Em Gleneagles, na Escócia, durante as reuniões do G-8, o Brasil, como país convidado, perdeu a oportunidade de apresentar aos líderes das oito nações mais ricas do planeta propostas consistentes a respeito das mudanças climáticas. É essa postura pró-ativa e responsável que não só a sociedade brasileira, mas também a comunidade internacional esperava do presidente Lula, até como contraponto para tentar minimizar o crescente desgaste em decorrência da enxurrada de denúncias de corrupção que recaem sobre ex-integrantes do alto escalão do governo e membros do PT.
Ainda está na lembrança a vanguarda que o Brasil assumiu, na Rio-92 e, em 1997, em Quioto, contribuindo decisivamente para a definição do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) e para a fixação das metas de redução das emissões de gases de efeito estufa. Defendeu acertadamente, na época, que os países industrializados, responsáveis desde a Revolução Industrial pela esmagadora maioria do dióxido de carbono (CO2) emitido para a atmosfera do planeta, seriam os únicos obrigados a reduzir suas emissões, entre 2008 e 2012, mas, após esse período, todos, inclusive os países em desenvolvimento, ficariam obrigados, com metas diferenciadas, a dar sua contribuição para diminuir o aquecimento da atmosfera do planeta. Aliás, a definição das metas para o período posterior a 2012 é imprescindível e inadiável, porque fica difícil encontrar quem se disponha a investir nos projetos que gerem créditos de carbono sabendo que têm vigência apenas até 2012.
No entanto, com a posse do presidente Lula, o posicionamento do Brasil nas negociações internacionais pertinentes ao clima retrocedeu muito, a ponto de, em dezembro último, na COP-10, em Buenos Aires, o atual governo reassumir a mesma posição que o Brasil defendera na Suécia, em 1972, por ocasião da aprovação da Declaração de Estocolmo, ou seja, reivindicar para os países em desenvolvimento o “direito de poluir”, para poderem continuar crescendo.
O Brasil de Lula rejeita quaisquer limites ou compromissos de redução de emissões de gases do efeito estufa, a partir de 2012. Na defesa dessa posição retrógada, o Brasil alia-se à China, Índia, Tailândia, África do Sul, Indonésia, Coréia do Sul e México, países que defendem a imposição de compromissos de redução de emissões de gases somente para os países industrializados. Essa posição é lastimável. E insustentável, porque o Brasil e outros países em desenvolvimento já contribuem significativamente para o efeito estufa, e sua participação tende a aumentar na medida em que suas economias crescem e passam a demandar cada vez mais energia.
Somos um país reconhecido por produzir energia limpa. Hoje, 42% da nossa matriz energética advém de fontes renováveis, sendo 14,5% de hidrelétricas e 13,5% da biomassa da cana. No entanto, paradoxalmente, o Brasil é um grande emissor de CO2, em decorrência das queimadas e derrubadas de florestas, notadamente na região amazônica, que respondem por 2/3 das emissões brasileiras. Somos o terceiro maior emissor de gases de efeito estufa, atrás apenas dos Estados Unidos e da China e à frente da Rússia, Japão e Índia. Lançamos na atmosfera, a cada ano, mais de 250 milhões de toneladas de carbono, que correspondem a quase 4% das emissões mundiais, às quais chegam a quase 7 bilhões de toneladas de carbono por ano, e somente 4 toneladas são absorvidas pelos mares e florestas, restando um excedente de 3 bilhões.
Somente países industrializados, signatários do Protocolo de Kyoto, se obrigam a reduzir suas emissões de gases para, entre 2008 e 2012, ficarem 5,2% abaixo do nível registrado em 1990. Hoje 80% dos recursos energéticos vitais para a sobrevivência humana ainda são de origem fóssil. Como existe acumulado um estoque de décadas de CO2 na atmosfera, os relatórios do Painel Intergovernamental da ONU sobre Mudança do Clima ressaltam que, na verdade, seria necessário reduzir as emissões em 60%, e não em apenas 5,2%.
Isso mostra a gravidade do problema e a dimensão da solução necessária. O fato é que os países em desenvolvimento que, dez anos atrás, não eram emissores significativos de gases do efeito estufa, são hoje grandes poluidores e não podem permanecer à margem do esforço global de combate às mudanças climáticas, devendo assumir metas diferenciadas.
Por outro lado, o Brasil tem enorme potencial para se beneficiar de projetos de MDL, mecanismo previsto no Protocolo de Kyoto, em vigor desde fevereiro deste ano, que permite trocar a redução das emissões de gases por investimentos em florestas, lavouras e projetos ambientais capazes de seqüestrar o gás carbono.
Quinto maior país do mundo em extensão territorial, com 8.547.403 km2, o Brasil dispõe de 106 milhões de hectares de terras agricultáveis ainda não exploradas. Essa área tanto pode ser usada para aumentar o cultivo de florestas, como para expandir as lavouras de matérias-primas para produzir biocombustíveis.
Além disso, se o desmatamento da Amazônia for reduzido em 10%, deixarão de ser emitidos 20 milhões de toneladas de carbono por ano, com a vantagem de essa iniciativa poder vir a ser objeto de enquadramento nos projetos de desenvolvimento sustentável.
Claro está que as questões pertinentes ao clima global colocam o Brasil diante de uma oportunidade extraordinária de nos tornamos uma grande plataforma de energia renovável. Tendo como mote o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, e o explícito compromisso de assumir metas de redução de Gases do Efeito Estufa (GEEs) a partir de 2012, o presidente Lula deixou de oferecer, em Gleneagles, a desejável contribuição para ampliar o combate ao aquecimento global, propondo a mais rápida definição de metas relativas às emissões, a partir de 2012.
Uma contribuição que ajudaria no processo de negociação da Conferência das Partes da Convenção do Clima, agendada para novembro, em Montreal. Sem contar que, pelo menos nessa questão, o governo Lula poderia ficar com uma imagem um pouco melhor perante a sociedade brasileira e comunidade mundial.
Antonio Carlos de Mendes Thame é Deputado Federal (PSDB/SP) e professor do Departamento de Economia da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (licenciado). Foi Secretário Estadual de Recursos Hídricos de São Paulo (Governos Mário Covas e Geraldo Alckmin).