Desde crianças aprendemos que a água é um recurso natural finito. E cada vez mais escasso. Quem achar essa afirmação um absurdo talvez esteja entre os milhões de pessoas que ainda não se conscientizaram da gravidade do problema. São pessoas acostumadas a desperdiçar água lavando calçadas com esguicho, preocupando-se pouco com o custo da água tratada e gastando inúmeros litros para lavar seu automóvel no fim-de-semana. Ou, ainda, escovando os dentes com a torneira da pia aberta. São vícios decorrentes da aparente “fartura”.

Se por um breve momento pararmos e analisarmos a complexidade do que é receber água tratada em nossas torneiras, talvez comecemos a adotar um comportamento diferente. Em sã consciência, que falta a muitos responsáveis pelas políticas de preservação do meio ambiente, ninguém quererá ver seus filhos, ou netos, tendo que disputar um copo d’água para matar a sede, com o risco de suas vidas. Catastrófica a prospecção? Nem tanto. As estimativas mostram que se nosso comportamento não se alterar drasticamente em relação ao uso racional da água, em aproximadamente 50 anos teremos no Brasil um cenário generalizado de escassez.

Mesmo diante dessa angustiante realidade, o país enfrenta anos e anos de atraso em tecnologia de tratamento dos recursos hídricos. Embora abundante (ainda), a água guarda segredos que muitos desconhecem, desde o processo de captação, de formação de reservatórios, de tratamento e sistemas de distribuição. E o que acontece com a água despejada nas redes de esgoto? Para onde vai? E de que jeito? Como consumidores, somos protegidos pela legislação e devemos tomar conhecimento de algumas (e absurdas) verdades sobre o tratamento de água de consumo.

Quando captam a água para ser distribuída, as companhias de abastecimento devem, em primeiro lugar, fazer uma criteriosa análise físico-química e microbacteriana do líquido. Lamentavelmente, em algumas cidades a água que é distribuída à população é um “esgoto tratado”, sem os devidos recursos tecnológicos. Para os menos avisados, é bom lembrar que a descarga de nossos banheiros, em alguns dias volta para nosso consumo na lavagem e preparação de alimentos. Nada errado quando se usa o tratamento adequado. Mas não é o que acontece na esmagadora maioria das cidades do Brasil. Quem pensa que toda a água que chega às nossas casas é água “nova”, retirada das profundezas dos poços ou dos leitos dos rios não poluídos, está enganado. O mesmo acontece com quem acredita que a água das represas que abastecem os grandes centros urbanos está livre de emissários clandestinos (e outros oficiais) de esgotos.

Em muitos casos, todo esse “esgoto tratado” recebe uma overdose de produtos químicos em seu processo de desinfecção, que longe de evitar problemas de saúde na população (leia-se consumidor), a envenena lentamente com o grande vilão, o cloro. Isso mesmo, o cloro, que achamos ser um produto desinfetante, pode, ao longo do tempo e em casos de doses não-controladas, causar graves doenças.

Embora existam normas rígidas em relação ao uso e resíduo do produto, o que acontece é que algumas companhias de abastecimento não encontram outra saída senão dosar em grandes volumes o cloro, o cloro gás liquefeito, o óxido de cloro, o hipocloreto de sódio, ou o nome que ele tiver, para poder garantir um mínimo de desinfecção na captação, antes das outras fases de tratamento. O que acontece em seguida é o pior. Com as reações causadas pelo cloro em contato com as substâncias orgânicas, liberam-se cloratos e TTHM (os trialometanos), substâncias altamente cancerígenas para os seres humanos e também para animais. Basta, para provar isso, fazer um simples teste de aquário. Por quanto tempo um peixe sobrevive em uma água com alta dosagem de cloro?

Complexa a situação? Pois piora a partir desse ponto. Depois de utilizada, a água naturalmente é descartada. Uma parcela evapora e vira vapor de água que, subindo à atmosfera, transforma-se em nuvens e retorna a terra como chuva ácida ou carregada de micropartículas de bactérias e tantas outras “porcarias”. Embora essa precipitação possa ser em parte regenerada pela própria natureza, temos um limite para que isso ocorra. Outra parcela de água esvai-se pelos esgotos das residências, escritórios, indústrias, ruas etc. E para onde essa água usada segue? Logicamente que em direção às bacias coletoras. E como ela chega lá? Pode-se dizer, sendo otimista, que de 30% a 40% dessa água usada é tratada novamente antes de ser lançada nas bacias, rios, açudes. Observe que em sua conta de água enviada pela companhia de abastecimento lhe é cobrada, salvo algumas exceções, uma taxa referente à captação e tratamento de esgoto. Esgoto que não é necessariamente tratado da maneira devida. Essa água recebe novo bombardeamento de maciças quantidades de cloro, para voltar ao início de seu ciclo. Algumas companhias no interior de nosso país sequer tratam o esgoto e o descarregam em bacias que estão mortas ou em vias de morrer, ação considerada “crime ambiental” pela nossa legislação.

Em países mais desenvolvidos, mesmo com escassos recursos hídricos, a tecnologia de tratamento de água, bem como a política de conscientização em relação ao uso e descarte desse líquido que é infinitamente mais valioso que o petróleo, está em um estágio tão avançado que já se fala em nanotecnologia em tratamento de água. No Brasil, enquanto temos a aparente sensação de que nossa água é farta, sem fim, damos pouca atenção a esse problema. É estupidez tratar a água como a tratamos. Lá fora, o cloro já foi decretado o grande vilão no tratamento de água. Aqui o utilizamos sem restrições. Lá fora existem substitutos mais potentes que o cloro e com grau de toxidade zero. Aqui, insistimos em achar que aquele “cheirinho” de cloro em nossas piscinas é sinônimo de limpeza e desinfecção. Por acaso você já ficou com os olhos irritados após um banho de piscina? Agora, comece a pensar por que isso ocorre. Imagine o que o cloro deve estar fazendo dentro de seu organismo.

Está na hora de enxergarmos mais adiante. Está na hora de preservarmos a vida futura de nossos filhos e netos. Alguém tem coragem de dizer que a água não é essencial?