Mercado

Um choque de realidade na previsão econômica

O Boletim de Conjuntura n 68, divulgado terça-feira pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, tem o defeito da imprecisão, inerente às previsões sobre o futuro da economia, por mais que se apóiem em dados econométricos, e o mérito de reconhecer os efeitos da política monetária e cambial sobre os fenômenos econômicos presentes.

Um antigo ditado diz sabiamente que “o futuro a Deus pertence”, o que torna, em princípio, arriscado qualquer exercício de previsão de fatos vindouros, principalmente os de ordem econômica, até mesmo para aqueles que, desde o Oráculo de Delfos, na antiga Grécia, pretendem ser os intermediários entre as divindades e os seres humanos em carne e osso. Nem um dos mais badalados futurólogos internacionais, que fez sucesso na década de 70, Herman Khan, do Hudson Institute, de Nova York, conseguiu emplacar suas previsões.

E o próprio histórico recente do Ipea comprova que nem sempre os fatos reais convalidam as previsões econômicas, a despeito da seriedade do órgão e de seu quadro de funcionários. Nas previsões do Instituto para o ano de 2004, a estimativa do Produto Interno Bruto (PIB) era de 3,4%, mas na realidade foi de 5,2%, segundo levantamento divulgado no dia 1 último pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); a inflação anual prevista de 5,7% se tornou na realidade de 7,4%; o crescimento de 3,8% da indústria se transformou em 6,2%; e a formação bruta de capital fixo (FBCF) – ou seja, em termos leigos, os investimentos – cresceu 10,4%, em vez dos previstos 6,3%. Para felicidade geral do povo e, principalmente, do governo federal, a realidade foi melhor que a estimativa.

Portanto, ninguém de bom senso deve considerar as previsões do Ipea para este ano como as tábuas da lei. Elas podem se concretizar ou não. Tudo depende de uma série de fatores imprevisíveis, como o comportamento dos chamados agentes econômicos, da economia internacional e da “mão invisível” do mercado, essa entidade onipresente e de comportamento instável.

Como no ano passado, a previsão do Ipea para o crescimento do PIB deste ano é conservadora. A estimativa é de 3,5%, ou 0,1 ponto percentual acima da previsão para 2004. Esse percentual, prevê o Ipea, será o resultado de um impacto negativo de 0,7 ponto percentual decorrente de eventual desaceleração nas exportações e de uma possível expansão de 4,2 pontos percentuais na demanda interna.

Ao longo do ano, o Ipea vai ajustando suas previsões à realidade. Assim, se a previsão do crescimento do PIB em dezembro de 2004 era de 3,8%, agora é de 3,5%. O aumento do consumo das famílias, de 4,6% em dezembro, passou para 4,3%. O consumo do governo caiu de 2,3% para 0,7%, como decorrência da necessidade de maior superávit primário. A previsão, em dezembro, para o crescimento dos investimentos neste ano era de 9,1%, e baixou agora para 8,3%. Outras estimativas de crescimento são de 4,7% para a indústria (5,3%, antes), de 2,4% para serviços (2,7%, antes), de 4,1% para agropecuária (2,9%, antes) e de 5,4% para a inflação (5,6%, antes) – acima, portanto, da meta do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central para o ano, que é de 5,1%. Na realidade, nos últimos 12 meses encerrados em janeiro, a inflação oficial (IPCA) está em 7,41%.

Os dados efetivos das exportações já realizadas neste ano mostram um movimento vigoroso, apesar da valorização do real. O saldo da balança comercial até a primeira semana de março já soma US$ 5,58 bilhões. No final do ano, ele deve chegar a US$ 30 bilhões, e a meta de exportações de US$ 108 bilhões poderá ser superada. Apesar da queda dos preços dos produtos do complexo soja, outras commodities se valorizaram internacionalmente, como o minério de ferro, produtos siderúrgicos, açúcar e carnes.No entanto, o levantamento do Ipea acerta ao constatar que o declínio das taxas de crescimento do PIB ao longo do ano passado (1,8%, 1,5%, 1,1% e 0,4%, nos quatro trimestres, respectivamente) deve ser visto como parte de um processo de ajuste gradual da economia, ou seja, do arrocho da política monetária, com a brutal elevação da taxa de juros básicos da economia. O Ipea mostra preocupação com a relação dívida/PIB, que, depois de expressiva redução de quase seis pontos percentuais em 2004, pode voltar a crescer em 2005, na esteira do aumento dos juros reais, da valorização do câmbio e do menor crescimento da economia.

Os empresários, entretanto, não devem se deixar influenciar por esses aspectos negativos ou menos favoráveis e por simples previsões. Afinal, como o próprio Ipea constatou, eles continuam confiantes, e o crescimento está em suas mãos.