Mercado

Brasil muda conceitos da Shell sobre atuação em biocombustíveis

Mark Gainsborough, vice-presidente executivo de Estratégia, Portfólio e Energias Alternativas da Shell, reconhece seu desapontamento com a manutenção de barreiras ao etanol brasileiro em mercados como EUA e Europa e com a falta de perspectivas para que um número maior de países adote o biocombustível. Afinal, quando a petroleira decidiu investir firme no produto no Brasil, era praticamente consenso que o momento para torná-lo uma commodity global havia chegado.

Mas, ainda que isso não tenha acontecido, por fatores técnicos, comerciais e até geopolíticos, Gainsborough e a multinacional anglo-holandesa não escondem a satisfação com a investida. A relação mais próxima com o segmento sucroalcooleiro ensinou à Shell que nem só de etanol vive a cana. E a força da demanda doméstica pelo biocombustível mostrou que a ofe rta terá que crescer muito para que o Brasil tenha um excedente significativo e regular para acessar outras fronteiras sem afetar o abastecimento interno.

“Acho que ficamos todos desapontados, porque essas mudanças [no mercado global] não vão acontecer nos próximos anos”, diz o executivo. “Nossos movimentos em etanol de cana serão concentrados no país”, confirma. Parceira da Cosan na Raízen, maior empresa produtora de etanol do Brasil com 2,2 bilhões de litros por ano, a Shell mantém sua aposta nos fundamentos de longo prazo do biocombustível, mas hoje tem convicção de que será o mercado brasileiro a principal fonte de lucro nessa frente nos próximos anos.

Gainsborough avalia que o etanol está em uma posição difícil, pois é preciso haver uma intersecção entre as políticas agrícolas e energéticas que envolvem o produto. “Muitas vezes há dificuldades de regulação e de tarifas para lidar”. Exportar, para a Shell, por enquanto tornou-se apenas uma alternativa. “Não vamos perder as oportunidades do mercado interno brasileiro”, diz Gainsborough ao Valor. De alguma forma, o Brasil mudou os paradigmas da Shell em biocombustíveis.

O primeiro interesse da anglo-holandesa nessa área emergiu há dez anos, conta Gainsborough. O foco original era desenvolver tecnologias para biocombustíveis avançados. “Trabalhamos duro nisso nos anos seguintes, mas reconhecemos que é mais fácil desenvolver essa tecnologia se você tem uma posição mais consolidada em convencionais”. Foi por isso que, há cerca de dois anos, iniciou as conversações com a Cosan. E veio a primeira mudança. Ao conhecer melhor o mercado brasileiro, a múlti concluiu que o melhor jeito de fazer etanol contemplava uma associação com a produção de açúcar.

O açúcar, afirma Gainsborough, confere uma racionalidade muito bem vinda ao negócio, da qual a empresa não pretende abrir mão. “Provavelmente vamos produzir um pouco mais etanol do que açúcar. No entanto, a commodity continua fazendo parte da equação. Talvez em alguns projetos greenfields [construção de usinas a partir do zero] seja mais racional investir apenas em etanol, mas em outros valha a pena ter os dois produtos”.

Gainsborough garante que a Shell está satisfeita com o negócio feito na Raízen, e diz ser improvável que outras parcerias semelhantes sejam feitas pela companhia fora do Brasil. A exceção pode vir de acordos em tecnologia para o desenvolvimento de biocombustíveis avançados. A companhia já desenvolve quatro ou cinco rotas tecnológicas nessa área, que se apresentam como grandes promessas. “Estamos confiantes de que os avançados serão um complemento ao etanol de cana”, diz.

Para o executivo, uma oferta significativa de biocombustíveis avançados deverá tornar-se viável a partir de 2015. “Em grande escala comercial, apenas após 2020”. Por isso, diz, só no longo prazo pode haver “concorrentes”, em termos de custos, para o etanol brasileiro. “Ele continuará por muitos anos sendo a tec nologia mais viável e mais sustentável”.