Mercado

Setor ainda investe pouco em trato cultural

Investir em equipamentos industriais sempre foi prioridade nas usinas, em detrimento do campo. O empresário do setor que via aquele mundo de terra disponível para plantio no Brasil jamais iria imaginar que algum dia correria o risco de faltar matéria-prima para produzir açúcar, álcool e seus sub-produtos.

O aumento da demanda de açúcar e álcool no mercado interno e a possibilidade de abertura de novos e certamente lucrativos mercados externos anteciparam uma sombria preocupação: de onde o setor irá tirar matéria-prima para suprir o crescente mercado nacional e o emergente mercado mundial de açúcar e álcool?

Há pelo menos uma certeza: se o espaço para plantio começa a ficar pequeno, a alternativa é investir em aumento de produtividade. E isto exige investimento pesado na área agrícola, otimizada por meio de tecnologias de resultado.

“Não existem previsões de expansão de área plantada”, reconhece o empresário Maurílio Biagi Filho, da Companhia Energética Santa Elisa – Cese, de Sertãozinho – SP, e conselheiro da União da Agroindústria Canavieira do Estado de São Paulo – Unica. “A alternativa é ampliar a produtividade agrícola”.

Já existe um crescimento normal a cada ano, produzido pelo plantio de cana nova, que atende as unidades que se preparam para iniciar moagem.

Chão de fábrica

A recente retomada de investimentos permitida pela recuperação de preços, depois de anos seguidos de baixa, levou o setor sucroalcooleiro para dentro do chão de fábrica.

Nao faltam explicações justas para o direcionamento financeiro à indústria. Por conta da falta de recursos, muitas das unidades passaram boa parte da década de 1990 com as mesmas instalações de décadas anteriores.

Sendo assim, atualizar equipamentos não é apenas um capricho empresarial. É questão de reciclagem tecnológica que resulta em eficiência na produção industrial.

O empresário do setor tem outros motivos para direcionar seus investimentos na área industrial, observa o economista José Eduardo Molina, consultor do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo – Ciesp. A pressão por melhor qualidade de vida a que as próprias usinas aderem voluntariamente, motivadas pelos ventos ambientalistas do novo milênio e as exigências cada vez mais maiores do mercado importador na hora de assinar um contrato de compra são dois dos principais.

Produtividade média diminui 5 ton por hectare em São Paulo

A produtividade agrícola média é um pilar que atesta o desempenho do campo. No estado de São Paulo, deve ficar neste ano em 77 toneladas por hectare, principalmente devido às novas áreas do que pelo rendimento resultante de aplicações tecnológicas. Em 2001, a média foi de 82 toneladas por hectare.

A diferença preocupa os técnicos do setor, até mesmo porque a safra 2003/04 não promete melhores resultados. “Deveremos ter produtividade semelhante à desse ano, mas com Açúcares Totais Renováveis – ATR – inferior”, diz o engenheiro agrônomo Oswaldo Alonso, gerente da Divisão Técnica da Associação dos Plantadores de Cana do Oeste do Estado de São Paulo – Canaoeste.

Se o ano que se inicia não vislumbra crescimento, quais as alternativas que o empresário ainda pode empregar na tentativa de ampliar a produtividade de uma safra cuja moagem deve recomeçar em abril? Pouquíssimas. Da planta a ser cortada em 2003, cerca de 60% já está pronta. O percentual restante refere-se à planta cultivada nos primeiros meses de 2002.

A incidência pluviométrica serve de atestado para a planta cultivada no início de 2002. Conforme levantamento do Instituto Agronômico de Campinas – IAC, da Secretaria da Agricultura e Abastecimento do estado de São Paulo, até no mês de março o registro de chuvas foi considerado dentro da normalidade em boa parte do interior paulista. “Ocorre que, apesar da abundância de água, também foram registradas altas temperaturas, impedindo a luminosidade necessária”, destaca o executivo da Canaoeste. “Como resultado, tivemos uma menor tonelagem de massa verde”.

A esperada produtividade deste ano, e que deve se repetir no ciclo 2003/04, está aquém dos prognósticos oficiais. Conforme a Unica, a produtividade agro-industrial teve significativa evolução nos últimos anos: na região Centro-Sul, que responde por 85% da produção brasileira, a média oscila entre 78 e 80 toneladas por hectare, em ciclo de cinco cortes. Em São Paulo, responsável por 60% da produção nacional, a média está ao redor de 80 a 85 toneladas por hectare, em ciclo de cinco a seis cortes.

A qualidade da matéria-prima, em São Paulo e no Centro-Sul, medida pela sacarose que contém, está entre 14% e 15,5% de pol, o que equivale ao rendimento médio de 140 a 145 kg de açúcares totais por tonelada de cana. Para o álcool, isso significa rendimento entre 80 e 85 litros por tonelada.

A melhoria tecnológica para os próximos cinco anos deverá concentrar-se no desenvolvimento de variedades ainda mais resistentes a pragas e com maior concentração de sacarose, insumos modernos e investimentos em transporte, mecanização, planejamento e controle.

Plantio semi-mecanizado necessita de ajustes

O plantio semi-mecanizado é uma realidade e veio para ficar. Representa uma alternativa estratégica para ampliar a oferta de cana-de-açúcar sem a necessidade de ampliação de áreas plantadas. Mas os técnicos são unânimes: faltam ajustes para que as plantadoras assumam o campo de uma vez por todas.

Valmir Barbosa, gerente de engenharia e desenvolvimento da Companhia Energética Santa Elisa – Cese, de Sertãozinho, no interior paulista, tem a responsabilidade de administrar o plantio na companhia que teve a maior moagem individual no estado de São Paulo na safra 2002/03, com 5,7 milhões de toneladas. Há 18 anos na companhia, ele “respira” cana 24 horas por dia.

Formado engenheiro agrônomo em 1982 pela Unesp de Jaboticabal, Barbosa é uma das principais autoridades do País em seu ramo. Explica que a Cese conta com uma plantadora que já pica a planta. Mas a empresa a utiliza como suporte, equalizando seu uso com a mão-de-obra humana.

A equalização, conforme o executivo, se deve ao verdadeiro mar que é a área plantada da Cese, de 43 mil hectares apenas de plantas próprias. A variedade dos tipos de solos, próximos de cidades ou de áreas de proteção exige uma minuciosa engenharia. A máquina ainda apresenta desacertos. Um exemplo aparece nos viveiros de mudas: se eles estão molhados, a plantadora maltrata o solo.

O emprego da máquina nos meses em que a mão-de-obra atua mais na colheita também não é ideal, segundo Barbosa. Essa época normalmente coincide com o inverno. “Ao fazer sofrer o tolete, a máquina permite a entrada de microorganismos que, por sua vez, fazem a cana demorar para germinar, e perde a resistência”. Nesse caso é preciso usar-se fungicida.

A principal queixa de técnicos agrícolas diz respeito à padronização do espaçamento de plantio. As unidades utilizam modelos próprios que vão de 90 centímetros a 1m80. “Ele deve ser adequado ao sistema de produção”, afirma Barbosa. “Para o padrão de colhedoras disponíveis, o correto é 1m80, mas há espaço que fica vazio e que permite a entrada do mato”.

Como em 70 dias geralmente termina o efeito do herbicida, se o plantio é em 1m80 e teve início em janeiro, quando se chega em início de março será preciso nova doses de herbicida, mas a esta altura a planta já estará em fase avançada de crescimento.

Espaçamento menor de 1m50 não prejudica a produtividade, mas a possibilidade de maior número de linhas incorre, por sua vez, em menor de pontos de perfilamento. Há um entrave no setor: a colhedora pode transitar em 1m50, mas o trator e o transbordo, não. “Os fabricantes devem definir um padrão de espaçamento”, pede o gerente da Cese, que padronizou seu plantio em 1m50 metro.

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