A alta nos preços do álcool combustível, de 13% desde dezembro segundo a Fipe, não alterou o interesse dos consumidores pelos carros bicombustíveis. Pesquisa da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave) mostra que, dos 58.234 carros zero-quilômetro licenciados até dia 15 de janeiro, 41.061, ou 70,55%, eram modelos com motor flexível.
Já na primeira quinzena do mês passado, a proporção era só um pouco menor: 69,19% do total dos carros tinham motor flex. “A tecnologia do flex trouxe opções para o consumidor. Se o preço do álcool não cair, ele enche o tanque com gasolina”, diz o presidente da Fenabrave, Sérgio Reze.
As montadoras encaram os reajustes como sazonais. Por isso, não cogitam rever seus planos de equipar gradativamente todas as as linhas de veículos com motores flex. “A tecnologia veio para ficar”, diz um executivo do setor.
Para a pesquisadora Miriam Bacchi, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiros (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), as distorções do mercado devem diminuir com as medidas contra fraudes da Agência Nacional do Petróleo (ANP), que obriga a adição de corantes ao álcool, e do governo paulista, que exige dos distribuidores comprovação da compra equivalente de gasolina para isentar o anidro do ICMS: “As usinas também já estão mais adaptadas ao mercado, trabalhando na legalidade”.
Segundo ela, até 2005 muitas usinas produziam mais álcool anidro (usado na mistura da gasolina e com vantagens tributárias) do que o hidratado. A demanda era maior porque o anidro era comprado mais barato e vendido como combustível, depois de hidratado ilegalmente. “Hoje a oferta de hidratado já é maior”, diz Miriam.
Já os usineiros atribuem os reajustes em dezembro a uma corrida das distribuidoras para estocar produto antes do início das medidas antifraudes – das cerca de 100 distribuidoras do País, pelo menos 40 ainda não compraram álcool nas usinas este mês.
PREÇO CAI – A boa notícia, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/USP), é que os preços do álcool nas usinas está em queda há três semanas. “Não estamos mais nas mãos dos usineiros. Rapidinho eles vão ter que baixar os preços, é só parar de comprar o álcool”, afirma Marcelo Baptista, motorista de táxi que tem um carro tricombustível (gasolina, álcool e gás natural).
O caso de Baptista mostra que, com o aumento de carros flex fuel (a gasolina e a álcool) no mercado, o consumidor pode escolher o combustível que tiver o melhor preço. Para Adriano Pires Rodrigues, do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), o consumidor não está mais refém nem da gasolina, nem do álcool, como aconteceu no fim da década de 80.
Segundo Plínio Nastari, consultor da Datagro Brasil, a alta dos preços se deve ao fato de o álcool estar na entressafra, e não existe qualquer semelhança com a crise do passado. Nastari afirma que os preços do anidro em 2003, atualizados pelo IGP-DI, equivaleriam hoje a R$ 1,23 o litro. O anidro neste mês chegou a R$ 1,08 no máximo.
“É natural os preços subirem na entressafra. É preciso lembrar que, ao longo do ano passado, os preços caíram e, em junho, chegaram a R$ 0,66 o litro”, diz Nastari.
O diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, disse não estar preocupado com a falta de álcool para exportação. A estatal continua com os planos de ser um grande exportador de álcool nos próximos anos, sem prejuízo do mercado interno. Em três anos a companhia pretende exportar para o Japão.
PROÁLCOOL – O Programa Nacional do Álcool (Proálcool) foi criado em 1975 como resposta à crise do petróleo, que fizera o barril subir de US$ 2 para US$ 12, numa época em que o País importava 70% do petróleo que consumia. Com incentivos fiscais, a produção subiu de 2,6 bilhões de litros anuais em 1978 para 9,3 bilhões de litros em 1985, quando 96% dos carros vendidos eram movidos à álcool.
A gradual retirada dos subsídios a partir do fim dos anos 80 culminou numa crise de abastecimento e no encolhimento do mercado de carros a álcool no País. A despeito do lobby dos usineiros por incentivos, o Proálcool continuou enterrado nos anos 90. O mercado de álcool combustível só voltou a aquecer com a chegada dos modelos bicombustível, em 2003.