O Brasil já deixou de receber entre R$ 15 bilhões e R$ 25 bilhões em investimentos no agronegócio, devido às restrições para aquisição ou arrendamento de áreas agrícolas por estrangeiros em vigência desde agosto do ano passado, segundo as empresas de consultoria agrícola Agroconsult e Associação Brasileira de Marketing Rural e Agronegócio (ABMR&A).
Para encontrar uma saída sem flexibilizar a legislação, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) estuda criar um instituto de direito real sobre a terra que não seja a propriedade e também considera a formação de um conselho para, excepcionalmente, autorizar a aquisição ou arredamento a longo prazo de terras para investidores internacionais. Segundo o Incra, o País tem cerca de 4,3 milhões de hectares nas mãos de estrangeiros atualmente.
Em entrevista ao DCI, o ministro da Agricultura, Wagner Rossi, reconheceu que o País precisa encontrar uma saída para evitar a fuga dos investidores que queiram produzir no Brasil. “A decisão do [ex-presidente] Lula de criar restrições para a compra ou arrendamento de áreas rurais por estrangeiros foi acertada porque havia uma ameaça contra a nossa soberania, como aconteceu com a África onde os chineses e os árabes compraram áreas imensas com dois objetivos: assegurar a produção de alimentos, e transformar a terra brasileira em uma commodity financeira. Isso é um tipo de coisa que não tem risco, porque quem não sabe que aplicar dinheiro nas terras brasileiras é a coisa mais garantida do mundo. Não podemos colocar o nosso patrimônio que é um dos grandes recursos naturais que nós temos, para ser usado como manipulação financeira, isso é ruim”, disse. “Mas existem aqueles investimentos que são estratégicos para o País e que precisam ser vistos de forma diferente, não sendo colocados na mesma posição dos especuladores da terra.”
Um dos caminhos, na visão do ministro, é se criar “algu m tipo de arrendamento a longo prazo, ou a cessão de uso, concessão da terra”. “É possível até mesmo misturar um pouco esses instrumentos para viabilizar financeiramente esses investimentos estrangeiros”, acredita. “Se houver investimentos estratégicos, que nós precisamos e queremos, podemos fazer um conselho para excepcionalmente autorizar até mesmo a venda da terra, mas isso dentro de regras estabelecidas pelo País.”
Rossi lembrou da importância do capital estrangeiro na consolidação do setor sucroalcooleiro. “Foi extremamente necessário para aquele momento, porque nós estávamos com algumas empresas em condição de quase falência, e se não viesse investidor de fora do País nós não teríamos conseguido avançar no setor”, analisou. “Mas criamos um problema na sequência porque as usinas têm terras.”
Outro exemplo apresentado por Rossi da importância estratégica de termos investidores estrangeiros no agronegócio foi o se tor de papel e celulose. “Nós não temos expertise nesse ramo, mas há grandes grupos que tem interesse e querem vir para cá se instalar”, disse. “Agora mesmo temos um importante grupo chileno do setor querendo vir para o Rio Grande do Sul e que está esperando uma decisão nossa, porque nesse caso possuir terra é essencial, pois o segmento tem que produzir durante sete anos, ou seja, é uma produção que amadurece em sete anos. Portanto, eles não podem ter uma só área para sete anos, tem que ter para sete, para oito, para nove e para não pararem de produzir.”
O ministro entende que casos específicos como este poderão ser analisados por um órgão a ser criado “que terá a participação de Ministérios para autorizar a aquisição ou arrendamento da terra por interesse nacional”. “Ou seja, se nós tivermos interesse ai sim podemos negociar. Só poderão participar desse órgão membros do governo para garantir a soberania”, disse. “A ideia é não é flexibilizar para deixar todo mundo comprar, m as para darmos uma opção a projetos estratégicos.”
A posição de Rossi é compartilhada pelo secretário estadual de Agricultura da Bahia, Eduardo Salles. O governo baiano tem intensificado contatos em outros países, em especial na Ásia, na busca de investimentos na agropecuária. Mas encontra, segundo Salles, dificuldades pelas restrições ao acesso da terra. “A questão da limitação da compra de terras por estrangeiros tem reduzido muito os investimentos internacionais no Brasil, principalmente aqui na Bahia. Nós somos totalmente contra a especulação imobiliária por qualquer grupo estrangeiro que venha, mas ao mesmo tempo achamos que uma empresa que venha agregar valor ao produto, que venha agroindustrializar a Bahia, precisa ter um tratamento diferenciado”, disse em entrevista ao DCI.
Já o consultor André Pessoa, da Agroconsult, lembrou que o Brasil teve uma participação importante do capital estrangeiro no financiamento da atividade agrícola. “Todos sabemos que não cobrim os a produção com recursos próprios do crédito oficial rural. No orçamento da nossa agricultura há uma participação do setor privado bastante significativa onde estão empresas de insumos, bancos, tradings que são estrangeiras e põem dinheiro no negócio”, lembrou. “Criar um constrangimento para a entrada do capital estrangeiro para o ativo terra implica em reduzir a velocidade de crescimento do agronegócio brasileiro”, afirmou.
sucroalcooleiro
O setor que mais se ressente de investimento estrangeiro para crescer é, sem dúvida, o sucroalcooleiro. A própria União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica) já anunciou que, somente para atender a crescente demanda interna pelo etanol, será necessária a construção de novas usinas de álcool no País.
Segundo o presidente da Unica, Marcos Jank, “na cana 30% do capital investido é estrangeiro e houve um crescimento muit o grande nos últimos anos”. “Após a crise de 2008, quando nosso setor vinha crescendo a uma taxa de 10% ao ano, tivemos uma consolidação bastante grande graças ao capital estrangeiro, e isso foi muito importante para o fortalecimento do setor, só que a cana depende de uma produção própria por conta, isso exige que uma parte da produção seja da usina, isso é em qualquer país”, afirmou.
A maior parte da cana é plantada em áreas arrendadas pelas usinas. Mantendo a proibição de compra ou arrendamento de terras agrícolas por estrangeiros, de acordo com Jank, o investimento internacional no setor fica inviabilizado.