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A queima de cana antes da colheita

Muito se comenta há vários anos sobre a queima da cana para facilitar a colheita manual. A alternativa é a colheita da cana dita crua, seja sem queima, utilizando equipamento pesado e dispendioso, a qual deve ser analisada com realismo e objetividade.

Recente simpósio sobre tecnologia para produção de cana mostrou que:

1o. A colheita mecanizada de cana crua requer terreno de boa topografia, linhas compridas e espaçamento de 1.40/1.50 m ou de fileiras duplas; 2o. devem ser usadas variedades erectas, que tombem pouco e que rebrotem bem sob a camada de palha; 3o. há redução do uso de herbicidas, pois a palha é alelopática; 4o. aumenta o dano causado pela cigarrinha; 5o. nem todas as atuais variedades rebrotam bem quando recobertas de resíduos; 6o.- há dúvidas sobre a longevidade das atuais variedades devido ao abalo e arrancamento das soqueiras, bem como à maior compactação causados pelo equipamento de colheita mecânica; 7o. estima-se uma queda de produtividade de 10/20% causada pela colheita mecanizada de cana crua das variedades em uso.

Quanto à queima, convém lembrar:

1. De todo o C absorvido pela cana, somente ao redor de 10% é reciclado pela queima das folhas secas, em que pese o espetáculo pirotécnico na véspera do corte. Os restantes 90% estão em parte nas raízes, nos palmitos e folhas verdes que não queimam, remanescem in loco e são reciclados como CO2 pela decomposição da matéria orgânica, ou são seqüestrados quando esta se transforma em húmus estável; outra parte está contida nos colmos que seguem para moagem e é reciclado na queima do bagaço e álcool ou no metabolismo humano ao expirar CO2 pelos pulmões após consumir açúcar e cachaça.

2. A queima da biomassa das folhas secas dá origem a uma fumaça refletora da radiação solar, com efeito resfriador, assim minimizando o aquecimento do planeta atribuído ao efeito estufa. (Lomborg, B. –O Ambientalista Cético, pag. 323).

3. O ambiente de trabalho na colheita é super esterilizado a cerca de 1000o. C, em que pese a tintura inócua do carvão; não há ambiente tão limpo e puro quanto este! Os cortadores são gente contente porque ganham bem e não se contaminam.

4. Parte das folhas secas não queima bem e dá origem ao “carvãozinho” muito leve que se desloca com o vento e pode vir a incomodar as patroas donas de piscina e as lavadeiras com roupa no varal. Assim, toda a barulheira ambiental é feita por causa de menos de 10% do C retirado da atmosfera contido nas folhas secas, cujo resíduo esterilizado incomoda alguns, que muitas vezes pouco ligam para o lixo mal recolhido na vizinhança.

5. Proibida a queima, as áreas declivosas servirão principalmente para pasto ou reflorestamento. Milhares de empregos seriam perdidos e substituídos pelos operários que mineram carvão/ferro, que transportam esses produtos, que fabricam aço, depois máquinas, depois cuidam de manter essas máquinas, sem contar os milhares de trabalhadores envolvidos no ciclo do petróleo e na distribuição dos combustíveis. Haveria uma substituição de mão de obra rural por mão de obra urbana qualificada, mas a dispensa dos braçais que cortam cana vai aumentar os problemas sociais pelo desemprego.

Somente fatores econômicos deveriam motivar a mudança da colheita manual após queima para a colheita mecanizada de cana crua. Não por interesse dos fabricantes de equipamento. Não, por improcedentes e mal fundamentadas razões ditas ecológicas. Não, pelo barulho e algazarra que faz a turba antiprogresso, desavisada que é de que na Austrália de hoje cerca de 50% da cana é colhida após queima.

Todos nós devemos nos orgulhar da agroindústria sucro/ alcooleira com milhões de hectares plantados em cana, -que é uma lavoura que conserva o solo-, com centenas de usinas bem montadas, auto-suficientes ao reciclar energia solar, produzindo, alem do alcool combustível, açúcar e aguardente para incontáveis indústrias de refrigerantes, doces, biscoitos e bebidas que transformam a produção das usinas; com milhares de supermercados, empórios, armazéns, postos de serviço, etc. distribuindo os produtos industrializados, sejam adocicados ou etilizados. Acrescente-se o transporte nas várias fases desse segmento do agronegócio, que representa milhões de postos de trabalho no complexo agrícola, industrial e comercial.

Esse fantástico conjunto traz progresso e cria empregos. Ao lado do café, da soja, do milho, dos citrus, do boi e de tantos outros, faz a riqueza de nosso país ao alimentar seus habitantes e ao exportar os excedentes.

Vamos criar problemas para essa grande e pujante agroindústria só por causa de um leve desconforto ou por causa da ladainha dos pseudo-ecologistas? Vamos cercear essas atividades? Vamos deixar no olho da rua milhares de trabalhadores, engrossando o número de desajustados que ora perturbam o país?

Cumpre às donas de casa com piscina terem um pouco de compreensão e de paciência, às lavadeiras lembrarem-se de que seus vizinhos e amigos obtêm honestamente seu ganha pão cortando cana após queima, negando-se a trabalhar em meio ao emaranhado de folhas secas que irritam e machucam a pele.

Devemos apelar aos jornalistas, políticos e demais formadores de opinião para que estudem, conheçam e meditem sobre o assunto, evitando criar ansiedades, antagonismos, má vontade, incompreensão, desemprego e subdesenvolvimento econômico. Vamos nos empenhar para alargar nossos limites de mediocridade.

Fernando Cardoso é eng. agr. sênior, produtor de cana em Mogi Mirim/SP, Pres. da Fundação Agrisus – Agricultura Sustentável.

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