Os reajustes de pedágio concedidos pelo governo de São Paulo neste ano despertaram a fúria de companhias de concessões de rodovias, que já ameaçam ir à Justiça para se defender. Na maioria dos casos, o aumento permitido ficou abaixo da inflação – diferentemente do que determinam os 19 contratos do tipo entre empresas e Estado.
Executivos das empresas passaram o fim de semana reunidos com equipes de advogados para definir qual seria a reação à política estabelecida pelo governo do Estado de São Paulo. As empresas estão preparando medidas administrativas para se defender e já falam em judicializar a questão caso não tenham sucesso.
A medida elaborada pelo governo de São Paulo para o reajuste de 2014 é uma consequência direta do congelamento de preços do ano passado: em 2013, em meio aos protestos populares sobre tarifas de mobilidade urbana, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) decidiu suspender o reajuste anual nas estradas.
Os contratos do setor demandam o reajuste anual das tarifas em 1º de julho, pela inflação acumulada em 12 meses. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) – que é o indexador dos reajustes – ficou em 6,5% no meio de 2013. Em troca do não reajuste, o governo autorizou a cobrança do eixo suspenso de caminhões e a reduziu de 3% para 1,5% o pagamento sobre receitas anuais, por exemplo.
Mas as medidas elaboradas em 2013 teriam beneficiado a maior parte das empresas além do que era necessário, segundo interpreta a Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp). Para tirar essa suposta “vantagem” que as empresas teriam recebido com as medidas do governo, 17 das 19 concessionárias de rodovias no Estado receberam em 2014 um reajuste abaixo da inflação.
A CCR Autoban (que administra o sistema Anhanguera Bandeirantes), por exemplo, recebeu reajuste de 5,38% neste ano. Pelo IPCA, seria de 6,37%.
O problema é que a quantia de receita “extra” que as empresas teriam tido no ano passado é uma interpretação apenas da Artesp. A diretora-geral da agência, Karla Bertocco Trindade, diz que foi feita uma contagem – antes de a medida ser adotada – nas principais praças de pedágio do Estado, durante o dia e em parte da noite, para saber qual seria o benefício dos eixos suspensos e seu impacto real para as concessionárias. Na prática, o governo contou quantos caminhões passavam pela praça de pedágio com o eixo suspenso e estimou qual seria o benefício caso esses eixos passassem a ser cobrados.
“As empresas que se sentiram prejudicadas poderiam reivindicar mudanças na nossa metodologia com base em argumentações. Dependendo do caso, poderíamos abrir uma investigação interna para apurar se havia procedência”, diz Karla.
O setor privado questiona o levantamento realizado. Empresas dizem que o horário para a contagem foi muito restrito e que não contemplou todas as praças – e que, por isso, não é possível por parte da Artesp estimar com precisão qual teria sido o impacto do início da cobrança do eixo suspenso. Falam também que é muito difícil fazer o cálculo para saber o quanto as empresas teriam se beneficiado por causa da medida.
As companhias, no entanto, questionam sobretudo a concepção do reajuste de 2014. Segundo elas, o governo quer, por meio de um reajuste anual, realizar um reequilíbrio econômico-financeiro prejudicado desde 2013. Todo reequilíbrio deve ser, conforme os contratos, negociado entre empresas e poder concedente. Nesse caso, empresas dizem que não houve negociação.
A CCR, um dos principais grupos do setor no país, diz que o momento atual da infraestrutura demanda investidores e “preservação da estabilidade dos contratos como fator de segurança regulatória”. “O Grupo CCR e suas Concessionárias de Rodovias informam que discordam da decisão da Agência Reguladora e que vão defender seus interesses e direitos contratualmente assegurados”, informou em nota à imprensa.
A Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR) também criticou o governo paulista. “A decisão representa mais uma ação unilateral do Governo do Estado de São Paulo e, por não ter respaldo jurídico, é entendida pela ABCR como quebra do contrato de concessão”, diz em nota. E completa: “A ABCR tomará todas as medidas cabíveis para preservar os direitos de suas associadas, e, neste caso, a aplicação do índice contratualmente previsto”.
O setor privado ficou especialmente contrariado pelo fato de os reajustes terem sido anunciados no fim da tarde de uma sexta-feira – nesse caso, uma véspera de jogo da seleção brasileira pela Copa do Mundo. Isso teria forçado executivos a fazerem forças-tarefa para analisar os números. Além disso, lamenta-se o fato de o episódio ocorrer justamente no Estado de São Paulo, que era considerado um porto seguro para os contratos do setor – pelo menos até antes dos eventos recentes.
A inflação acumulada desde 2013 levaria a um reajuste de 13,29% nos preços de pedágio. Só o reajuste de 2014 seria de 6,37%. Mas o reajuste aplicado ficou entre 3,51% e 6,97%, o que representa um aumento médio de 5,29%. Por causa do arredondamento de tarifas previsto em contratos, o reajuste deste ano chega, na prática, a até 8,57% dependendo da praça de pedágio.
Fonte: Valor Econômico