Cresce nos meios brasileiros ligados às negociações internacionais, inclusive no governo, a opinião de que a Rodada de Doha, o ciclo de negociações para aprofundar a liberalização do comércio internacional iniciado em 2001 na capital do Catar, produza resultados pífios. O chefe da divisão de Agricultura e Produtos de Base do Ministério das Relações Exteriores, Flávio Damico, disse ontem que a próxima minirreunião ministerial, marcada para outubro, em Genebra, “é muito importante para evitar um fracasso como ocorreu em Seattle e Cancún”.
O temor de especialistas reunidos ontem no seminário “Organização Mundial do Comércio – Evolução e Perspectivas” é que a Rodada de Doha acabe apenas “cortando água”, o que no jargão do multilateralismo é a distância em pontos percentuais entre as tarifas consolidadas (tarifas nominais inscritas na OMC) e as praticadas. Com isso, o ganho seria apenas cosmético, já que não haveria efetivamente redução das barreiras tarifárias impostas ao comércio.
“O grande risco é a perda da ambição, ou seja, que se criem regras de escape e que os cortes sejam apenas na água entre a tarifa aplicada e a consolidada”, disse Marcos Jank, do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone). Segundo ele, a Rodada de Doha sofreu atraso de dois anos, porque os EUA, principal personagem das negociações internacionais de comércio, tinham outras prioridades.
A próxima reunião ampla de ministros, marcada para Hong Kong, na China, em dezembro deste ano, será decisiva para que se saiba dos resultados práticos das negociações de Doha. Idealmente, ela deveria fechar a proposta de acordo para que o governo americano tenha tempo para enviá-la à apreciação do Congresso do país antes que termine o mandato concedido ao Executivo para encaminhar as negociações de forma autônoma, o chamado “fast track”. O mandato termina em julho de 2007.
“Sou relativamente otimista, mas o tempo é muito curto”, disse Damico. Para Mário Marconini, conselheiro do Centro Internacional para o Comércio e Desenvolvimento Sustentado (CICDS), com sede em Genebra, caso Hong Kong fracasse, será necessário que alguns países ou blocos líderes das negociações, como EUA, União Européia, Brasil, China e Índia, se reúnam para estabelecer pontos em torno dos quais se se buscaria um acordo para salvar as negociações.
A Rodada de Doha é a primeira que reúne na mesma negociação produtos agrícolas, industriais, serviços e propriedade intelectual. A questão agrícola é o grande divisor de águas. É nela que os países em desenvolvimento vêem maiores chances de ganhar competitividade, se conseguirem que os países ricos façam cortes expressivos de tarifas e de subsídios, seja às exportações ou aqueles concedidos aos produtores internos para assegurar rentabilidade mínima.
A resistência dos EUA e da União Européia ao pleito dos mais pobres na agricultura provoca o travamento das liberalizações nas áreas de serviços e de propriedade, que interessam mais aos países ricos. O Brasil e outros países emergentes também enfrentam dificuldades com os países mais ricos na área industrial. Sem avanços nas negociações globais, os países buscam soluções no órgão de soluções de controvérsias, onde o Brasil tem obtido sucessos, como no caso do nos casos do algodão e do açúcar.