O governo pressionará os usineiros a reduzir o preço do álcool anidro dos atuais R$ 1,09 para R$ 1. Embora o Ministério da Fazenda não esteja convencido da necessidade de adotar medidas para segurar o preço do produto, o secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, Nelson Hubner, afirmou ontem que, se o setor não aceitar diminuir o preço do produto, o governo deverá reduzir a quantidade de álcool adicionada à gasolina.
Enquanto os ministérios da Agricultura e de Minas e Energia defendem a atuação do governo para conter a alta no preço do álcool, assessores do ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) avaliam que o problema dos aumentos no produto é reflexo da entressafra na cana-de-açúcar e pode ser resolvido nos próximos meses pelo próprio mercado. Não haveria motivos para o governo intervir, interpreta a Fazenda.
Nos últimos dois dias, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Murilo Portugal, esteve reunido com representantes das pastas da Agricultura e de Minas e Energia para discutir o assunto.
Apesar dessa avaliação técnica da equipe econômica, assessores do ministro Palocci trabalham para buscar uma solução para o preço do álcool, pois existe uma determinação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para que isso seja feito.
O preço do álcool iniciou o ano com uma forte alta, o que passou a preocupar o governo. O álcool hidratado -usado diretamente nos automóveis movidos a álcool ou bicombustíveis- aumentou 6% neste ano, segundo a Fecombustíveis (Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e Lubrificantes).
Ontem, antes da reunião com Portugal, Hubner afirmou que o governo quer que os usineiros voltem a praticar os preços de 2003. Naquele ano, o setor fechou um acordo com Lula para cobrar R$ 1 por litro de álcool anidro vendido às distribuidoras.
“Se os usineiros não aceitarem o acordo, poderemos reduzir a mistura do álcool na gasolina”, disse Hubner. A idéia é reduzir de 25% para 20% a adição de álcool à gasolina. A medida, no entanto, geraria um efeito colateral para o consumidor, pois elevaria o preço da gasolina, que é mais cara do que o álcool.
Além disso, como a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) é cobrada sobre a venda da gasolina e a nova mistura aumentaria a proporção de gasolina, o combustível ficaria mais caro para o consumidor. Hoje, é recolhido R$ 0,28 por litro comercializado.
É por essa razão que o governo federal também estuda reduzir o valor da Cide, caso a mistura seja alterada. “A mudança na mistura aumentaria o preço da gasolina, elevando muito a arrecadação do governo com a Cide. O governo não tem interesse em aumentar a arrecadação”, declarou Hubner.
Sem decisão
Depois da reunião na sede do Ministério da Fazenda, Portugal afirmou apenas que nada foi decidido. Está previsto para a semana que vem um encontro entre governo e usineiros.
Na tentativa de pressionar o setor, na quarta-feira, o diretor do departamento de Cana-de-Açúcar e Agroenergia do Ministério da Agricultura, Ângelo Bressan, chegou a cogitar confisco dos estoques de álcool -medida já descartada pelo ministro Silas Rondeau (Minas e Energia). O estoque de álcool é estimado em 4 bilhões de litros.
Outras medidas em estudo pelo governo, afirmou o diretor, eram a mudança na mistura, a redução no valor da Cide e até mesmo a importação de álcool dos Estados Unidos.
O ministro Rondeau também disse, um dia depois, que não haveria importação dos EUA. Reafirmou que não existe motivo para a alta dos preços e fez um apelo aos usineiros para que contenham as remarcações.
Combate à fraude pode ter ajudado na alta de preços
A política de combate a adulteração e sonegação de impostos no mercado de venda de álcool pode ter ajudado a pressionar os preços do combustível para cima e, somado à entressafra da cana, impulsionado a alta dos últimos meses.
Ontem entrou em vigor determinação da ANP (Agência Nacional do Petróleo) com objetivo de impedir que o álcool anidro (usado na mistura com a gasolina e isento de tributação na venda pela usina aos distribuidores) fosse transformado por distribuidoras em álcool hidratado (usado nos veículos e tributado na venda).
Desde ontem, os produtores de álcool anidro têm que adicionar ao produto um corante laranja antes de vendê-lo aos distribuidores. Assim, mesmo que os distribuidores tentem adicionar água ao produto e repassá-lo para os postos como álcool hidratado (incolor), a adulteração -“álcool molhado”- poderá ser identificada.
Os usineiros produzem dois tipos de álcool: hidratado e anidro. Na venda do hidratado aos distribuidores, há cobrança de Cide (tributo sobre combustíveis, de aproximadamente R$ 0,40 por litro) e de ICMS (25% na maioria dos Estados).
No caso do anidro, não há cobrança de Cide e o ICMS é arrecadado com a venda da gasolina. A fraude consistia em compra de álcool anidro pelos distribuidores, que adicionam água e vendem para os postos sem ter pago ICMS e Cide.
Essa prática pode ter gerado preços do álcool hidratado artificialmente mais baixos nos postos. Com o combate à fraude, o mercado tende a se reequilibrar. Além disso, como os distribuidores que praticavam a adulteração já sabiam da obrigatoriedade da adição do corante ao álcool anidro desde outubro, começaram a fazer estoque, o que também contribuiu para elevar o preço.
“O corante formaliza o mercado. Somando isso com a entressafra, pode ser um elemento a mais no aumento do preço”, diz Roberto Ardenghy, superintendente de Abastecimento da ANP. Para ele, houve um aquecimento do mercado de álcool anidro desde que a agência reguladora começou a divulgar, em consultas públicas, a intenção de obrigar a adição de corante ao álcool anidro.
“Estimativas das grandes distribuidoras indicam que a adulteração e a sonegação atingiam cerca de um quinto do mercado de álcool, o que levava a uma evasão fiscal de cerca de R$ 2 bilhões por ano.”