Mercado

Preço interno maior compete com fim da tarifa americana

Com pouco etanol para atender à própria demanda e com o mercado interno pagando melhor que a exportação, as usinas sucroalcooleiras no Brasil acreditam que a queda efetiva da tarifa de importação americana, se confirmada, trará novas perspectivas de investimentos apenas no médio prazo. E num horizonte menor de tempo, o Brasil ainda precisa plantar mais cana para superar a ociosidade de sua indústria que nesta safra será de 80 milhões de toneladas, ou 13% de sua capacidade instalada.

Para a Associação Internacional de Comércio de Etanol (IETHA), essa capacidade pode ser preenchida em dois anos, mas ainda assim, a produção adicional será rapidamente absorvida pelo mercado interno, cuja demanda neste momento segue reprimida em função dos preços elevados do biocombustível nos postos. Em junho passado, por exemplo, o preço do etanol foi 26% superior ao de igual mês de 2010, segundo a Agência Nacional de Petróleo (ANP).

A previsão é de que o Centro-Sul, que responde por 89% da moagem nacional de cana, produza 25,4 bilhões de litros nesta safra, mas agentes do mercado já admitem que esse número está mais perto dos 24 bilhões de litros. A produção menor deve levar o Brasil mais uma vez a importar etanol dos EUA, diz Tarcilo Rodrigues, presidente da IETHA.

As usinas do Centro-Sul têm capacidade para processar 615 milhões de toneladas de cana, mas a disponibilidade de cana no campo é de 530 milhões de toneladas. “Se crescermos essas 80 milhões de toneladas em dois anos e distribuirmos metade para etanol, teremos uma produção adicional de 3,2 bilhões de litros, que será consumida rapidamente no mercado interno”, avalia Rodrigues.

Além disso, em um curtíssimo horizonte, sequer é viável economicamente para as usinas do país exportarem aos Estados Unidos. Segundo levantamento da comercializadora de etanol Bioagência, o embarque neste momento resultaria em um preço 25% menor do que o valor do produto vendido no mercado interno. Isto é, a usina teria que vender o etanol anidro por R$ 0,975 por litro se fosse exportar, enquanto o mercado interno está pagando em torno de R$ 1,30, segundo dados do Cepea/Esalq.

Exportar é inviável mesmo considerando o pagamento ao produto brasileiro de um adicional de preço (prêmio) sobre o etanol de milho. Por ser considerado um biocombustível avançado (emite 50% menos gases de efeito estufa que a gasolina) pela agência de proteção ambiental americana (EPA, na sigla em inglês), o produto brasileiro tem um prêmio que hoje está em torno de 65 centavos de dólar por galão pago às misturadoras de combustível americanas, que repassam às usinas apenas parte desse incentivo.

Mesmo que a usina receba esse prêmio todo, o valor a ser pago pelo litro do etanol para exportação à usina no Brasil chegaria a R$ 1,24, ou 4,6 % menos do que o mercado interno remunera.

Rodrigues observa que, independentemente da atual condição do mercado, a mudança da política americana traz uma alteração estrutural e pode até provocar um reposicionamento da política de tarifas em outros blocos, como a União Europeia, que tem tarifas de importação de etanol superiores às cobradas pelos Estados Unidos. A cada 1 mil litros de etanol exportados para a UE, paga-se € 192 (R$ 430) – esse valor no caso dos EUA é de US$ 140 (R$ 219).

Mas a grande expectativa recai sobre quando um novo ciclo de investimentos será iniciado no país por conta do fim da tarifa americana. Apesar de estarem mais altos, os atuais preços de etanol e açúcar não oferecem retorno ao investimento em uma usina nova, considerando as atuais condições de juros dos financiamentos disponíveis ao setor, diz Pedro Mizutani, vice-presidente de Açúcar e Etanol da Raízen (Cosan/Shell), a maior empresa sucroalcooleira do país.

Ainda assim, a Raízen planeja elevar a capacidade de processamento de cana dos atuais 64 milhões de toneladas para 100 milhões de toneladas em cinco anos. “Precisamos de taxas de juros condizentes com a nossa atividade. A externalidade positiva do etanol, como a de redução de emissões de gases de efeito estufa, tem que ser um ponto a ser considerado na política pública”, diz Mizutani.

Segundo o IETHA, neste ano os EUA devem produzir 48 bilhões de litros de etanol de milho (quase duas vezes a produção do Centro-Sul do Brasil). O consumo deve acompanhar essa dimensão.

Em nota, a Unica, entidade que representa as usinas do Centro-Sul, reiterou a importância do acordo, mas deixou claro que mesmo que a tarifa americana seja eliminada, a prioridade do setor é atender ao mercado brasileiro.