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Inseticidas biológicos para combate à cigarrinha-da-raiz em canaviais

A estratégia de emprego de organismos vivos visando o combate de pragas é chamada de controle biológico. Hoje em dia, é cada vez mais comum a utilização de microrganismos (fungos, vírus, bactérias, protozoários), vespinhas parasitóides e predadores no combate a insetos que atacam as lavouras. O controle biológico é usado há décadas nos canaviais brasileiros. Quem nunca ouviu falar da vespa Cotesia flavipes que parasita a broca-da-cana-de-açúcar?! E na utilização na região Nordeste do fungo Metarhizium anisopliae para o controle das cigarrinhas da folha e raiz?! Diante dos recentes problemas causados pela cigarrinha-da-raiz (Mahanarva fimbriolata) nos canaviais das regiões Sudeste e Centro-Oeste, o emprego do fungo M. anisopliae vem ganhando espaço em áreas onde a cana é colhida sem as tradicionais queimadas. Entretanto, para que os resultados sejam satisfatórios, o setor sucroalcooleiro deve estar ciente que o sucesso do controle biológico está diretamente ligado à qualidade do bioinseticida empregado e ao seu correto manuseio e aplicação. Neste artigo abordaremos as principais características dos bioinseticidas comerciais disponíveis, buscando fornecer às usinas subsídios para a seleção daquele mais indicado para sua realidade.

Produtos comerciais

Uma das principais dificuldades enfrentada pelo pessoal da área técnica das usinas é na hora de escolher um bom inseticida biológico. Afinal de contas, algumas biofábricas falam maravilhas de seus produtos, e ao mesmo tempo colocam inúmeros defeitos nos da concorrência. Qual o produto que oferece o custo/benefício mais vantajoso no controle da cigarrinha-da-raiz? Basicamente, o produto a ser selecionado depende de fatores como o isolado (“raça”) do fungo, formulação, concentração e viabilidade dos esporos (“sementes”) do fungo, equipamento para aplicação, dosagem e, obviamente, preço. Todos estes aspectos são críticos e devem ser analisados conjuntamente no momento da escolha, mas por considerações didáticas faremos uma análise individualizada destes fatores.

Isolado

Dentro da espécie M. anisopliae existem centenas, talvez milhares, de isolados. Embora sejam morfologicamente idênticos, eles apresentam características próprias. Não deve-se assumir que todos os isolados que naturalmente causam infecções em cigarrinhas sejam eficientes no controle desta praga. Em alguns casos os insetos, sobretudo se estressados, tornam-se suscetíveis a isolados que normalmente não causariam mortalidade significativa em populações sadias da praga. O isolado é o princípio ativo do bioinseticida e, portanto, um isolado ruim resulta em níveis de controle insatisfatórios. Uma boa dica é adquirir produtos que empregam isolados avaliados em campo e recomendados por institutos de pesquisa ou outros órgãos independentes.

Formulação

Formulação é o resultado da mistura do fungo com substâncias que contribuem para uma maior estabilidade durante o armazenamento, virulência, proteção dos esporos contra fatores ambientais adversos, eficácia no campo e aceitação do bioinseticida pelo usuário final. Por exemplo, produtos não-formulados têm vida útil de cerca de 1 mês se armazenados de forma apropriada, ao passo que alguns produtos formulados têm vida útil superior a 1 ano. Nos últimos anos foram desenvolvidas várias formulações, podendo-se mencionar as suspensões emulsionáveis, géis emulsionáveis, grânulos dispersíveis em água e formulações à base de óleo puro, estas últimas para aplicação em ultra-baixo-volume. De maneira geral, para uma mesma quantidade de esporos do fungo, os produtos formulados proporcionam maior mortalidade da praga que produtos não-formulados. A maioria das empresas brasileiras comercializa produtos não-formulados, na forma de “arroz inteiro + fungo” ou “arroz triturado + fungo”. Ao contrário do que vem ocorrendo no mercado internacional, pouquíssimas biofábricas nacionais disponibilizaram no último período chuvoso produtos formulados para combate às cigarrinhas, mas a tendência é que nos próximos anos haja um aumento gradual na oferta desta modalidade de bioinseticida.

Concentração e viabilidade dos esporos

A concentração refere-se ao número de esporos do fungo por quilo ou litro do produto comercial. Parte dos esporos que compõem os produtos são inviáveis (mortos!!!), e não têm valor algum no combate à praga, uma vez que apenas os esporos vivos conseguem germinar sobre o corpo do inseto e penetrar no interior do mesmo, levando-o à morte. A percentagem de esporos viáveis num bioinseticida é chamada de viabilidade. Quanto maiores a concentração e a viabilidade, melhor a qualidade do bioinseticida. É importante que o setor sucroalcooleiro exija das biofábricas produtos cada vez mais concentrados, e com elevada viabilidade.

A fim de baratear custos, não raramente os bioinseticidas são transportados de forma inadequada, ficando expostos a elevadas temperaturas (ex: em baús de caminhões, a temperatura pode atingir 50ºC) ou radiação solar direta por várias horas e, consequentemente, chegam ao destino final com baixa viabilidade. Quanto ao armazenamento, o ideal é que o bioinseticida seja mantido em local refrigerado ou, na pior das hipóteses, em depósitos sombreados e arejados, onde a temperatura seja inferior a 30ºC. Caso isso não seja possível, recomenda-se a utilização do bioinseticida o mais rápido possível após sua chegada à usina. Outro fator de queda da viabilidade é a escolha de locais inadequados para o preparo da calda quando produtos do tipo “arroz inteiro + fungo” são usados. Quando do emprego de produtos que precisam ser lavados, tal prática deve ser conduzida em local sombreado, já que parte considerável dos esporos pode ser morta devido aos efeitos deletérios da radiação solar.

Equipamentos para pulverização

Nas aplicações aéreas com barras pulverizadoras, os volumes de aplicação oscilam entre 20 e 30 litros por hectare. Nas aplicações através do “pé-de-pato” (para pós secos e granulados), as recomendações são de 10Kg de “arroz inteiro + fungo” por hectare. Para aplicações terrestres são empregados canhões ou, preferencialmente, barras pulverizadoras, com volumes de aplicação variando de 200 a 400 L/ha. Em pequenas áreas, a aplicação do fungo com pulverizadores costais motorizados tem sido satisfatória. Para uso aéreo com barras pulverizadoras ou aplicações terrestres, produtos do tipo “arroz inteiro + esporos” devem ser lavados para obtenção da calda fúngica. Produtos formulados e “arroz triturado + fungo” (após separação, por decantação, do arroz triturado) podem ser adicionados diretamente ao tanque do pulverizador, evitando a necessidade de lavagem do arroz, o que implica em economia com mão-de-obra e tempo. Vários especialistas sugerem que a aplicação do fungo seja realizada quando se chegar a densidades entre 5 e 8 ninfas (fase jovem do inseto, localizada no interior de espumas) do inseto por metro linear. O monitoramento da população da praga é essencial, pois somente através dele será possível determinar o momento adequado para a pulverização do bioinseticida.

Dosagem

A dosagem é a quantidade de esporos viáveis do fungo aplicada por unidade de área. Com o “pé-de-pato” pode-se chegar a 4,8×1012 esporos viáveis por hectare (Mendonça et al., 2001). Em aplicações aéreas com barra pulverizadora e nas aplicações terrestres as dosagens empregadas por inúmeras usinas têm sido inferiores, entre 1,0×1011 a 4,0×1011 esporos viáveis por hectare. Deve-se ficar atento para biofábricas que recomendam dosagens reduzidas, já que este é um artifício utilizado para reduzir o preço final dos seus produtos. Além da redução nos níveis de mortalidade da praga, dosagens baixas tornam a ação do fungo ainda mais dependente das condições ambientais, podendo levar a resultados inconstantes (ora satisfatórios, ora não), desacreditando os bioinseticidas junto aos seus usuários.

Preço

Além das vantagens do ponto de vista ambiental e de saúde humana, os bioinseticidas para o controle de cigarrinhas são significativamente mais baratos que os produtos convencionais. O inseticida químico carbofuran (Furadan 50G), na dosagem de 20Kg do produto comercial por hectare, custa R$ 120,00 (Mendonça, 2001). Outros inseticidas químicos, como aqueles à base de aldicarb e thiamethoxan, podem custar ainda mais. No ano agrícola 2001/2002, a maioria dos bioinseticidas foi comercializada por preços variando de R$ 12,00 a R$ 30,00 por hectare para pulverizações com barras pulverizadoras (aéreas ou terrestres) e canhões, e até R$ 45,00 para aplicações aéreas com o “pé-de-pato”. Adquira bioinseticidas de qualidade superior, pois resultam em níveis de controle superiores e, mesmo assim, continuam mais baratos que os químicos. Procure adquirir o produto de empresas idôneas que fazem o controle de qualidade do bioinseticida, de forma que a concentração e a viabilidade estejam condizentes com as especificações previamente divulgadas.

Conclusão

O inseticida biológico mais indicado é aquele que tem como princípio ativo um isolado sabidamente virulento à praga, elevado número de esporos viáveis, formulado e de preço acessível. O transporte e o armazenamento devem ser realizados de forma a preservar a viabilidade dos esporos. É essencial que seja empregado em dosagem elevada, através de método de aplicação adequado. Não existe um produto específico que seja melhor que seus concorrentes sob todas as condições, mas com certeza existe um produto mais indicado para cada usina em particular. Boa sorte na escolha.

João Batista T. da Silva, Francisco Schmidt & Marcos Faria. Pesquisadores da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia.

Parque Estação Biológica s/n. Brasília-DF, CEP 70770-900.

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