Hoje em dia, tudo que usamos vem da energia fóssil (petróleo, gás natural e carvão): combustível para transporte, para aquecer ou resfriar as casas, para gerar força na indústria, para cultivar, colher, produzir, preservar e transportar os alimentos, para gerar eletricidade. O problema é que os gases emitidos com a queima dessas fontes fósseis de energia se acumulam na atmosfera, e são responsáveis pelas mudanças climáticas no mundo. Isso está afetando a agricultura, o acesso à água, os ecossistemas aquáticos e terrestres, a biodiversidade.
Além de diminuir a emissão de CO2, será preciso retirá-lo da atmosfera, o que vai exigir tecnologia de sequestro de carbono, que ainda não temos. As plantas fazem isso naturalmente. No caso da cana-de-açúcar, mais especificamente, ainda existe a vantagem de produzir etanol, energia limpa para mover veículos. No futuro tudo virá da fazenda, isso quer dizer que precisamos saber preservar e cuidar bem da terra, dos recursos hídricos e dos solos: a partir da biomassa vamos precisar fazer também as tintas, solventes, vernizes, colas, fibras, plásticos, tecidos. Tudo isso sem emitir mais carbono e preservando o ambiente.
O mundo precisa fazer essa transição para a economia baseada na biomassa. Os experts das mudanças climáticas calculam que já deveríamos estar reduzindo as emissões em ritmo acelerado e que talvez não seja possível evitar que a temperatura da Terra aumente menos que 2 graus, considerados a margem de segurança pretendida.
Vamos emitir agora mais do que podemos, imaginando que no futuro tecnologias de captura e sequestro de carbono estejam disponíveis para diminuir a concentração de carbono e possivelmente estabilizarmos o clima. Os pesquisadores também contam com a produção de biomassa para prover parte desta capacidade de retirada de carbono do ar.
O Brasil ocupa uma posição de destaque entre as nações que poderão contribuir neste processo, apresentando terras, clima, expertise e tecnologias para uma agricultura de escala. Já passou pela curva de aprendizado para a produção de etanol de cana e biodiesel e tem pastos que podem ser recuperados ou ter seu uso intensificado liberando ainda mais terras para a produção de biomassa.
América Latina e África têm grande potencial para a expansão sustentável da produção de bioenergia para o mundo e para consumo interno. E ainda podem se beneficiar vendendo créditos de carbono. A bioeletricidade e o biogás (gás metano produzido por digestão anaeróbia de resíduos orgânicos) podem ainda trazer desenvolvimento rural nestas regiões, novos empregos e contribuir com a segurança alimentar de países em desenvolvimento.
Mas o que é a biomassa? A biomassa é o carbono da atmosfera capturado pelas plantas durante o crescimento pelo processo da fotossíntese, que produz ligações entre carbonos estocados na forma de açúcares, como o amido e a sacarose, e a lignocelulose. As plantas usam a energia solar para fazer a ligação entre os carbonos.
A bioenergia é gerada durante a combustão, quando há a quebra das ligações de carbono. A maioria da bioenergia atualmente vem da queima de madeira, forma ineficiente de produção, chamada de bioenergia tradicional. Mais da metade da madeira usada no mundo é queimada para cozinhar ou aquecer casas – estima-se 2,8 bilhões de pessoas sem outra alternativa para cozinhar. No Brasil, o gás de cozinha está disponível em todo território nacional, mas nem todo país tem essa política. A bioenergia moderna usa formas mais eficientes de transformação de biomassa fazendo combustíveis líquidos a partir dela, como o etanol de milho e de cana, e o biodiesel de soja e dendê. Há biocombustíveis mais avançados, a base de lignocelulose, que já começam a ser comercializados, que produzem etanol com eficiência muito maior e que podem usar como matéria prima a madeira, resíduos agrícolas e até lixo urbano, aumentando em muito as opções para utilização da biomassa. Internacionalmente, trabalha-se com a previsão de que a biomassa ocupe até 60% da energia renovável. A energia de fonte renovável vai chegar a ser responsável por até 20% da energia primária usada no mundo.
Glaucia Souza – Professora de Bioquímica do Instituto de Química da Universidade de São Paulo e Coordenadora do BIOEN
Fonte: O Estado de S. Paulo