Com investimento de R$ 120 mil a R$ 150 mil, é possível começar a produzir etanol, segundo o professor Juarez de Souza e Silva, da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Ele foi ao Congresso Nacional, na semana passada, para defender, junto a parlamentares, o financiamento público e a permissão legal para a instalação de microdestilarias de cana-de-açúcar em pequenas propriedades.
A empreitada de Juarez – para que o agricultor comum possa dividir bola com as usinas no fornecimento de álcool combustível – encontra similares na história do campo desde os anos 1970, quando houve a primeira iniciativa desse tipo, em Minas Gerais. O modelo defendido pelo professor garante a produção diária de mil litros do biocombustível, amortizando o aporte inicial num período de três a quatro anos.
A microdestilaria se baseia em canavial, engenho, tonéis de fermentação e armazenagem e sistema anti-incêndio. “Se for comprar a cana, tem que ser de propriedade vizinha. Deve-se evitar a longa distância”, acrescenta Juarez. Uma tonelada da gramínea gera de 60 a 70 litros de etanol.
O especialista pontua que “para quem estiver interessado, é salutar que tenha gado de leite ou de corte”. Isso porque o projeto ultrapassa o âmbito econômico e pode, sem ressalvas, ser considerado sustentável. A pecuária serve de complemento, com valor ambiental, ao sistema produtivo: os 20% de folhas que despendem da cana devem ser utilizados na alimentação de vacas e bois.
E mais: o bagaço, depois de aproveitado, deve ser levado ao estábulo para forrar o chão. O mesmo subproduto, se restar, ainda pode misturar-se à vinhaça da cana e às fezes dos animais na adubação do canavial – lá no início do ciclo. “O projeto faz com que não exista resíduo. É completo”, classifica Juarez.
Uma das dificuldades previstas da implementação das microdestilarias, em decorrência da legislação do segmento sucroalcooleiro, é o modo como a Agência Nacional do Petróleo (ANP) seria capaz de fiscalizar, segundo sua responsabilidade, milhares de propriedades rurais capilarizadas pelo território nacional, que estivessem produzindo o segundo combustível mais estratégico do País.
O doutor da UFV propõe que a microprodução tenha um agente central: as cooperativas, que receberiam o etanol dos agricultores, seriam fiscalizadas pela ANP e encaminhariam o produto aos distribuidores.
Apenas um investimento…
Jamais houve investimento público em projetos de microdestilaria no País, de acordo com o Banco do Nordeste do Brasil (BNB), que se considera o primeiro e o único a ter apoiado uma iniciativa do tipo, em abril deste ano, com juntáveis R$ 80 mil.
Trata-se de um convênio, datado do dia 16 e firmado junto a uma associação civil do Município de Palmeira, no Piauí, com dinheiro do Fundo de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Fundeci).
O financiamento do BNB previa a construção de um galpão e a aquisição de equipamentos, formando uma estrutura, para trinta famílias, capaz de produzir 300 litros de etanol por dia.
O desconhecimento – ou seria descaso? – dos governos em relação ao potencial do projeto foi o motivo que levou Juarez ao Conselho de Altos Estudos e Avaliação Tecnológica da Câmara dos Deputados, na última quarta-feira, para defender o financiamento público e a segurança legal da implementação das microdestilarias.
“Já tem muita gente fazendo etanol, ilegalmente, dessa forma. Precisamos botá-la na lei. Hoje, só há legislação para os grandes”, diz o professor. “Não é difícil produzir um litro de etanol, na fazenda, a menos de R$ 0,80, e vendê-lo, no mercado regional, a R$ 2,50.”
…após trinta anos
E essa possibilidade, salvo as devidas correções monetárias, vem existindo desde o ano de 1977, segundo outro professor, Enrique Ortega, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Naquele ano, um projeto de microdestilaria idealizado pelo doutor Marcelo Guimarães Mello, já falecido, foi implantado no sul de Minas Gerais. “Um projeto que não teve nenhum – embora prometido – apoio público”, observa Ortega, mexicano radicado no Brasil.
As microdestilarias, na época, vinham como um reflexo da crise do petróleo, que desestabilizou o abastecimento energético mundial. Como, porém, não houve incentivo, o projeto caiu por terra, segundo o especialista. “Foram desenvolvidas entre dez e quinze microdestilarias em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul”, conta Ortega; “Haveria condições de o projeto ter dado certo, mas o apoio público foi mínimo”.
Com o fim da crise do petróleo, a palavra “microdestilaria” quase se extinguiu nos anos 1980. O doutor da Unicamp acredita que foi a partir de 1995 que a ideia voltou a ganhar peso. “Aquele era um momento de retomada, os agricultores queriam dominar as próprias tecnologias e frear o avanço industrial”, lembra.
Algumas empresas, atualmente, fornecem sistemas do tipo.