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YPF: Espanha anuncia ações contra a Argentina

No dia em que as ações da YPF caíram mais de 30%, a Espanha anunciou que vai recorrer ao G-20 (grupo das 20 maiores economias do mundo), à Organização Mundial do Comércio (OMC) e ao Fundo Monetário Internacional (FMI) contra a decisão do governo da presidente argentina Cristina Kirchner de expropriar o controle do grupo espanhol Repsol na petrolífera. Madri analisa ainda a adoção de represálias comerciais, como o cancelamento da importação de soja argentina, e a substituição dos fornecedores argentinos de biodiesel, produto pelo qual a Espanha pagou cerca de 1 bilhão em 2011 pelo equivalente a 59,3% do total das exportações do produto pela Argentina à União Europeia (UE).

– O governo está vendo exatamente quais as consequências deste tipo de represália comercial e o que é que po de fazer – disse o deputado e porta-voz de Assuntos Exteriores do Partido Popular (PP), José María Beneyto.

De acordo com a empresa de consultoria Abeceb, a expropriação da Repsol-YPF pode provocar um prejuízo quase imediato à Argentina em torno de US$ 1 bilhão, pela redução de exportações ao mercado espanhol. No ano passado, as vendas totais para o mercado espanhol alcançaram US$ 2,9 bilhões, o quinto destino de maior peso para as exportações da Argentina. Entre 2007 e 2011, as vendas para a Espanha cresceram 41%, sobretudo de biodiesel.

O presidente de Governo da Espanha, Mariano Rajoy, porém, deixou claro, em viagem ao México, que qualquer resposta à Argentina será coordenada com a UE. E se mostrou “muito satisfeito” com o respaldo de Bruxelas contra a expropriação.

As repercussões de um possível boicote à Argentina não demoraram em ecoar na própria Espanha, onde a União de Pequenos Agricultores e Pecuaristas (UPA) advertiu sobre os efeitos negativos do cancelamento das importações de soja, já que 85% das cerca de 3,5 milhões de toneladas que o país ibérico compra por ano, fundamental para a alimentação dos rebanhos, provêm da Argentina.

O presidente da Repsol, Antonio Brufau, se mostrou confiante em relação às ações legais que a empresa espanhola empreenderá. Brufau disse que a Justiça vencerá a demagogia, e respondeu às declarações do vice-ministro argentino de Economia, Axel Kicillof, de que o país não pagará os 8 bilhões (US$ 10,5 bilhões) em indenizações que a empresa espanhola reclama:

– O preço não será imposto pela Argentina, mas pelos tribunais internacionais – disse, na inauguração de refinaria da Repsol em Cartagena. – A expropriação não nos desviará da nossa estratégia de crescimento.

O Príncipe de Asturias, Felipe de Borbón, presente à inauguração da refinaria, mostrou apoio:

– Quero agradecer tudo o que a Repsol fez pelo bem-estar de muitos países.

Apesar das palavras de otimi smo, o impacto da medida já afeta a Repsol. Ontem, a agência Moody’s anunciou que poderá reduzir a classificação de risco da companhia. Com isso, as ações da Repsol caíram 6,21% na Bolsa de Madri. Os papéis da YPF tiveram desempenho pior, com quedas recordes de 28,66% em Buenos Aires. Em Nova York, suas ADRs perderam 32,86%, pior nível desde janeiro de 2003.

A expropriação também afeta decisões de investimento até da China, como os planos da Sinopec de comprar parte da YPF. A medida frustrou anos de planejamento do grupo, que desistiu do negócio, segundo fontes.

A decisão da Repsol de abrir um processo contra a Argentina no tribunal de controvérsias do Banco Mundial parece não provocar medo nem preocupação entre as autoridades argentinas, que conhecem, como poucas, a arena escolhida para a disputa. Nos últimos dez anos, o Estado argentino foi alvo de 48 denúncias no tribunal. Deste total, 24 processos foram encerrados: o país perdeu três casos, somando um prejuízo aos cofres argentinos de US$ 900 milhões (não pagos), chegou a um acordo com as companhias denunciantes em 18 processos e venceu nos restantes, obtendo US$ 1,5 bilhão.

Como era esperado, o Senado argentino aprovou o texto da lei que prevê a expropriação de 51% da Repsol-YPF, abrindo caminho para que seja votado na casa semana que vem, provavelmente no dia 25. Os senadores kirchneristas conseguiram ainda incluir no texto a estatização da empresa YPF Gás S.A. Após obter sinal verde no Senado, a iniciativa passará à Câmara e deve ser aprovada até meados de maio.

Cristina faz referência ao marido em discurso

Longe de se mostrar preocupada pelas críticas, a presidente argentina assegurou ontem que o governo está “recuperando um instrumento estratégico para nossa matriz energética nacional”, em discurso na cerimônia de apresentação de programas de sinais da TV digital, no qual citou o marido e ex-presidente Néstor Kirchner (2003-2007) como defensor da necessidade de recup erar a YPF.

Ontem, o porta-voz do Departamento do Estado dos EUA, Mark Toner, referiu-se à nacionalização da YPF como “iniciativa negativa”. Segundo ele, a medida poderá prejudicar o ambiente de investimentos na América Latina. Posição compartilhada pelo ministro de Economia do Chile, Pablo Longueira. Já o premier italiano, Mario Monti, em carta à Cristina, mostrou cautela ante a presença do grupo de energia italiano Enel na Argentina e criticou a expropriação da YPF.

No Brasil, o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, disse que o governo acompanha o assunto, mas frisou que a posição do Brasil é de que se trata de decisão soberana.

(*) Com agências internacionais