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Uma nova corrida do ouro

Quando se fala em biotecnologia, as pessoas tendem a pensar no uso da genética para desenvolver novos remédios e tratamentos de doenças ou então nas variedades transgênicas, que aumentam a produtividade da agricultura. Em termos econômicos, porém, é na indústria que reside o maior impacto tecnológico. A consultoria McKinsey estima que até 2010 o mercado mundial de biotecnologia industrial deverá ultrapassar os 100 bilhões de dólares. Só para comparar, a biotecnologia agrícola deverá movimentar 18 bilhões de dólares, e a medicinal, 38 bilhões. Os produtos biológicos, diz ainda a McKinsey, já respondem por 5% do faturamento da indústria de materiais, valor que deverá dobrar nos próximos seis anos. Num congresso realizado em março passado, na Flórida, foi consenso entre especialistas de 21 países que a bioindústria terá tanta importância para a economia e a sociedade quanto tiveram os computadores no fim do século 20.

A principal vedete é o plástico orgânico, ou bioplástico, que já promete uma corrida do ouro. “As empresas estão todas fazendo planos para incorporar essa nova tecnologia a seus modelos de negócios”, diz o vice-presidente da Biotechnology Industry Organization, Brent Erickson. De acordo com o especialista Daniel Burrus, autor do livro TechnoTrends, o bioplástico representa o início de nada menos que uma nova Revolução Industrial. Várias empresas já tentam surfar nessa onda:

A alemã Basf, as americanas DuPont e Metabolic Explorer e a italiana Novamont estão desenvolvendo plásticos com base em vegetais e bactérias.

A americana Earthshell fabrica utensílios de piquenique e embalagens para o McDonalds com biomateriais.

As também americanas Farm Fresh e Wild Oats, além da japonesa Sony, estão embalando de alimentos frescos a minidiscs com plástico de milho.

Outras companhias, como Eddie Bauer, Faribault Mills, Versace Sport e Armani, têm feito roupas, acessórios e cobertores com a fibra Ingeo, desenvolvida pela Cargill Dow a partir do milho.

Nas Olimpíadas de Sydney, em 2000, e nos Jogos de Inverno de Salt Lake City, em 2002, a americana Biocorp fabricou centenas de milhares de copos de milho para a Coca-Cola.

No Brasil, a PHB Industrial, associação entre dois grupos usineiros paulistas, o Irmãos Biaggi, de Serrana, e o Balbo, de Sertãozinho, já levantou uma fábrica piloto capaz de produzir de 50 a 60 toneladas de plástico de cana-de-açúcar por ano.

Quem está à frente nessa corrida do ouro é a Cargill Dow, associação formada pela gigante do setor agrícola, a Cargill, com a da área química, a Dow Chemical. A empresa já investiu 750 milhões de dólares para trazer ao mercado o plástico NatureWorks PLA e a fibra têxtil Ingeo, ambos derivados do milho. Copos, pratos, sacos, caixas, filmes transparentes, roupas, cobertores, travesseiros e colchões são alguns produtos já disponíveis. O potencial do PLA é conhecido faz tempo. Ele foi identificado pela primeira vez na década de 20 pelo inventor do náilon, o americano Wallace Carothers, que trabalhava na DuPont. Carothers pensava obter PLA com base no petróleo, mas não conseguiu. O pulo-do-gato só foi descoberto quase 80 anos depois, quando bactérias foram usadas para extrair de vegetais o ácido necessário à produção do PLA. Esse bioplástico não é tão versátil quanto derivados do petróleo como o polipropileno, mas, em vez de levar centenas de anos para se degradar, as embalagens de PLA somem em semanas nos aterros sanitários. E ele também pode ser reciclado ou transformado em fertilizante.

A Cargill Dow investiu 300 milhões de dólares numa fábrica em Blair, no estado americano de Nebraska, com capacidade para produzir 140 000 toneladas de PLA por ano. As rivais DuPont, Biocorp North America e Wilkinson Manufacturing estão atrás de produtos similares. Está no Brasil, porém, um dos melhores casos de fabricação de bioplástico no mundo. A PHB Industrial, de Serrana (SP), usa a cana-de-açúcar para fazer um plástico biodegradável, conhecido pela sigla PHB ou pelo nome Biocycle. Ele tem propriedades similares às do polipropileno e pode ser aplicado em filmes plásticos, garrafas, chapas, embalagens resistentes ou até em cápsulas de remédios. Cada 3 quilos de açúcar produzem cerca de 1 quilo de plástico. Em comparação com o PLA, o plástico da cana é mais estável e resiste a temperaturas mais altas. Uma unidade comercial da PHB, ainda em projeto, prevê produzir 4 000 toneladas por ano. “Já fechamos parcerias com empresas da Europa, dos Estados Unidos e do Japão para desenvolver produtos”, diz o coordenador do projeto, Sylvio Ortega Filho.

Seja na forma de PLA, seja na de PHB, a produção mundial de bioplástico ainda é pífia. Somando a capacidade total de todas as fábricas previstas até 2005, não seria possível atender nem 0,5% da demanda de 200 milhões de toneladas de plástico consumidas anualmente no planeta. Produzir e comercializar os plásticos orgânicos também pode custar o quádruplo do que custam os de derivados de petróleo. Mas isso não desanima cientistas, empresários e investidores. Primeiro, porque o preço do petróleo é o mais alto dos últimos 13 anos e tende a subir no longo prazo. Segundo, porque o bioplástico ainda não tem escala. “Com a maior utilização, virão inovações que reduzirão os custos”, afirma Paulo Bellotti, analista da Stratus Investimentos.

Bellotti esta à frente de um recém-criado fundo para investir em biotecnologia industrial no Brasil. Além de reconhecer o potencial do bioplástico, ele aposta no biodiesel, hoje testado em vários centros de pesquisa. No campus da USP de Ribeirão Preto circulam ônibus com combustível derivado de óleos vegetais. O governo federal criou um programa para acrescentar 5% de biodiesel aos 38 bilhões de litros do óleo que o Brasil consome por ano. Essa medida, diz o governo, representaria uma economia de 350 milhões de dólares anuais em importações.

Ao lado dos plásticos, os combustíveis são o principal fruto tangível da bioindústria. No Brasil, há veículos movidos a álcool desde a década de 70 — hoje eles representam não mais que 5% das vendas da indústria, mas o etanol entra na composição de toda a gasolina brasileira. Agora, outros países começam a reproduzir esse modelo. No fim de abril, a canadense Iogen começou a vender etanol derivado de madeira, trigo ou milho. De acordo com a Burrill & Company, consultoria especializada em biotecnologia, os resíduos provenientes da agricultura americana seriam suficientes para produzir 300 bilhões de litros de álcool por ano, ou 25% do consumo de gasolina do país. Só no estado de Minnesota há 80 fábricas de bioetanol. Há quatro décadas, poucos poderiam prever que países como Canadá e Estados Unidos se inspirariam no prosaico programa brasileiro do álcool. Para os céticos, Bellotti, da Stratus, lembra uma frase do xeque Yamani, um dos fundadores da Opep: “A idade da pedra terminou antes que as pedras acabassem e a idade do petróleo vai terminar antes que o petróleo acabe”.