Mercado

Brasil deve se preparar para mais fusões

Angelo Pavini

O crescimento global aliado a dinheiro abundante, um mercado de ações valorizado e as pressões vindas da China e de outros emergentes vão manter as operações de fusões e aquisições aquecidas ainda por muito tempo. No Brasil, os setores mais visados devem ser os de recursos naturais, siderurgia e papel e celulose. A avaliação é de Robert F. Bruner, reitor de uma das mais prestigiadas escolas de negócios do mundo, a americana Darden School, e especialista em fusões e aquisições. Autor do livro “Deals from Hell” (algo como “Acordos infernais”), ele aponta os principais problemas que podem surgir numa operação de fusão ou aquisição e que faz com que 20% dessas operações acabem fracassando. Em visita ao Brasil – onde veio selar um acordo entre a Darden e o Ibmec-São Paulo, ele falou com exclusividade ao Valor.

Valor: Como o senhor vê o Brasil no contexto global de fusões e aquisções?

Robert Bruner: Em termos macroeconômicos, vejo um crescimento contínuo dos volumes e do tamanho dos negócios no Brasil. Esse volume já é grande entre as empresas locais. Mas, com o rápido crescimento da economia brasileira, nos próximos anos, podemos esperar que empresas multinacionais, com marcas globais, continuarão a entrar no mercado brasileiro, e as fusões e aquisições são a melhor forma para isso. Por que eles virão? A resposta é, em parte, pelas condições muito favoráveis do mercado de capitais internacional, baixas taxas de juros, alto preço das ações, dinheiro disponível. Além disso, há uma questão estratégica: há grandes forças de mudança na economia global. Desregulamentação, abertura comercial, mudanças políticas, que podem ser boas ou ruins para o processo. Há também mudanças demográficas, imigração, em alguns países, nos Estados Unidos especialmente. E mudanças na tecnologia, inovações na internet, na comunicação, nas fontes de energia, como é o caso do etanol. Quando essas forças atingem uma economia, elas desestabilizam o velho jeito de fazer as coisas e tornam desejáveis as mudanças.

Valor: Como isso afeta o Brasil?

Bruner: Temos aqui mudanças tecnológicas, temos o etanol, e, em recursos naturais, vemos rápida consolidação em cobre, na produção aço, e outros metais. Acho que Brasil será um foco desse movimento. Além disso, há o setor de papel e celulose, essa é uma indústria em rápida mudança e consolidação global. E a própria abertura comercial do país deve levar a novos negócios, assim como os acordos regionais de comércio, como o Mercosul e outros blocos. Minha visão é que as fusões e aquisições são muito importantes em todos os sentidos para negócios e economia. Por meio delas, empresas individuais e setores se renovam e respondem a essas pressões por mudanças mundiais.

Valor: Como a China afeta esse mercado de fusões?

Bruner: Ela será uma força desestabilizadora dramática da economia global pelo resto deste século. Nós já vemos isso nos Estados Unidos, e certamente vocês estão vendo isso no Brasil. Eu visitei o México recentemente e os empresários mexicanos estão bastante preocupados com a China. Os chineses são sérios competidores em manufaturados de baixo custo. O México, por seu lado, tem a vantagem de estar próximo dos EUA. O Brasil também. Mas eu creio que a grande questão é quanto tempo a China vai demorar para permitir que sua moeda flutue, se valorize diante do dólar e outras moedas, e reduza a competitividade artificial de suas exportações. Eu suspeito que as autoridades chinesas já entenderam que precisam fazer isso. Mas eles estão preocupados no impacto que isso teria no sistema financeiro local. As empresas que tomaram empréstimos nos bancos ficariam menos competitivas e não conseguiriam pagar os empréstimos. Por isso, o governo está antes buscando atrair bancos estrangeiros para investir nos bancos chineses, como forma de reduzir esse impacto no futuro. Mas eu acredito que esse processo de desvalorização ainda vai levar 5, 10 anos e até lá a pressão sobre Brasil, México e EUA vai continuar.

Valor: Em que setores a pressão chinesa pode incentivar mais fusões?

Bruner: Eu indicaria três. Primeiro, recursos naturais, no longo prazo. Porque a China está crescendo tão rápido – assim como Índia e Brasil – que tende a pressionar os preços de matérias-primas metais, madeira, produtos agrícolas de todos os tipos. Até que atinjamos um novo equilíbrio, empresas que estão fazendo negócios de acordo com a velha realidade vão sofrer para responder. E há as pressões de consumidores ao redor do mundo, com mais classe média em china, Índia, Brasil, e mais a revolução do etanol, feito também de milho, tem efeitos colaterais em produtos ligados, como milho. E prevejo sérios impactos em produtos alimentícios. No setor industrial, vejo grande impacto no setor automobilístico, temos capacidade de produção demais nos EUA, na Europa, no Japão, e não o suficiente em países como Brasil

Valor: O Brasil ainda não tem um forte mercado de capitais, como isso pode ser um problema aqui?

Bruner: Esse é um dos principais vetores de desenvolvimento para o Brasil. É preciso aprofundar e liberalizar o mercado de capitais aqui. O destino do Brasil como economia de negócios depende de permitir a livre movimentação de recursos e criar um mercado de capitais forte, de ações, de empréstimos bancários, de papéis de empresas de longo prazo. Vocês até têm esses mercados, mas eu falo de aumentar esses volumes. Essa é uma das peças chave para o desenvolvimento do país. Em muitos países, há preocupações políticas em relação ao investimento estrangeiro, de absorção dessas empresas. Entendemos essas preocupações, mas num país em crescimento não há muitas alternativas. E há maneiras de preservar o controle local ou ao menos de gerenciamento, com um bom planejamento estratégico, com joint ventures, alianças estratégicas, ou investmentos minoritários. Mas para atrair capital externo, é preciso criar um arcabouço legal que respeite investidores, e assegure a integridade desse investimento E combater a corrupção e os mercados ilegais.

Valor: Como tratar essa questão das empresas nacionais?

Bruner: Minha visão é que o Brasil crescendo e a riqueza sendo distribuída, a população se sentirá confortável em ver marcas globais e empresa globais de estrangeiros. Mas eu recomendo a qualquer país que evitar a criação de super-campeões nacionais, dando incentivos a empresas ou protegendo-as. Isso é uma doença, a França é uma das líderes dessa prática. Eu abertamente desencorajo isso porque os privilégios reduzem o incentivo de a empresa reagir às mudanças globais e se atualizar adotando as melhores práticas globais. E quando o governo deixa de ajudar a empresa, a reestruturação é muito mais difícil. Veja o caso da Alitália, na Itália.

Valor: Seu estudo mostra que 20% das fusões e aquisições não dão certo. Quais são os principais problemas?

Bruner: Meu livro “Deals from hell” mostra que muitas coisas contribuem para uma fusão dar errado. E mesmo entre as que dão certo, muitas apenas cobrem o custo de capital, sem gerar valor ao acionista. Eu chamo essa a junção de fatores negativos como “tempestade perfeita”. Ela começa com a complexidade da fusão de duas empresas, de sistemas diferentes e complicados para combinar. Em grandes fusões, enfrenta-se ainda um período em que é difícil entender o que está acontecendo e há muita assimetria de informação, o presidente não sabe o que está acontecendo em um departamento e assim por diante. E há uma tendência de redução de mecanismos de segurança, como aumento do débito ou reduzir as instalações em vez de criar instalações de reserva para responder às mudanças de mercado. Outro problema é depender muito de novas tecnologias que não se entende perfeitamente. O excesso de otimismo, que cria uma atmosfera de desatenção, também ajuda a aumentar o risco. Há ainda o caso dos executivos que tendem a fazer coisas que elevam o risco, ou não se entenderem para montar um plano para unir as duas empresas. Isso sem contar os problemas externo à companhia, como mudanças climáticas, que afetam os resultados. Ou a falta de preparo das pessoas para reagir às mudanças na linha de frente da empresa.

Valor: Como se evita isso?

Bruner: O que percebi é que há em cada um desses casos um paralelo com os grandes catástrofes industriais, casos como acidentes de aviões ou com a usina nuclear de Chernobil, na Rússia. Temos de usar essas catástrofes como exemplos para preparar as fusões e aquisições e evitar crises. Há empresas que conseguem fazer isso bem, e que adotam as melhores práticas de gestão. Um exemplo é a General Eletric, que faz um grande volume de aquisições de companhias. Eles têm um sistema muito disciplinado pelo qual eles estudam as empresas, negociam as aquisições e as integram. E institutos de ensino como a Darden e o Ibmec-SP podem espalhar para o mercado esses exemplos.

Valor: Quais são as empresas mais sujeitas a problemas?

Bruner: As mais perigosas são as que só fazem aquisições de vez em quanto, com executivos jovens e ambiciosos e que querem causar grande impressão no mercado. Ou que estão ameaçadas e reagindo emocionalmente a uma pressão e querem fazer alguma coisa dramática.

Valor: Como o investidor faz para evitar esses riscos?

Bruner: Se o acordo ainda não aconteceu, a melhor defesa é uma boa estrutura de governança, com respeito ao acionista minoritário. Mas a maioria das empresas no Brasil é fechada. Nesse caso, minha recomendação é que o investidor procure aquelas que agem como empresas abertas, que sejam cuidadosas na formação de seu conselho de administração e que esse conselho seja profissional. O problema é que nas empresas fechadas o dono indica parentes e amigos para o conselho. Mas e se o o acordo já foi feito? Isso é como dizer a uma mulher que ela está grávida. Uma saída, se a empresa é aberta, é organizar outros investidores e pressionar a direção da empresa. Vender as ações é outro sinal forte de desaprovação, pois aumenta as chances de uma tomada hostil da empresa. No Brasil, essas tentativas de tomada hostil são poucas. Eu acredito que o desenvolvimento do mercado brasileiro deverá implicar em permitir um aumento dessas operações, que são uma forma de disciplinar os executivos que falham com seus acionistas.

Valor: Quais setores devem ser mais propensos a fusões e aquisições?

Bruner: Em primeiro lugar, o financeiro, bancos, bancos de investimento, gestão de recursos, veremos uma consolidação dramática globalmente como reflexo da liberalização dos mercados. Recursos naturais são a segunda área-chave, estimulada em parte pelo rápido crescimento dos países emergentes e a necessidade de obter recursos para sustentar esse crescimento. A China está fazendo isso agressivamente com reservas de petróleo e contratos de longo prazo de minérios. Tecnologia e telecomunicações e mídia vão ser outro setor com muitas fusões e aquisições porque as mudanças tecnológicas são tão rápidas e continuarão a mudar, mudanças de equipamentos, chips, novos serviços e formas de entretenimento.

Valor: Como será o acordo com o Ibmec-SP?

Bruner: Acreditamos que uma escola de negócios não pode ser grande sem estar próxima à comunidade global de negócios e acadêmica. Nosso projeto com o Ibmec-SP leva em conta que o Brasil é uma das quatro forças de crescimento da economia global. Brasil, China, Índia e Rússia são uma classe de países que parece muito com os Estados Unidos 150 anos atrás, países crescendo rapidamente, com extraordinárias oportunidades de negócios e demanda por educação empresarial. Nesse contexto achamos que há muito com que podemos contribuir como escola. Nossa esperança é servir à comunidade global de negócios atingindo essas áreas de alto crescimento.

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