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Mar de cana pode cumprir profecia nordestina

A profecia de Antonio Conselheiro está para ser cumprida, embora não exatamente como o beato imaginara: o sertão vai mesmo virar mar. Um imenso mar de cana que, processada nas usinas que deverão surgir nos próximos oito anos na região, trará alguma doçura à vida dos habitantes do agreste de Pernambuco e Paraíba, movimentará motores, distribuirá o excedente da energia cogerada e produzirá alimento suplementar para o gado deixar de vez seu aspecto esquálido característico.

Pelo menos é o que acredita o consultor Manoel Gregório Maranhão, que dá assessoria a diversas Associação de Plantadores de Cana da região Nordeste. Maranhão apregoa que uma autêntica revolução está em curso há três anos no Nordeste, iniciada na implantação de dois projetos revolucionários: o de recomposição canavieira da Mata Norte de Pernambuco – Prorenor, e o Proresul, programa equivalente para a Mata Sul. Somado ao recente e que é considerado o mais radical de todos, o Prodoeste, os mandacarus do agreste, principalmente pernambucano, dariam lugar a vastos e produtivos canaviais irrigados por gotejamento subterrâneo.

O projeto é controverso e recebe críticas, como a de Renato Cunha, presidente do Sindicato das Indústrias do Açúcar e do Álcool de Pernambuco – Sindaçúcar, que o acha inviável. Ainda assim, Gregório Maranhão está otimista. “Vai dar certo, como deram certo o Prorenor e o Proresul”, garante.

O Prorenor, fonte da inspiração de Maranhão, foi implantado pelo Governo de Pernambuco, de Jarbas Vasconcelos, no ano 2000, após dois anos consecutivos de seca. Até o final de 2002 ostentava o resultado de 25 mil hectares recompostos, geração direta de 20 mil empregos e acréscimo de produção de mais de 3 milhões de toneladas de cana. O Proresul foi instituído em março deste ano e engloba 27 municípios e 10 mil hectares de área de cana-de-açúcar. Ambos destinam recursos exclusivos para fornecedores de cana.

Já o Prodoeste surgiu na esteira do sucesso dos dois programas iniciais. O Prodoeste tem origem a partir da retomada pelo Governo Federal, das obras do chamado Canal Sertão Pernambuco, pela Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco – Codesvasf, anunciada para este ano de 2003. Este longo canal nasce no lago de Sobradinho (BA) e percorre a maior parte de seus 700 quilômetros em terras pernambucanas. O projeto inclui também a construção de 5 mini-hidrelétricas e o transporte de 130 metros cúbicos por segundo de água, para consumo urbano e irrigação na região, de frutas a cana-de-açúcar.

Projeto previsto para acontecer em duas etapas

Na visão de Gregório Maranhão, o Prodoeste seria viabilizado por meio da construção de inúmeros pequenos canais terciários a partir do Canal Sertão Pernambucano. Seria como pequenos córregos, afluentes de um rio também afluente de outro ainda maior, no caso o São Francisco.

O projeto está previsto para acontecer, segundo Maranhão, em duas etapas. Ocuparia área agricultável de 130 mil hectares, com participação mínima de 80% de fornecedores de cana e produção prevista de 13,6 milhões de toneladas de cana, a serem processadas em 13 a 14 usinas a ser instaladas na região.

O projeto funcionaria como uma grande reforma agrária, recuperando o sertão e gerando espaço para o pequeno e médio produtor de cana, entre outros benefícios. A perspectiva é tão boa que o plantio das sementeiras começa a acontecer em 60 dias, anuncia o consultor.

Seca reduz número de propiedades a metade

Gregório Maranhão lembra que, sem contar a safra 87/88 – de 71 milhões de toneladas de cana, altamente produtiva a ponto de bater recorde, – o que o Nordeste, sobretudo Pernambuco, contabiliza nos últimos quinze anos são números decrescentes.

Para piorar o quadro, na década de 90 o Nordeste enfrentou uma de suas maiores secas, que comprometeu entre 15% a 20% da produção. Até então Pernambuco contribuía com 26 milhões de toneladas de cana da produção nordestina total, mas teve sua produção reduzida a pouco mais de 12 milhões/tc.

Duas micro-regiões do Nordeste, a Mata Norte e a Mata Sul foram fortemente atingidas. A Mata Norte, que abriga 27 municípios com cerca de 1,2 milhão de habitantes, dos quais 85% dependem da cultura canavieira e que tinha 12 unidades produtoras em operação, sofreu muito. Após dois anos consecutivos de seca (1999 e 2000) perdeu 80% da produção. Em volume a perda correspondia a 5 milhões de toneladas de cana. O pequeno agricultor se machucou. Das cerca de duas mil propriedades de tamanho médio em torno de 100 hectares, no final haviam sobrado apenas 975 propriedades, que hoje têm pouca ou nenhuma cana e muito pé de mandacaru. Algumas das propriedades foram invadidas por militantes sem-terra e outras foram destinadas à pecuária que “todos sabem, desemprega quando é feita em lugar de alta densidade demográfica”, desabafa Gregório.

Cruangi e O D’água se recuperam

O Prorenor, inspiração para o prodoeste, tem se revelado um sucesso do ponto de vista econômico e social. Duas das usinas que estavam perto de desligar de vez suas moendas (Cruangi e Olho D’Água) se recuperaram. A Cruangi está tendo uma de suas maiores safras. Estava com a produção abaixo de 500 mil toneladas e, depois de fazer uma reestruturação na empresa e se aliar ao Prorenor, deve fazer a maior safra de Pernambuco, superando 1,5 milhão de tonelada).

O Prorenor é hoje um modelo de exportação de Pernambuco. Alagoas, Paraíba e até o Rio de Janeiro, interessado em recuperar o Norte fluminense, estão adaptando-o. Em dezembro, Gregório Maranhão falou sobre o projeto no Rio de Janeiro.

Em relação ao Prodoeste, Maranhão informa que seu objetivo não é outro senão recompor a participação do pequeno e médio produtor de cana no volume de matéria-prima processada. “Estamos do lado do elo mais fraco da corrente, que é o fornecedor de cana e o que queremos é restaurar sua auto-estima e engajá-lo na condição de gerador de emprego e renda”.

– Se alguém der uma volta no sertão, se desespera ao ver o sertanejo sem água, caçando calango para sobreviver. Ora, se financiam morango, pêssego e lichia na beira do São Francisco, e pagam muito bem, porque não financiam cana, que evitaria a morte de muitas pessoas de fome? – indigna-se Gregório Maranhão.

Cana terceirizada divide opiniões

O Prodoeste deve ser viabilizado pelos Governos Federal – responsável pelas obras de infraestrutura principal – e governo do Estado, acredita Gregório Maranhão. Segundo ele, as associações de plantadores de cana do Nordeste ficarão responsáveis pela aquisição e divisão das terras entre seus associados. Cada associação deverá ter participação equivalente a sua importância no cenário nordestino. Grupos produtores que investirão na construção das unidades produtoras de açúcar e álcool não teriam mais do que 20% de terras próprias.

Essas porcentagens tão díspares de 80% de cana de terceiros e apenas 20% de cana própria são entraves para que o projeto dê certo, opina Renato Pontes Cunha, presidente do Sindicato dos Produtores de Açúcar e Álcool de Pernambuco – Sindaçúcar (PE).

– Não vejo atrativo em um projeto assim porque as usinas sempre têm como objetivo a auto sustentação de cana. Para receber a adesão das unidades produtoras, creio que o projeto precisaria destinar algo em torno de 40% de cana a terceiros e os outros 60% ficar com as usinas. Pelo menos é o que sinto aqui em conversa com empresários”, diz. “Não faz sentido ficar totalmente dependente das canas de fornecedores. A proposta parece inócua”.

Mesmo debaixo de críticas, Gregório Maranhão mantém o projeto e garante que muitos usineiros aprovam sua idéia. Cita um entusiasta, o presidente do Grupo EQM, que inclui a Usina Cucaú, Eduardo de Queiroz Monteiro.

Queiroz, presidente de usina, tem mesmo opinião favorável: “O Prodoeste é fruto da inteligência de Gregório Maranhão e da articulação do setor no Estado. É avalizado pelo êxito do Prorenor e do Proresul, programas que deram certo numa hora difícil e foram resultado de uma participação democrática entre todos os envolvidos. Nosso Grupo está com disposição de investir no Prodoeste, principalmente pela interação dos recursos já disponíveis e a alta produtividade prevista, maior que na região Centro-Sul”, diz Eduardo.

Água chega primeiro ao Pontal de Sobradinho

A primeira etapa do Prodoeste vai incluir área agricultável de 30 mil hectares, com participação mínima de 80% de fornecedores de cana e a produção prevista de 3,6 milhões de toneladas de cana que serão processadas em 3 ou 4 usinas. A segunda etapa será implantada na região de Ouricuri, Nordeste de Pernambuco. Prevê área de 100 mil hectares, englobando 8 a 10 unidades produtoras, com a produção de 10 milhões de toneladas de cana.

Gregório Maranhão informa que o projeto tem apoio da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco – Codevasf , responsável pelas obras de construção do canal Sertão de Pernambuco, com investimentos de R$ 1,8 bilhão.

A água deve chegar em 2 anos e meio ao Pontal de Sobradinho (primeira etapa) e a conclusão do canal está prevista para 2010.

O primeiro percurso irrigável do Canal Sertão de Pernambuco – o Distrito de Irrigação Pontal Sobradinho-Petrolina – será o lugar de sementeira do Prodoeste, informa Gregório Esperança no presidente pernambucano

Maranhão entende que o Prodoeste racionaliza o uso dos recursos da atividade canavieira, pois não haveria coincidência de períodos de safra. Na Zona da Mata a safra acontece de setembro a março e no sertão deve ser de março a outubro.

Presidente é pernambucano assumido e defende a classe

Os pernambucanos ligados ao setor sucroalcooleiro não escondem a esperança de que agora os antigos projetos para recuperação e desenvolvimento do agreste saiam do papel. Além de inúmeros nordestinos de mente e recursos privilegiados dedicados a defender a causa nordestina, o próprio presidente da República é pernambucano assumido, e o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, é fornecedor de cana.

– O ministro Roberto Rodrigues não precisa pedir qualquer estudo sobre o assunto. Ele experimenta na própria pele o que significa ser um fornecedor de cana. É um dos que, na maioria das vezes, pela própria circunstância, acaba refém de um cliente só, a usina mais próxima de sua propriedade – informa Manoel Gregório Maranhão, que trabalhou no Ministério da Integração Regional de 91 a 93, durante o Governo Itamar Franco.

Maranhão.

Nova entidade tenta unir fornecedores do Nordeste

A partir de janeiro de 2003 os fornecedores de cana do Nordeste estarão melhor. Está surgindo a União Nordestina dos Plantadores de Cana do Nordeste – Unida. Segundo Gregório Maranhão, secretário geral da Unida, a nova instituição foi inspirada na Organização dos Plantadores de Cana do Estado de São Paulo – Orplana, que congrega as associações de plantadores de cana do Estado de São Paulo.

A Unidade pretende representar os produtores do Nordeste e uma de suas metas é a criação da Agência Nacional da Agroindústria Canavieira, um mecanismo de regulação do mercado, que dará ao setor sucroalcooleiro a mesma representatividade da Agência Nacional do Petróleo”, explica.

Fornecedores de cana criam fundo de pensão

Outra ação que está em estágio avançado de formalização pela Unida é o Fundo de Pensão dos Canavieiros, que nasce no Norte/Nordeste já com 20 mil pensionistas e deve avançar para o Centro-Sul.

O Fundo da Unida já nasce entre os 20 maiores Fundos de Pensão nacionais. O projeto foi proposto por Gregório Maranhão há 6 anos, mas só agora pôde ser implantado, devido à mudança na legislação que passou a permitir que entidades de classe tornem-se gestoras de fundos de pensão. A OAB e a Unida são as duas primeiras entidades a criar seu fundo. Maranhão destaca que além dos benefícios da aposentadoria suplementar aos associados, o Fundo também transforma a Unida em um investidor significativo no cenário econômico.

A Unida também está engajada no estabelecimento de um preço regional para a cana no Nordeste e tratamento tributário equânime para produção de cana em toda a região, tendo em vista o atual livre transporte e fornecimento de matéria-prima entre estados.

Órgao regulador uniformizaria preço

O presidente da Federação dos Plantadores de Cana do Brasil- Feplana, Antônio Celso Cavalcanti de Andrade, disse durante encontro em João Pessoa, na Paraíba, que acredita que a maioria das nove associações de produtores independentes do Nordeste não deva aceitar a proposta de fazer valer o preço da tonelada de cana pelo teor de sacarose. “Hoje o balizamento do preço da tonelada é feito tendo como base o preço do produto final. Não existe uma uniformização do pagamento. Além disso, mesmo para aqueles que seguem os padrões do Consecana – sistema de cálculo que é adotado em São Paulo e Paraná e que leva em consideração a qualidade da cana além de fatores como preço ponderado do produto final – não existe garantia de recebimento. Quando o preço favorece o fornecedor, o industrial costuma descumprir”, diz Cavalcanti.

Segundo Antônio Celso, uma uniformidade quanto a esta questão somente seria possível caso o Governo Federal criasse uma espécie de órgão regulador para o setor sucroalcooleiro. De acordo com ele, depois da liberação do preço da cana, há cerca de três anos, o número de plantadores independentes tem diminuído sensivelmente em todo o País, em especial, no Nordeste. “Até poucos anos, os produtores independentes de Pernambuco representavam 72% de toda a cana moída. Hoje este número caiu para cerca de 35%. Na Paraíba este contigente caiu de 55% para 30%. Em São Paulo a queda foi de 30% para pouco mais de 20%. É uma reforma agrária ao inverso. Os pequenos e médios produtores estão desaparecendo para dar lugar aos grandes plantadores”, diz Cavalcanti. Segundo ele, um órgão regulador e a adoção dos parâmetros adotados pelo Consecana podem ajudar a reverter este quadro.

Agrovale é pioneira no cultivo de Cana no Sertão

Há 23 anos o vale do submédio São Francisco começava a chamar a atenção para seu potencial junto a agricultura irrigada. Nesta época, poucos podiam imaginar em plantar cana-de-açúcar em meio à caatinga do semi-árido nordestino. Implantada no município de Juazeiro (BA), a 500 quilômetros de Salvador, a Agroindustrial do Vale do São Francisco — Agrovale possui atualmente 14,7 mil hectares plantados, deve processar 1,2 milhão de tc/cana. 12,5% mais que no ano passado, e produzir nesta safra 2,55 milhões de sacos de açúcar e 20 milhões de litros de álcool.

“A próxima safra deverá ser ainda maior”, diz o diretor superintendente da Agrovale, Carlos Gilberto Farias. A empresa está investindo R$ 6,5 milhões na implantação de outros mil hectares de cana destinados a ampliar a produção.

A ampliação da área plantada é explicada pelos bons resultados obtidos pela empresa. A produtividade média registrada pela Agrovale é de 103 toneladas. Em algumas áreas isoladas este volume chega a 210 toneladas por hectare. Nas zonas litorâneas este índice é de 53 toneladas por hectare. No Centro-Sul o volume médio registrado é de 85 toneladas por hectare, segundo o Sindaçúcar.

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