Vimos nos artigos anteriores que tanto a queda dos juros, no ritmo que o mercado deseja, como a renegociação da dívida mobiliária são medidas que, se adotadas isoladamente e na intensidade desejada pelos seus defensores, poderão desestabilizar o delicado equilíbrio exemplificado no “triângulo intocável”. Recapitulando, a boa política econômica demanda um conjunto de ações capaz de promover simultaneamente o controle da inflação, a redução da dívida pública e o equilíbrio das contas externas.
No artigo de hoje, vamos avaliar qual seria o impacto de uma política cambial ativa que visasse a depreciação da moeda nacional. Seria uma maneira de gerar novos surtos de crescimento econômico mediante a substituição do modorrento mercado interno pelo dinâmico mercado internacional.
Até 1998, o Brasil adotou um rígido sistema cambial, no qual o poder público exercia um controle direto sobre a paridade da moeda nacional. Essa política contribuiu para o sucesso do Plano Real, uma vez que a política econômica enfatizou o manejo da taxa de câmbio como fator de incremento na oferta de bens em um mercado interno com demanda aquecida, evitando, dessa forma, pressão sobre a inflação.
A “âncora cambial” foi instrumento determinante no controle dos preços, mas também gerou alterações estruturais nas contas externas. As importações saltaram de US$ 33 bilhões em 1994 para US$ 58 bilhões em 1998. No mesmo período, as viagens internacionais passaram de US$ 1,2 bilhão para US$ 4,1 bilhões. Com isso, o saldo negativo das transações correntes do país saltou de US$ 1,7 bilhão para US$ 33,4 bilhões em quatro anos.
A adoção do câmbio flutuante a partir de 1999 veio acompanhada de uma política de juros elevados como forma de desaquecer a demanda interna e inverter o rombo das transações correntes. Desde então a economia brasileira vem registrando crescimento acelerado da dívida pública, forte recrudescimento do mercado interno, carga tributária em níveis absurdos e crescimento médio do PIB entre 1999 e 2003 de mísero 1,6%.
Vale citar que, mesmo não exercendo controle direto sobre o câmbio, o governo pode atuar no monitoramento da taxa cambial e intervir decisivamente quando a depreciação ou a valorização da moeda atinge determinado limite. E qual seria o impacto da depreciação cambial sobre o “triângulo intocável”?
O ajuste nas contas externas a partir de 1999 mostra que o país saiu de um déficit nas transações correntes de US$ 33 bilhões para um superávit de US$ 4,1 bilhões em 2003. O elemento determinante dessa rápida transição foi a inversão do saldo comercial, que passou de um déficit de US$ 1,3 bilhão para um superávit de US$ 24,8 bilhões no período, fato possível pela expansão acelerada das exportações, cujo total cresceu mais de 50% em três anos.
A adoção do câmbio flutuante corrigiu parte de desequilíbrios provocados pelo câmbio controlado. Apenas em 1999 a taxa de câmbio nominal acumulou uma desvalorização superior a 50%, ante uma inflação medida pelo IGP-M de pouco mais de 10%.
O câmbio flutuante contribuiu para a expansão das exportações, mas boa parte desse crescimento deve ser atribuída à expansão de economias como a americana e a chinesa. A forte demanda desses países no mercado internacional favoreceu o Brasil, cujas vendas de produtos básicos cresceram quase 80% de 1999 a 2003.
A possibilidade de uma queda nos preços das commodities, em razão de um cenário que aponta o esfriamento das economias chinesa e americana, vai intensificar os argumentos em favor da depreciação mais intensa do câmbio como fator de manutenção da expansão das exportações e, conseqüentemente, do crescimento da economia.
Em resumo, a depreciação cambial mais acentuada gera efeito positivo sobre o balanço de pagamentos em razão do impacto sobre o saldo comercial.
No lado da inflação do “triângulo intocável”, a depreciação cambial terá efeito negativo sobre o nível geral de preços da economia. Os “tradeables” se tornam mais caros, e as conseqüências altistas nos preços serão sentidas num primeiro momento pelos segmentos importadores de matérias-primas.
Indicadores como o IGP-M (Índice Geral de Preços), da Fundação Getúlio Vargas, que capta as oscilações cambiais por meio do IPA, mostram que a adoção do câmbio flexível impulsionou o nível geral de preços no final dos anos 90. Enquanto o IGP-M acumulou mais de 89% entre 1999 e 2003, o IPCA registrou 47%.
Em última instância, as empresas vão repassar a elevação de seus custos aos preços. O Brasil, que tanto lutou contra uma inflação selvagem, não pode dar margens para sua volta.
No lado do endividamento, a desvalorização da moeda nacional vai dificultar uma situação na qual os administradores da dívida pública travam uma árdua luta no sentido de diminuir a vulnerabilidade externa do país. A indexação da dívida pública mobiliária ao câmbio, que era de 15,4% em 1997, chegou a 29,5% em 2001. Em março deste ano, o câmbio era o indexador de 8,5% de uma dívida que somava R$ 759,8 bilhões.
Mesmo considerando a queda na vulnerabilidade cambial do país, o aumento dos juros nominais, em razão da elevação da inflação, vai exigir maior desembolso de recursos para saldar os serviços da dívida pública, o que pressionaria o déficit público e o aumento do endividamento. Em suma, a dívida pública cresceria com a depreciação do câmbio.
Na verdade, a desvalorização cambial, isoladamente, mostra-se apenas um instrumento que equaciona um problema de um lado, mas, por outro, gera distorções de difícil correção.