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Diretor critica extinção da Brasil Álcool

JornalCana – Com que propósito nasceu a Brasil Álcool?

Paulo Avelino – A Brasil Álcool foi criada num momento de crise muito séria de super oferta de álcool. Tínhamos na época uma safra muito boa, porém acompanhada pela desregulamentação do setor e com excesso de álcool no mercado. Onde anos anteriores o governo havia autorizado a importação de álcool mesmo havendo superávit. Isso acumulou um excesso de álcool de quase dois milhões de litros. O próprio tomou um série de medidas para resolver a crise que resultou na compra de álcool em leilões, aumento da mistura de álcool na gasolina e o setor também tinha que tomar algumas medidas. Então tivemos a idéia de criar a Brasil Álcool, onde cada produtor colocaria 15% da sua produção. Isto foi feito, mas muita gente acreditava que isto fosse possível. A entidade funcionou, os produtores colocaram os 15% e o objetivo dela mais específico era exportar este volume. Então foi feito uma exportação de cerca de 400 milhões de litros durante o ano.

JC – Como está a situação da BA hoje com o Cade, depois da recuperação do setor?

Avelino – Há 15 dias o Cade (Conselho de Desenvolvimento Econômico) fez o julgamento do processo da Brasil Álcool e da BBA (Bolsa Brasileira de Álcool). O voto do relator, João Bosco Leopoldino, era um voto extenso, muito bem feito e cuidadoso em que ele analisou a criação da Brasil Álcool no contexto em que foi criada, ou seja, em plena crise. A empresa na época recebeu o apoio devido do governo, apoio manifestado diversas vezes por membros do governo, inclusive pelo secretário executivo do Ministério do Desenvolvimento da época que era o doutor Bolivar Moura Rocha que também era secretário executivo do Cima, uma das pessoas que mais conhece o setor e também as leis da concorrência.

O Cade entendeu que naquele momento dentro daquela situação de crise com o apoio explícito do governo através do doutor Bolivar na Comissão de Energia da Câmara do Senado, era bem evidente que tratava-se de uma situação de crise, e portanto a criação da Brasil Álcool e da BBA naquele momento se fazia necessário.

JC – E não teria como legalizar a situação da BA para que continuasse operando?

Avelino – Primeiro que a Brasil Álcool reúne muito mais que 20% do mercado, portanto constitui um ato de concentração, e segundo que este ato de concentração na medida em que ele retira estoques do mercado acaba interferindo nos preços. Por isso, o Cade considera a entidade fere a lei da concorrência.

JC – E qual a sua opinião em relação a isso?

Avelino – Não cabe a nós discutir, se fere ou não a lei da concorrência porque ela foi criada dentro de parâmetros legais. Penso que se não existir uma BA no setor, alguma coisa do gênero precisa ser feita. Na verdade, a BA funcionou como um estoque regulador de álcool, enxugando o excesso de álcool do mercado, e depois devolvendo quando havia falta como ocorreu nesta safra. Um produto como o álcool é estratégico por se tratar de um combustível com uma influência enorme sob o nível geral de preços. Segundo que trata-se de um produto agrícola, portanto sujeito às situações climáticas e até mesmo do preço. O álcool é um produto muito delicado e portanto deveria haver um estoque regulador enxugando o mercado quando houvesse necessidade, devolvendo-o quando houvesse falta. E foi exatamente isso que a BA fez. Do ponto de vista econômico a atuação da BA foi absolutamente perfeita, agora pode-se criar uma longa discussão sobre a propriedade ou não de existência legal de uma empresa desse porte. Em outros países como nos Estados Unidos e Europa, quando se tem reuniões de produtores agrícolas, isso não é considerado ato de concentração ou cartel, diferentemente do que ocorre no nosso país que entende que o álcool é um produto como outro qualquer como a cerveja, abóbora ou chuchu, geladeira ou televisão. O álcool não é um produto igual. Basta vermos o Cima (Conselho Interministerial do Álcool) composto por quatro ministros. Qual é o produto que tem um conselho como este que congrega, o ministro da Fazenda; do Desenvolvimento; das Minas e Energia e da Agricultura para cuidar deste produto? É um produto tão importante que tem um conselho para tomar conta dele, portanto não é um produto sujeito simplesmente às regras livres de mercado. Tanto é que se o preço dele sobe numa entressafra havendo uma escassez de álcool todo o governo fica preocupado e começa a tomar uma série de medidas para impedir que o preço suba. Então não é um produto que tem o preço livre. Ao mesmo tempo, o setor está sendo tratado no caso do Cade como se fosse um produto como outro qualquer, quando na verdade há uma série de aspectos institucionais que mostram claramente que isto não é verdade. Então é discutível se realmente se a BA fere ou não a lei da concorrência. Esta é a decisão do Cade e cabe ao setor respeitar.

JC – Se isso é possível em outros países, porque no Brasil não poderia ser igual?

Avelino – Porque a nossa lei de concorrência teria que ser mudada para adequá-la a administração de abastecimento de produtos agrícolas e de combustíveis. Mas não foi feito até o momento. Mas esta seria uma bela proposta. Trata-se da lei da concorrência em reconhecer a necessidade de que o produto agrícola tenha um tratamento diferenciado que aliás está previsto na constituição.

JC – A empresa passa a ser extinta a partir de quando?

Avelino – A ata da reunião foi publicada no dia 4/12, e a extinção da empresa deverá acontecer num prazo de 60 dias após a publicação do acórdão que até agora não foi publicado. A BA detinha em seu poder 700 milhões de litros de álcool. Esse volume já começou a ser devolvido às usinas. Hoje quase todo o álcool ficou armazenado em várias usinas integralizadas. Em alguns casos algumas usinas vão receber álcool de outras.

JC – Quanto tempo essa operação vai durar?

Avelino – Em 30 dias aproximadamente. Na verdade a entrega é imediata, ocorre que estamos entregando em duas parcelas, sendo que já devolvemos 638 milhões e o restante será entregue no dia 18 de dezembro.

JC – A permanência da BA não traria um pouco mais de segurança para o setor?

Avelino – Com certeza traria, porque a empresa funcionou como estoque regulador durante a crise atravessada pelo setor. E se daqui a dois anos estivermos novos excedentes de álcool, como isso será administrado?

JC – A BA congregava quantas entidades?

Avelino – A BA congregava as unidades produtoras do Centro-Sul representado pelos estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, Paraná, Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro. No início a empresa congregava em média 110 unidades independentes mais a Copersucar. Depois algumas foram saindo e ficaram 85 unidades e com a participação da Copersucar totalizando hoje 118.

JC – Dessa forma como é que fica a política de comercialização daqui pra frente?

Avelino – A criação da BA e da BBA mostrou aos produtores a necessidade de se ter sistemas de comercialização conjunto, porque existem poucos compradores grandes de álcool, sendo que o mercado comprador de álcool é muito concentrado. Enquanto que os produtores são descapitalizados e em grande número. A experiência mostrou que os produtores podem trabalharem juntos, por outro lado, o setor vai passar por um processo de concentração em que grupos de usinas vão acabar se reunindo seja sobre forma de grupos de comercialização ou até mesmo sob forma de fusão acionária. A operação da BA e da BBA acelerou este processo. Atualmente o setor possui cerca de cinco grupos de comercialização trabalhando, e acredito que eles devem aumentar futuramente. É difícil hoje uma usina trabalhar sozinha, pois as margens não permitem que elas tenham profissionais de alto gabarito em pequenas usinas só para fazer a comercialização de álcool. Agora, se elas se reúnem em grupos de comercialização podem pagar melhor seus profissionais e com isso deter uma comercialização mais eficaz.

JC – Estes grupos tendem a aumentar?

Avelino – Com certeza. O número de grupos deve aumentar e a prática de vender álcool em conjunto venha se instituir.

JC – É possível se pensar numa nova entidade comercializadora a exemplo da BA?

Avelino – Hoje isso não é possível pela lei da concorrência e no voto do Cade fica bem claro que o governo poderá abrir inquérito se o processo administrativo caso haja reincidência.

Mesmo assim vejo que alguma coisa será que ser feita dentro da legislação da concorrência que permita que os produtos agrícolas possam ter uma comercialização conjunta dentro do espírito cooperativista.

JC – E como o senhor vê a distribuição da gasolina da forma como é feita?

Avelino – Os combustíveis originários do petróleo, como a gasolina possuem um mercado altamente concentrado. É claro que agora com as distribuidoras independentes de combustíveis isso desconcentrou um pouco, mas assim mesmo as grandes empresas que detém de 85 a 90% dos postos de combustíveis do país são sete empresas.

JC – O senhor acredita que o planejamento estratégico no setor possa mesmo acontecer?

Avelino – Hoje o setor tem uma pessoa muito competente na pessoa do Eduardo Pereira de Carvalho, na presidência da Unica, e acredito que estamos conseguindo fazer com ele seja o porta voz do setor. Acredito que a Cepaal se una à entidade. O setor precisa se unir, porque ele ficou completamente órfão de apoio do governo federal e estadual. Existe uma incompreensão por parte do governo do Estado de São Paulo e do secretário da agricultura, João Carlos de Souza Meirelles a respeito do setor é uma das coisas mais impressionantes que eu já vi na minha vida em todos os sentidos seja na área social, retenção da população no campo, em termos de desenvolvimento no interior do estado é muito grande. A incompreensão é muito grande. E do governo federal também, haja visto que o setor gera de emprego e de divisas seja pela exportação ou pela substituição da importação do petróleo é algo gigantesco. E curiosamente tem sido o PT que tem projetos para o setor sucroalcooleiro ao contrário de outros partidos como o PFL e PSDB. Antes da última assembléia da Brasil Álcool nós recebemos a visita do Horácio Lafer Piva, presidente da Fiesp mostrando o quanto o setor é importante para o Brasil. Durante a reunião Piva, disse que o Brasil não tem um projeto e que portanto não consegue entender o quanto importante é o setor.

JC – Como o senhor vê o advento de novas tecnologias no setor e a atuação do governo?

Avelino – Tanto a mistura álcool/diesel, como a diminuição do álcool na gasolina dentre outros são facilmente resolvíveis se existe por parte do governo e da sociedade um entendimento e um interesse neste setor. Senão o setor fica gritando no deserto. O futuro do transporte serão baseados em veículos movidos a célula de combustíveis que por sua usam etanol e metanol como combustível. O álcool será o combustível do futuro. Nem o governo e nem a sociedade entendem isso.

O governo trabalha com uma miopia absoluta em relação aos objetivos de inflação. Isso é a única coisa que importa. Sendo então capaz de sucatear uma indústria, destruir investimentos existentes sem pestanejar

Paulo Avelino de Souza Costa, diretor da Brasil Álcool está no setor há 10 anos.

A organização foi fundada em abril de 99.

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