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A segunda vez em um mês

Três semanas após a vinda do presidente americano George W. Bush ao Brasil, um novo encontro entre ele e o presidente Lula foi marcado para este sábado, 31. A reunião será em Camp David, a residência de campo da Presidência americana, a 100 quilômetros de Washington. O curto espaço de tempo entre os encontros, raro na diplomacia, é cheio de significados. Com sua atenção concentrada na guerra do Iraque, Bush negligenciou a América Latina. Agora tem pressa em fortalecer as amizades na região, em especial para fazer contraponto à influência do venezuelano Hugo Chávez nos países vizinhos. A falta de interesse foi mútua. No primeiro mandato, a política externa de Lula deu prioridade à aproximação com países pobres. Agora, o brasileiro começa a descobrir que é essencial ter os Estados Unidos como parceiro. “Os dois lados sinalizam uma correção de rumo diplomático”, diz Ricardo Sennes, professor de relações internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, a PUC.

Convites para reuniões em Camp David são feitos a uma pequena seleção de hóspedes. Fernando Henrique Cardoso foi o primeiro presidente brasileiro a se hospedar lá. Lula deve dormir na Blair House, a casa de hóspedes do governo americano, onde ficou João Goulart, em 1962. Naquela época, a visita do presidente brasileiro pretendia convencer os americanos de que Jango não era um populista típico da região. A visita de Lula tem o aspecto inverso. “O convite de Bush pode ser visto como um recado para a América Latina de que ele vê em Lula um homem com quem pode dialogar”, diz a cientista política Victoria Farrar-Myers, da Universidade do Texas. Isso significa que, para os Estados Unidos, o Brasil serve de modelo contra o populismo sul-americano. Para Lula, é uma oportunidade para tentar produzir dividendos concretos da aproximação com os Estados Unidos.

Exercer a diplomacia é função de um presidente, e é bom que Lula tire proveito da empatia existente entre ele e Bush. Uma conversa tête–tête entre chefes de governo, como é a idéia de Camp David, é excelente para combinar projetos políticos. Uma política de relações bilaterais definida mais por afinidade pessoal do que por estratégia de governo, contudo, tem limitações. “A química entre dois presidentes não tem onde se fortificar se não houver interesses bilaterais específicos”, diz o embaixador José Botafogo Gonçalves, presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais no Rio de Janeiro. “As afinidades têm de se traduzir em relações comerciais, econômicas e culturais.” De outra forma, se muda o presidente, tudo retorna à estaca zero. Em uma reunião particular e um jantar, a pauta oficial em Camp David previa conversas sobre a liberalização do comércio de produtos agrícolas, a parceria para desenvolver o mercado de biocombustíveis e a ajuda humanitária ao Haiti. No momento, o que mais interessa ao Brasil é deslanchar o mercado de etanol, o combustível alternativo do qual tem a liderança produtiva e tecnológica mundial. A ironia é que, ao mesmo tempo em que aproxima Brasília e Washington, o etanol abre um fosso ideológico com Chávez e Fidel Castro do lado oposto ao do Brasil. O ditador cubano saiu do leito de enfermo para declarar guerra à substituição do petróleo por álcool combustível. Fez assim eco a Chávez, que já declarou o petróleo “socialista” e o álcool “capitalista”. Entende-se: o oxigênio que mantém vivos a revolução chavista e seu cliente cubano é o alto preço do barril de petróleo.

“QUEREMOS APRENDER UM COM O OUTRO”

A ESCOLHA DE CAMP DAVID PARA O ENCONTRO TEM ALGUM SIGNIFICADO ESPECIAL?

O retiro presidencial é reservado para o presidente reunir os principais assessores nos fins de semana e refletir sobre temas relevantes. Bush convidou poucos governantes para visitar o local. O presidente Lula é o primeiro latino-americano. A atmosfera descontraída de Camp David permite aos presidentes maior informalidade, que faz parte do estilo de ambos.

A APARENTE AFINIDADE PESSOAL ENTRE LULA E BUSH MAIS AJUDA OU MAIS ATRAPALHA AS RELAÇÕES BILATERAIS?

Os dois países têm uma agenda ampla, que os próprios presidentes estão definindo. Os dois encontros em um único mês entre Bush e Lula nos permitem avançar com essa agenda, que também depende da boa vontade dos ministros, como o chanceler Celso Amorim e a secretária de Estado Condoleezza Rice.

DO PONTO DE VISTA PRÁTICO, A QUE PODE LEVAR O INTERESSE AMERICANO NO ETANOL BRASILEIRO?

Temos interesse em reduzir nosso vício em petróleo e buscar novas fontes de energia. Cada país vai chegar a novas fontes de sua própria maneira. Com o Brasil, estamos trabalhando para democratizar os biocombustíveis. Queremos aprender um com o outro.

O QUE OS BRASILEIROS PODEM FAZER PARA ACABAR COM O PROTECIONISMO AMERICANO?

Em todos os países há elementos de protecionismo, inclusive nos Estados Unidos e no Brasil. Bush chegou a dizer que os Estados Unidos eventualmente poderiam levantar as barreiras se outros países nos seguissem. Mas sabemos que isso não é possível hoje. Não chegamos nem a um acordo global sobre redução de tarifas. Em última instância, a decisão final em assuntos de comércio externo é do Congresso.

QUAL A ESTRATÉGIA AMERICANA EM RELAÇÃO A HUGO CHÁVEZ?

A viagem do presidente Bush à América Latina teve como objetivo conversar com países que querem trabalhar conosco. Falamos não só de comércio, mas também sobre justiça social, apoio às instituições democráticas, a questão do Haiti e criação de empregos. Quanto mais pudermos trabalhar com países como o Brasil, apoiando instituições democráticas, melhor será para todo o mundo.