oficinas (número até o dia 12) credenciadas pelo Inmetro. A lista está em www.inmetro.gov.br/infotec/oficinas/.
COMO É FEITA A INSTALAÇÃO: o processo dura cerca de seis horas e consiste na instalação do sistema de gás e de cilindro de armazenagem, sem remover qualquer equipamento preexistente. Em caso de venda do veículo, o kit pode ser retirado e reaproveitado em outro veículo.
QUANTO CUSTA A INSTALAÇÃO: o preço varia de acordo com a capacidade do cilindro, mas em média de R$ 2 mil a R$ 3 mil.
LEGALIZAÇÃO: a oficina credenciada pelo Inmetro fornece o Certificado de Homologação de Montagem, atestando o cumprimento das normas técnicas estabelecidas pela ABNT. O veículo deve ser apresentado no Inmetro e depois, num prazo de 30 dias, no Detran.
IPVA: regularizado, o veículo passa a ter alíquota de IPVA reduzida em estados como Rio e São Paulo.
PREÇO: o metro cúbico do GNV está custando 49% do valor médio cobrado pelo litro da gasolina e 63% do preço do litro do álcool.
MEIO AMBIENTE: o GNV tem baixo nível de emissão de gases poluentes, ou seja, é um combustível mais limpo, que causa menor dano ao meio ambiente.
DESVANTAGENS: perda de espaço no porta-malas e de potência, em torno de 5%, semelhante à redução provocada pelo uso do ar condicionado.
SEGURANÇA: os cilindros são mais resistentes que os tanques de gasolina e álcool e contam com sistemas de válvulas e chaves que evitam o vazamento de gás.