O ciclo de alta das commodities, que levou o setor a liderar o crescimento das exportações brasileiras no ano passado, e a farta liquidez mundial animaram as maiores empresas do agronegócio a elevar a captação de recursos externos a níveis recordes. Entre bonds e empréstimos externos, um grupo de 20 empresas, incluindo gigantes dos setores de frigoríficos e de açúcar e etanol, produtores e processadores de grãos, tradings e indústrias de tabaco e de produtos lácteos, levantou lá fora US$ 6,26 bilhões, o que significou um crescimento de 37,9% em relação aos US$ 4,54 bilhões captados um ano antes.
Esse foi o valor mais elevado na série preparada por Valor Data, com variação acumulada de 56,9% desde 2007, quando o volume de recursos externos captados pelo agronegócio havia atingido a marca de US$ 3,99 bilhões, antes de mergulhar até US$ 1,52 bilhão no auge da crise de 2008/2009. O salto no ano passado foi puxado pelo grupo JBS-Friboi, que sozinho respondeu por quase um terço de todas as operações, apurando US$ 2,06 bilhões, a um custo médio de 4,35%, destinados à reestruturação de dívidas.
Somando-se o resultado das operações conduzidas pelo Marfrig, que captou US$ 975 milhões no ano passado, e de outros grupos do setor de carnes, os frigoríficos foram responsáveis por quase metade das captações externas realizadas pelo setor de agronegócio. As usinas de açúcar, etanol e bioenergia surgem na sequência, somando quase US$ 1,8 bilhão (28,7% do total), com destaque para os grupos Cosan/Raízen (US$ 650 milhões) e Guarani/Tereos Internacional (US$ 560 milhões). O setor de grãos injetou US$ 1,18 bilhão em seu negócio, representando 18,9% da demanda setorial.
Historicamente, confirma Sa muel Canineu, vice-presidente para a América Latina do ING, banco holandês de investimentos, “2011 foi um ano forte para essas empresas nas áreas de bonds e empréstimos sindicalizados”. Nos seus cálculos, as operações sindicalizadas e de emissão de bônus teriam somado alguma coisa próxima a US$ 2,8 bilhões no ano passado, crescendo no mínimo 30% frente a 2010. Desse total, os empréstimos sindicalizados atingiram perto de US$ 2,3 bilhões. Os restantes US$ 500 milhões vieram das emissões dos grupos Cosan/Raízen (US$ 200 milhões) e Virgolino de Oliveira (US$ 300 milhões), ambos do setor sucroalcooleiro, que apresenta ativos e maior fôlego para a colocação de bonds no mercado internacional.
O cenário para este ano, após uma série de medidas adotadas pelo Banco Central (BC) para combater a sobrevalorização do real e reduzir as possibilidades de arbitragem, promete ser mais complicado. Mihailo Zlatkovic, chefe de corporate bank ing do Standard Chartered Bank, observa que as captações externas realizadas pelo agronegócio brasileiro destinam-se, “predominantemente, para o financiamento de exportações”, por meio de operações de pré-pagamento que permitem – ou permitiam, pelo menos até 1º de março – ao exportador antecipar receitas a custos mais baixos.
A contratação de pré-pagamento sem a incidência do IOF de 6% continua sendo possível, mas com prazo limitado a um ano e desde que financiado diretamente pelo importador. “Este era o instrumento mais utilizado pelo setor para financiamento da safra”, ressalta Zlatkovic. A estatística mais alarmante, na visão de Canineu, mostra que 80% das captações realizadas em 2011 seriam afetadas pelas medidas do BC. “Considerando-se o mercado de bônus e empréstimos sindicalizados, isso significa que US$ 2,2 bilhões não poderiam ter sido contratados caso as medidas já estivessem em vigor no ano passado, o que é um número relevante”, complementa.
A Caramuru Alime ntos, maior processadora de soja de capital integralmente brasileiro, opera regularmente com linhas de pré-pagamento, adiantamento de contratos de câmbio (ACC) e de contratos de exportação (ACE), recorrendo em menor proporção à colocação de Notas de Crédito à Exportação (NCE), esta última modalidade lastreada em reais. No fim do ano passado, detalha Júlio Costa, diretor financeiro do grupo, a empresa contratou US$ 340 milhões sob a forma de pré-pagamento, alongando suas dívidas até 2015 e atendendo a 40% de sua demanda total, excluídos recursos para investimentos fixos.
As linhas externas, continua o executivo, passaram a representar perto de 70% das necessidades de capital de giro e a fatia do pré-pagamento vinha crescendo mais recentemente. Nos últimos quatro anos, lembra Costa, a demanda da empresa por recursos externos saiu de US$ 250 milhões para uma média entre US$ 400 milhões a US$ 500 milhões por ano, em linha com o crescimento dos negócios da Caramuru, que são centr ados em soja, milho e biodiesel.
A cobrança de 6% de IOF sobre captações externas com prazo superior a 365 dias, no caso do pré-pagamento, e inferior a cinco anos para empréstimos e outras modalidades, torna proibitiva a contratação de pré-pagamento de exportações para um setor que trabalha com giro elevado, prazos mais curtos e margens apertadas, afirma Costa. “O negócio não se paga”, reforça. Como vantagem, a captação realizada no ano passado pela Caramuru, que espera uma receita bruta na casa dos R$ 2,5 bilhões neste ano, cerca de 9% maior do que no ano passado, equacionou as necessidades de financiamento da safra atual e de parte do ciclo 2012/13. “Não estamos pressionados. Teremos prazo para analisar a melhor alternativa”, acentua Costa, que ainda acredita em alguma solução que permita compensar o ônus tributário imposto ao financiamento das exportações.
Segundo Canineu e Zlatkovic, empresas e bancos têm se movimentado para construir novas modalidades que permitam driblar a cobrança do IOF e estabelecer o equilíbrio ideal entre prazos e custos. “Não há ainda instrumentos perfeitos”, observa Canineu. O ING tem trabalhado, desde a edição da nova Lei de Falências, com uma modalidade de sindicalização de ACCs e passou a ser consultado com maior frequência sobre essa opção nas três primeiras semanas de março. O uso de empresas offshore pode ser uma alternativa, mas o risco, neste caso, estaria no descasamento de passivos e ativos no momento de consolidação dos balanços aqui dentro.
O lançamento de NCEs, da mesma forma, livraria o exportador do IOF, no entanto, lembra Canineu, significaria custos mais elevados, já que a operação é fechada em reais e exigirá da empresa exportadora a contratação de swap em dólar para cobrir o risco cambial. O vice-presidente do ING observa ainda que a tendência será de uma limitação na oferta de recursos externos para o agronegócio, com a saída de bancos que não têm licença para operar diretamente no mercado brasileiro, a exemplo de instituições europeias, “financiadores históricos” das operações do setor.