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Harvard: 50 anos disseminando tendências e conhecimento

Janeiro de 2010 foi um mês histórico para a Harvard Business School. Seu tradicional seminário de casos teve sua edição numero 50. Como todos os anos, 200 executivos do mundo todo se reúnem com os principais professores da Harvard Business School para discutir 12 empresas que foram destaque. A dinâmica é interessante. Cada caso tem cerca de 20 paginas, sendo 10 páginas de texto, e outras 10 de anexos, relatando a história da empresa, sua fotografia atual, e os principais desafios, além de dados financeiros e de mercado.

Os participantes têm que ler antes, e ainda discutir os textos em mini-grupos de oito pessoas, escolhidas a dedo por Harvard, de diferentes continentes e indústrias, para possibilitar. Depois vêm as plenárias onde os casos são apresentados e discutidos entre todos. Ao final vem o principal executivo da empresa, responder perguntas, em 40 minutos. O evento tem 4 dias de imersão total, das 7 da manhã às 23hs.

Este seminário é histórico para os estudiosos de agribusiness no Brasil, pois quem o criou e ainda esta ativamente escrevendo e apresentando casos, com uma agilidade impressionante, é nada mais nada menos que o Prof. Ray Goldberg, que em 1957 criou o conceito de agribusiness, juntamente com John Davis, publicado depois em seu livro “A Concept of Agribusiness”, e o conceito de sistemas agroindustriais (que analisa o fluxo de um produto), em 1968. Ele não revela sua idade, mas sabemos que ele tem cerca de 85 anos. Amável como poucos, moderno como poucos.

Foi este seminário que os precursores do conceito de agronegócios no Brasil freqüentaram. Estamos falando aqui do livro mais clássico, “Complexo Agroindustrial: O Agribusiness Brasileiro”, escrito pelo nosso sempre saudoso Ney Bitencourt Araujo (Presidente da Agroceres e criador da ABAG), pelo Ivan Wedekin e Luiz Antonio Pinazza, de 1990. Também influenciou, na universidade, o mais importante cientista do Agronegócio brasileiro, Decio Zylberstajn, que a partir deste evento criou o PENSA (Programa de Agronegócios da USP), contando com Ray Goldberg no Conselho, e montou uma replica do Seminário, por cerca de 10 anos (1991 a 2000) realizado no Brasil, alterando entre Atibaia, Águas de São Pedro e São Paulo. Muitos que lêem este texto se lembram destes memoráveis eventos de imersão com os principais lideres do agronegócio brasileiro, e também argentino, pela sempre agradável presença do Hector Ordonez, que escrevia casos da Argentina e os discutia conosco. Fundou um ativo grupo de agronegócios na Universidade de Buenos Aires, inspirado no Pensa, e que hoje conta com mais de 20 pesquisadores. Perdemos prematuramente o Hector, em 2006, vitimado por um câncer.

Pelo Pensa se graduaram mais de 50 profissionais que hoje atuam no agronegócio brasileiro e mundial, e por este seminário, mais de 1500 pessoas. Mais de 60 empresas brasileiras foram retratadas em casos escritos pelo Pensa, que viraram livros e material de uso em salas de aula.

Vem crescendo a cada ano o número de casos de empresas brasileiras em Harvard. Em 2009 tivemos um caso do JBS, explorando a aquisição da Swift nos EUA e a reengenharia feita nesta empresa, e o caso da ViniBrasil, que faz os vinhos no Vale do São Francisco, recebendo seguidos prêmios de qualidade. Este escrito e apresentado por nós. A seguir, um breve relato dos 12 casos que foram discutidos em 2010, bem como quais são as principais mensagens trazidas.

Cosan: caso explora o crescimento e todas as aquisições, as questões de governança da empresa e os movimentos estratégicos feitos. Por um problema ligado a questões trabalhistas, executivos da Cosan justificaram e não compareceram, mas foram muito bem substituídos por um alto executivo da Bunge nos EUA, que foi um endosso ao sistema da cana no Brasil, pois foi um dos responsáveis pela aquisição da Moema. Respondeu diversas questões e não deixou duvidas na competitividade futura do açúcar e etanol do Brasil.

Codevasf: caso explora a licitação do perímetro de irrigação Pontal, de 8000 hectares no Vale do São Francisco, que ira acontecer em abril. Despertou interesse, pois é a primeira vez que uma área quase pronta será transmitida a iniciativa privada, com amplo apoio do Governo, que exige como contrapartida principal a integração de pequenos produtores de maneira sustentável pelas empresas vencedoras do edital. Este foi escrito e apresentado por nós.

Monsanto: caso trata a história da empresa, e a aquisição de diversas empresas de sementes para servirem como “transportadores” da sua tecnologia, pioneira. Mostra como a opinião mundial vem mudando, e como a própria Monsanto vem alterando sua comunicação, visando engajamento em causas maiores da agricultura, como o necessário aumento da produção e de produtividade, e não na defesa dos OGM’s. O grande trabalho nos próximos anos será o de plantas tolerantes ao déficit hídrico.

Rabobank: o caso trata deste banco cooperativo com sede na Holanda, e seu compromisso com a área de alimentos e agronegócios, seu foco principal. Trata da internacionalização do banco nos últimos 20 anos, e como conseguiram se manter como instituição financeira triplo A. O desafio será o equilíbrio em se manter um banco AAA com as necessidades de estar presente onde realmente o agribusiness acontecerá nos próximos anos, que é nos países emergentes.

Woolf: caso trata do maior produtor de tomates, catchup e castanhas da Califórnia, e todo o problema de água pelo qual passa o Vale Central. A cada ano uma grande quantidade de área é abandonada pela agricultura, que disputa água com os setores urbanos e com as pressões todas dos ambientalistas. Explica muito como a regulação de água é feita e como as perspectivas não são boas para o futuro.

Red Tomato: este caso explora o conceito de agricultura local. É uma empresa americana, não governamental e sem visar lucro, na região de Boston, que faz a ligação entre os desejos dos varejistas pelos produtos hortifrutigranjeiros, e os produtores que estão na região, visando valorizar a produção local e manter o emprego na região.

GTC Biotherapeutics: caso explora uma empresa que esta a frente do seu tempo, tentando fundir a questão de medicamentos e alimentos, fazendo drogas a partir de plantas e animais. Caso muito interessante de inovação, regulação governamental para aprovação de produtos e dificuldades de uma empresa em financiar a pesquisa em tempos de pressão por retornos imediatos no mercado financeiro.

DaChan: caso de uma das maiores empresas chinesas de alimentos, explora o ambiente de negócios na China, sua produção de proteínas, o modelo de integração com pequenos produtores, a questão da posse da terra, e como a empresa conseguiu construir um sistema de rastreabilidade que deu grande credibilidade a empresa, a ponto de ser a principal fornecedora de frango das redes de fast food americanas. Caso interessante na área de tecnologia, coordenação da cadeia de suprimentos e mercados asiáticos.

Diamond Foods: este para mim foi um dos casos mais marcantes. Mostra como a principal Cooperativa da Califórnia promoveu uma grande fusão e criou uma empresa comercial, onde os produtores são os principais acionistas, que virou a líder de snacks a partir de castanhas no mercado americano. Na minha visão, leitura obrigatória ao cooperativismo brasileiro.

PureCircle: empresa que esta produzindo um adoçante a partir da planta Stevia, que tem um poder calorífico muito interessante e o apelo de ser um produto natural. É um produto muito complementar ao açúcar, que não tem o sabor desagradável deixado por alguns adoçantes artificiais. Também explora as dificuldades de aprovação do produto nos organismos de saúde dos EUA, e mostra um conjunto grande de empresas de refrigerantes, sucos e alimentos que já estão usando os produtos.

Ebro Puleva: trata-se da maior empresa mundial de arroz. Baseada na Espanha, o caso relata como a empresa foi fazendo aquisições de empresas de arroz locais, e mantendo suas marcas, promoveu o crescimento. Era a maior empresa produtora de açúcar da Espanha, mas que saiu do negócio no momento onde o Brasil e outros países venceram a disputa do açúcar na OMC.

Hungerit: uma empresa da Hungria, o caso mostra como foram as relações com o estado na época do comunismo e a transformação da empresa em comercial.

Enfim, foram 12 casos interessantes e muito aprendizado. Sem duvida os momentos mais mágicos são aqueles onde o Prof. Ray Goldberg apresenta os casos (foram dois este ano), e suas reflexões, que não duram mais de 3 a 5 minutos ao final de cada caso. Nestes momentos fica um silêncio absoluto, e passa para nós um grande exemplo de vida e atividade. Este ano a IAMA (International Food and Agribusiness Management Association), que ele criou e teve seu primeiro seminário internacional em Boston em 1991, completa 20 anos. Seu Congresso anual, após circular por muitos países, será em junho, em Boston, e o Prof. Ray Goldberg será o principal ator.

Fico com a expectativa que 2010 será um ano muito interessante de ser vivido. Na arena mundial, retoma-se o crescimento, tem-se os efeitos de China e Índia, alem dos outros países emergentes com suas populações crescentes e mais ricas, demandando alimentos, tem-se a escassez de água, o debate ambiental, o aumento da concentração que virá com uma nova onda de fusões e aquisições, o aumento do petróleo, das commodities, entre outros fatores. Na arena interna, temos todos estes fatores impactantes, somados a eleições, copa do mundo, um crescimento de 6%, apagão logístico, entre outros assuntos que farão 2010 ser muito interessante.

Ainda na arena interna, diferentemente de países que já tem gestão pública e Governos classe mundial, enxutos e focados, como Chile, Colômbia, Costa Rica, e o empresário nestes locais precisa se preocupar mais com seu negócio e como exportar mais, conquistar mercados, inovar, nos aqui no Brasil, nossos empresários, lideres setoriais, presidentes de associações, temos também que investir nosso tempo, sair do nosso foco, prejudicar nossos negócios para fazer frente às surpresas que aparecem de repente, sem que “ninguém tenha lido antes”, como este incrível conjunto de asneiras consolidados no programa nacional de direitos humanos, e o que esta por vir na área de comunicações, de imprensa e outras surpresas geradas por alguns de nossos burocratas, visivelmente com um foco invertido das nossas necessidades, atentando contra a democracia, contra as instituições, contra o ambiente de negócios, e o que é pior, gente paga e sustentada por nós.

Ainda bem que isto tudo está escrito em português, e o Prof. Ray Goldberg não ficará sabendo das coisas que ainda nos envergonham como brasileiros, das lombadas que são colocadas para frear a nossa velocidade de crescimento, de inserção mundial. É triste chegar de Harvard, e deparar com isto tudo. Um choque enorme. Mas não terminarei o texto triste, pois 2010 será um ano bárbaro para nos, de muitas conquistas.

Marcos Fava Neves é Professor de Estratégia na FEA/USP Campus de Ribeirão Preto. Participou dos Seminários de 2008, 2009 e 2010 a convite da Harvard Business School. (www.favaneves.org)