Por que os preços do petróleo estão tão altos? Essa é uma pergunta que a Agência Internacional de Energia (AIE), uma agência intergovernamental que representa os principais países consumidores de petróleo, gostaria de responder.
O petróleo, conforme estamparam as manchetes de jornais pelo mundo, atingiu na semana passada um novo recorde nominal de US$ 48,70 (na sexta, a fechou em US$ 47,83). Mas os técnicos da agência não estão impressionados.
O título do mais recente relatório da AIE sobre o petróleo, “Exuberância Irracional”, reproduz uma expressão cunhada por Alan Greenspan, presidente do Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, ao ponderar os níveis elevados dos mercados acionários em 1996, ainda bem antes do estouro da bolha das ações.
Na verdade, há boas razões fundamentais para a alta recente. A demanda pelo petróleo está crescendo. O consumo parece estar crescendo 3% este ano, bem acima do nível dos anos recentes, graças em parte à avidez por petróleo dos Estados Unidos, que consumem um quarto do petróleo mundial.
A verdadeira surpresa, porém, é a China. Sua economia em rápida expansão suga petróleo para o uso em tudo, da geração de energia à fabricação de produtos petroquímicos.
No primeiro semestre deste ano, as importações chinesas de petróleo cresceram mais de 40%, em volume, em relação ao mesmo período de 2003.
Se a demanda está vigorosa, a oferta ficou tão incerta que corretores estão falando de um “prêmio de risco” de talvez US$ 10 o barril. Na Rússia, o sombrio ataque do presidente Vladimir Putin à gigante petrolífera Yukos poderá levar à interrupção das exportações.
Na Venezuela, o presidente Hugo Chávez sobreviveu a um plebiscito no último dia 15, mas seus oponentes prometeram continuar lutando para tirá-lo do poder; no ano passado, uma greve geral paralisou completamente o setor de petróleo do país. No Iraque, insurgentes vêm repetidamente interrompendo as exportações.
A maior preocupação do mercado é que terroristas venham a danificar a infraestrutura de petróleo da Arábia Saudita, país que é o eixo central da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo, o cartel dos produtores) e o único com capacidade excedente.
Outros fatores, menos óbvios, também estão puxando os preços. Um deles é o mercado de petróleo dos EUA, onde a demanda está forte, mas as ações estão em baixa, e a oferta restrita por regulamentações ambientais e a falta de capacidade de refino.
Assim, os preços nas bombas de gasolina subiram a níveis que estão fazendo os americanos reclamarem.
Philip Verleger, do Institute for International Economics, afirma que essa tensão vem tendo um efeito cascata sobre o preço do petróleo bruto em todas as partes, porque os EUA não apenas são o maior mercado do mundo, como também são o mais transparente.
Outra mola poderosa dos preços do petróleo pode ser a fraqueza do dólar, moeda na qual os preços do petróleo são fixados. A Opep se queixa de que a queda recente do dólar lhe tira poder de compra (uma vez que seus membros também compram coisas em ienes e euros). Essa irritação pode ter levado o cartel a adotar uma visão relaxada em relação às altas recentes dos preços.
Por outro lado, o dólar fraco tem sido bom para os países consumidores da Ásia. Segundo rumores de mercado, as empresas asiáticas vêm fazendo grandes apostas no petróleo para entrega futura, na suposição de que o dólar continuará fraco. Se os preços do petróleo subirem e as moedas asiáticas continuarem fortes frente ao dólar, essas apostas se mostrarão lucrativas.
Tais apostas podem ajudar a explicar o por quê da dramática alta recente dos preços dos contratos futuros de petróleo. Picos anteriores nos preços do petróleo para entrega imediata não foram acompanhados de uma forte alta nos mercados futuros, porque os consumidores acreditaram que os picos seriam temporários.
Mas está claro que as apostas das empresas asiáticas fornecem apenas uma parte da explicação, e um coro crescente diz que a alta dos preços no mercado futuro significa que os consumidores do mundo não esperam que o preço do petróleo vá cair abaixo dos US$ 30 por muitos anos.
Especuladores também estão ajudando a puxar os preços. Dados oficiais mostram que os contratos de petróleo mantidos por fundos de hedge e outros especuladores atingiram uma alta histórica no começo deste ano.
Embora essas posições tenham sido reduzidas nas últimas semanas, corretores afirmam que o interesse especulativo continua forte.
Com os juros baixos e os retornos dos mercados de ações desapontando, apostar na alta dos preços do petróleo tem se mostrado altamente lucrativo.
Esses apostadores podem, porém, se dispersar se os preços começarem a cair acentuadamente, o que derrubaria ainda mais os preços.
Mas o maior fator por trás da extraordinária alta para quase US$ 50 o barril pode ter sido o temor da Opep de ver o barril cotado a US$ 5. Às vésperas da crise financeira do Sudeste da Ásia, no final dos anos 90, o cartel se reuniu em Jacarta e concordou em aumentar a produção.
E não foi só isso. O cartel julgou mal a gravidade daquela virada para baixo da economia. O resultado foi um colapso nos preços do petróleo para US$ 10 o barril – desastre financeiro e político para o cartel. Hugo Chávez disse que se ele e seus colegas da Opep não tivessem cortado muito a produção, o petróleo teria caído para US$ 5 o barril.
Assustados por essa lembrança, os sauditas atacaram o mercado do petróleo com vigor. Nos últimos anos, diz Verleger, eles vêm alavancando os preços do petróleo, mantendo estoques em baixa nas economias consumidoras.
Verleger e outros economistas argumentam que, ao manipular os níveis de produção, a Arábia Saudita vem garantindo que as companhias dos países ricos percam o interesse em manter estoques. Esse aperto inevitavelmente alavancou recentemente os preços do petróleo.
Outro fator, relacionado ao colapso dos preços do petróleo no final do anos 90, foi a conseqüente relutância da Opep em ampliar a capacidade de produção.
O cartel não tem investido o suficiente para acompanhar o crescimento da demanda, de modo que o mundo está virtualmente sem capacidade ociosa.
O crescimento recente na demanda significa que até mesmo a Arábia Saudita não tem mais capacidade de produção suficiente para lidar com duas interrupções simultâneas – como fez no começo de 2003, quando as exportações da Venezuela e do Iraque foram interrompidas.
Portanto, a Opep parece ter perdido controle do mercado do petróleo, ao menos por enquanto.
Se a demanda esfriar, e se os campos de petróleo recuperarem a capacidade excedente do passado, o cartel vai reconquistar seu poder de fixação de preços. Enquanto isso, os sauditas têm pouca alavancagem.
Ali Naimi, o ministro saudita do Petróleo, normalmente mexe com os mercados quando fala. Ainda assim, quando ele prometeu, dias atrás, que mais petróleo está a caminho, os corretores o ignoraram e o rali dos preços continuou.
Os céticos da AIE poderão provar que estão certos: os preços do petróleo poderão despencar em algum ponto, sobretudo se a demanda parar de crescer ou cair.
Mas, enquanto a capacidade excedente permanecer apertada, preços altos (e até mesmo picos mais dolorosos) parecem mais prováveis. E mesmo que os preços caíam nas próximas semanas, eles deverão se estabilizar em um nível maior do que o dos anos 90.
Raymond Carbone, um corretor de petróleo da Bolsa Mercantil de Nova York, avalia a suposta bolha do petróleo da seguinte maneira: “Isso não é a Nasdaq em 1999. Esta bolha não é tão frágil”. Ele se apressa a acrescentar: “A menos que haja uma recessão mundial”.
A ironia é que, quanto mais prolongado e forte for o rali dos preços do petróleo, maior a chance de uma retração econômica. Isso aponta para o melhor motivo para a Opep dar um jeito de ampliar a capacidade excedente o quanto antes. Quando os preços empurram as economias consumidoras para uma recessão, é o próprio cartel quem mais sofre.