Mercado

Agenda Estratégica do Álcool Combustível

Muitos sistemas produtivos recebem admiração minha, mas a cana é especial. Sua história, o benefício que traz para o Brasil, sua liderança mundial e por ver o desenvolvimento econômico das regiões produtoras. A cana ganhou uma legião de novos defensores, articulistas, nos últimos anos. Faço parte dos velhos entusiastas do setor, escrevendo há mais de 15 anos. Mas confesso estar preocupado com a sustentabilidade, que se divide no tripé economia, pessoas e planeta. Vou focar nos dois primeiros, pois o terceiro vem sendo discutido.

O que se observou em 2007 não é sustentável em termos econômicos e de pessoas/distribuição de renda. Diversos investimentos foram feitos em expansão produtiva confiando no mercado interno e externo de álcool. Somado ao fato do preço do açúcar estar baixo, praticamente os produtores de cana e usinas terminam o ano sem lucro nenhum, comprometendo o crescimento. Fora isto, percebe-se que, para exportar o etanol, a cada dia é colocada uma nova dificuldade por nossos compradores potenciais. Muita bobagem é dita, inclusive com a injusta comparação do etanol de milho e outros grãos, com o etanol de cana. Talvez precisemos mudar o nome do produto, passando a se chamar “cane-ethanol ou canethanol”, mas ações internacionais é tema para outro artigo.

Quanto mais forte (em capacidade de consumir) e flexível (podendo reverter para gasolina ou gás) for o mercado interno, mais sustentabilidade econômica e distribuição de renda teremos. Vejo problemas na próxima safra, mais sérios que os desta. A produção vem firme, e teremos mais quase 5 bilhões de litros. E o consumo? Para isto proponho a “agenda 10 do álcool”, composta por pontos a serem trabalhados por Governo, organizações e setor privado.

Os pontos principais que Governos Federais e Estaduais poderiam atacar, envolvem questões tributárias e de regulamentação. (1) Urge que o álcool tenha a alíquota de ICMS reduzida para 12% em todos os estados e ligeira redução de outros impostos federais. Agora que praticamente todos estados terão produção, esta redução de arrecadação será compensada em parte pela produção, pelos investimentos que foram e estão sendo feitos, pelos salários gerados e outros impostos arrecadados. Fora os benefícios ambientais e de interiorização do desenvolvimento. Pode-se também (2) estudar se a faixa de adição do anidro na gasolina poderia ser ampliada, dos atuais 20 a 25%, para 18 a 28%. Muitas pessoas com carros a gasolina já fazem esta adição maior por conta própria. Assim, em casos de grande produção, o uso de 28% poderia ajudar no consumo, e vice-versa.

Muitos paises neste momento fazem suas regulamentações com relação aos biocombustíveis, dizendo as proporções de adição, entre outras. Se o Brasil quer ser um país verde em termos de combustíveis, sou favorável a que (3) a partir de 1 de janeiro de 2010 apenas automóveis novos “flex fuel” tenham autorização para emplacamento. Apesar do mercado sinalizar favoravelmente (recentemente uma camionete cabine dupla saiu com motor flex-fuel, e há fila de espera), observa-se que montadoras ainda resistem, caso de coreanas, alemãs, japonesas, americanas e o consumidor brasileiro não tem acesso a carros maiores bicombustiveis. Estima-se que grande quantidade de veículos baratos entrará no Brasil, vindos da China e Índia, e não se pode correr o risco que venham à gasolina. Até 2010, as montadoras teriam tempo suficiente para fazer esta simples adaptação, e desovar estoques atuais. E poderiam, tal como as francesas, exportar estes carros e motores levando a tecnologia e consumo a outros mercados.

Ainda na agenda Governamental, é necessário pensar em alterações na arrecadação dos impostos e (4) permitir vendas diretas de álcool das usinas para os postos de gasolina. Com toda a inegável eficiência das distribuidoras de combustível, ainda, por menores que sejam as distâncias, existe passeio desnecessário do álcool e em alguns casos, intermediação adicional. Esta liberalização contribuiria para um mercado mais competitivo. Vendas diretas.

A indústria de motores pequenos e grandes (5), precisa estudar motos movidas a álcool e também a adaptação de motores grandes (diesel) para o álcool com as novas tecnologias (já feito por uma empresa sueca e universidade), visando o mercado dos caminhões dos fornecedores de cana e das Usinas (e tratores) e de ônibus urbanos. Usinas abastecendo sua frota de caminhões com o próprio álcool, em regime de tributação privilegiada, teriam seu custo reduzido, podendo ser repassado aos preços. Mais ambientalmente correta seria esta cadeia produtiva, pois o grande volume de diesel consumido nas suas operações, entra negativamente na conta da sustentabilidade da cana.

As Usinas são conservadoras em avançar nos canais de distribuição. Poderiam (6) montar joint-ventures e entrar no mercado de distribuição de álcool, com uma gestão independente, comprando distribuidoras hoje existentes ou montando novas, autorizadas a funcionar pelo Governo. Em formas organizacionais associativas (franquias ou joint-ventures), (7) podem montar postos de combustível nas cidades. Estes não competiriam com as redes existentes (seriam poucos), mas seriam postos “conceito” (o nome da rede poderia ser verde ou “green”), e serviriam para: direcionar os preços varejistas do álcool (dificultando a ação de cartéis), e comunicação da imagem com o consumidor, pois estes postos seriam decorados com a cadeia da cana e com material de comunicação, plantio de árvores, enfim, uma rede “eco”. Venderiam gasolina e diesel, mas em 80% das bombas, álcool. O conceito “loja de fábrica”.

Em convênio com prefeituras e empresas (8), ônibus urbanos poderiam ser testados a álcool (a ÚNICA vem fazendo isto), em escala muito maior. Na Suécia são 600, com custo apenas 3% superior! Seriam pintados e decorados com a cadeia produtiva, e a população teria conhecimento, informação, seja através de suas paredes, por folders, vídeos, afinal, é um momento onde todos gostariam de ler algo. Mudando rotas, em 4 a 5 meses já teriam “falado” com a população usuária. Além da melhoria nas condições do ar, seria um canal de comunicação permanente do setor com a comunidade.

Esta claro que a Petrobras (9) terá condições de exportar gasolina pronta para consumo, já adicionada de anidro. Caiu no colo da Petrobras a chance de ser a primeira empresa petrolífera verde do planeta. A Petrobras tem um papel muito importante na imagem do álcool. E o álcool (e biodiesel) tem um papel muito importante na imagem da Petrobras.

Finalmente (10), um plano permanente de comunicação integrada de marketing precisa ser trabalhado pela cadeia produtiva da cana, usando idéias criativas para que a sociedade brasileira de valor a este produto, reduzindo as resistências.

A cadeia produtiva tem muitos pontos a serem resolvidos, desde a colheita, a queimada, a viesada imagem da monocultura e da redução de produção de alimentos, a reforma do Consecana. Foram colocados 10 pontos no que esta sob o nosso controle: o mercado interno. Sendo maior e mais flexível terá condições de absorver excedentes de produção (por exemplo, 2008), mantendo a sustentabilidade econômica e de pessoas desta importante cadeia produtiva, agora, não mais paulista e nordestina, mas brasileira. (Valor Econômico, 27/12/07 – pág A10)

* Marcos Fava Neves é engenheiro agrônomo formado na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo. É Mestre e Doutor em Administração de Empresas pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Atua nas áreas de marketing, canais de distribuição, estratégias empresariais, supply-chain management e agri-food business. É professor de Planejamento, Estratégia e Marketing da FEA/USP Ribeirão Preto e coordenador do Pensa e Markestrat. ([email protected])