Mercado

Agronegócio desconfia da “boa vontade” americana

O agronegócio brasileiro está desconfiado dos sinais de boa-vontade exibidos por Estados Unidos e União Européia nas negociações da Rodada Doha, da Organização Mundial de Comércio (OMC). O setor avalia que não basta solucionar os “grandes números”, mas é preciso estar atento aos “escapes” da negociação. “O diabo mora nos detalhes”, diz Marcos Jank, presidente do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), entidade financiada por associações agrícolas.

Jank diz que as propostas atribuídas aos negociadores americanos e europeus “ainda não significam nada para o Brasil”. Segundo informações publicadas pela imprensa, os EUA estariam dispostos a limitar os subsídios concedidos a seus produtores em US$ 17 bilhões, enquanto a UE cortaria as tarifas agrícolas em 54%. A proposta da UE coincide com a demanda do G-20, grupo de países em desenvolvimento liderados pelo Brasil. Dos EUA, o G-20 pede um pouco mais: quer um teto de US$ 12 bilhões.

Para o agronegócio brasileiro, mais importante que esses números são o tratamento das exceções. Jank explica que um teto de US$ 17 bilhões permite que os americanos reformem sua lei agrícola sem uma alteração real na quantidade de subsídios que concedem, já que o dinheiro apenas migraria entre os produtos. “A situação do Brasil piora ao invés de melhorar”, diz Jank.

O governo americano poderia, por exemplo, tirar subsídios do açúcar, do leite e do milho, e passar para soja, trigo, arroz ou algodão. As tarifas de importação do açúcar e do leite são altas, o que impede a exportação brasileira com ou sem subsídio. Já no milho, a demanda por etanol deve impulsionar o preço do grão, tornando desnecessário um subsídio que garanta as cotações.

O cenário é semelhante para os europeus. Os agricultores brasileiros estão preocupados com os produtos chamados de “sensíveis” pelos países ricos e “especiais” pelas nações pobres. Jank diz que o tratamento que será concedido a esses produtos – corte de tarifa e concessão de cotas – é mais importante que o percentual de produtos sensíveis. A UE pede um limite de 8%, a Índia fala em 20%, mas o Brasil sabe que qualquer número acima de 2% basta para incluir todos os produtos de seu interesse.

À medida que a agenda agrícola da negociação começa lentamente a destravar, outros setores estão atentos. “Teremos muito trabalho a fazer na área de serviços”, diz Mário Marconini, presidente do conselho de relações internacionais da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio). Ele afirma que o setor de serviços está em busca de “reciprocidade” e não de “protecionismo”. Setores como construção civil e serviços financeiros começam a despertar para os ganhos que podem obter na Rodada, já que o mercado brasileiro está aberto. “É uma agenda pró-ativa”, diz.