O início das negociações do tão falado mercado de créditos de carbono até o fim do ano pode marcar uma nova fase no segmento de derivativos brasileiro. O processo deverá também consolidar a reativação da Bolsa do Rio – somado ao início das negociações do mercado de energia elétrica excedente na segunda-feira -, agora sob gestão da Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F). Mas os investidores ainda têm dúvidas sobre como participar do novo segmento.

O início do mercado tende a ser lento, mas a expectativa é de que movimente cerca de US$ 10 bilhões por ano até 2012. José Eduardo Queiroz, sócio do escritório Mattos Filho Advogados, explica que aqui haverá duas formas de atuar sem o participante ser necessariamente uma das empresas que esteja obrigada a reduzir suas emissões de poluentes na atmosfera – até porque só os países desenvolvidos, do chamado Anexo I do Protocolo de Kioto, têm metas para redução destes gases, em 5,2% em média até 2008, em relação ao que emitiam em 1990, de acordo com o documento. Esta redução deve ser comprovada até 2012.

Por conta disso, Queiroz explica que o papel do Brasil nesse mercado tende a ser de emissor e vendedor de créditos, já que não tem metas de redução, mas pode criar projetos para reduzir a emissão de gases provocadores do efeito estufa e vendê-los aos países desenvolvidos para que estes cumpram suas metas. Mas não significa que apenas empresas e governos serão os compradores destes créditos. “O investidor vai querer comprar créditos na baixa para vender na alta, como ações”, diz.

Essa é uma das formas para se participar do mercado sem precisar montar um projeto de redução de gases poluentes: comprar e vender diretamente contratos futuros de créditos de carbono apostando na valorização destes papéis. Mas a modalidade é considerada cara e inviável para pequenos investidores. “O mercado é restrito pela própria natureza sofisticada dos projetos e, como todo o mercado de derivativos, a participação de pessoas físicas é pequena”, explica o advogado.

O superintendente executivo da área de sustentabilidade e negócios sócio-ambientais do ABN Amro, Victor Hugo Kamphorst, explica que a tonelada do crédito de carbono originado em projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) – o que o Brasil desenvolve – está avaliada entre US$ 9 e US$ 12.

Um dos limitadores é que o mercado mundial negocia lotes muito grandes. “Os japoneses não gostam de negociar menos de um milhão de toneladas”, explica o executivo, que já negocia créditos na Europa – onde oito bolsas negociam os créditos -, no Canadá e no Japão, via uma mesa de operações do banco em Sydney, na Austrália. Aqui, o tamanho dos lotes, assim como outros padrões de negociação, ainda não está definido. Uma alternativa para estes investidores menores podem ser os fundos de investimento, que exigiriam aplicações iniciais mais baixas. O ABN já trabalha na criação de uma carteira do tipo.

A tonelada de carbono pode ter preços diferentes de acordo com o tipo de projeto que reduz os gases poluentes. Os mais comuns no Brasil são os de cogeração de energia pelo uso do bagaço de cana e os de recuperação de gases de aterros sanitários para evitar a emissão de metano para a atmosfera, ou sua queima, que já geram créditos. Outros possíveis são de geração de energia por biomassa, além de projetos de eficiência energética e reutilização de dejetos da criação de animais de confinamento e reflorestamento. Para validação, a comissão interministerial – formada por 11 ministérios – tem hoje no total aproximadamente 140 milhões de toneladas de carbono em análise, diz Kamphorst.

O chefe do departamento de projetos especiais da BM&F, Guilherme Fagundes, explica que até a emissão do crédito o projeto passa por diversas certificações: de uma instituição validadora, da comissão interministerial, do Conselho Executivo da ONU e depois novamente pela validadora, para aí sim a ONU emitir o crédito. “O que o mercado negocia é o crédito que vai ser gerado”, explica. Por isso, trata-se de um mercado futuro. E daí vem um dos riscos do projeto: não gerar a quantidade de créditos esperada, ou mesmo de não funcionar. Aí, a empresa que comprou seus créditos futuros poderá ter de recorrer à Justiça. O outro risco é de o projeto não ser reconhecido em algum dos estágios.

No próximo dia 15, a BM&F dará início ao cadastramento dos projetos que pretendem reduzir os gases poluentes da atmosfera em um banco de dados e, portanto, negociar créditos em bolsa. Da mesma forma, receberá intenção de compra de investidores, governos e organismos multilaterais, que podem indicar que projetos estão buscando para investir, ou seja, comprar créditos. Na prática, é o banco de projetos que servirá para dizer se existe demanda para um mercado organizado em bolsa para os créditos de carbono. Atualmente, estes créditos já são negociados diretamente entre empresas, no chamado mercado de balcão. Victor Hugo, do ABN, estima que os projetos no Brasil gerem entre US$ 50 milhões e US$ 60 milhões em possíveis créditos de carbono nesse ano. “Mas quem tem isso pode não querer negociar, esperando o valor dos créditos subir no mercado internacional”, diz.

Mesmo quando o pregão dos créditos de carbono estiver funcionando, os projetos que desejarem negociar créditos de carbono deverão estar cadastrados no banco de projetos da BM&F. Apesar de o projeto colocar a Bolsa do Rio como o pregão oficial de créditos de carbono, os negócios poderão ser feitos pela BM&F em São Paulo também, explica Fagundes.

A advogada Juliana Garcia Gerevini avalia que um nicho promissor dentro de mercado de carbono brasileiro no qual os bancos já estão de olho é o segmento de securitização para os projetos de redução de carbono. José Eduardo Queiroz, da Mattos Filho, lembra, no entanto que o crédito para este tipo de projeto não está previsto na legislação dos fundos de direitos creditórios (FIDCs), que compram os papéis de recebíveis convencionais.