Raphael Delloiagono, analista de mercado da Pecege Consultoria e Projetos
Raphael Delloiagono, analista de mercado da Pecege Consultoria e Projetos

A safra 2025/26 do Centro-Sul terminou maior do que se imaginava no início do ciclo e trouxe mudanças relevantes para o setor sucroenergético. A avaliação é de Raphael Delloiagono, analista de mercado da Pecege Consultoria e Projetos, com base no último Relatório Semanal de Levantamento de Safra da instituição.

Segundo Delloiagono, a produção total deve alcançar cerca de 610 milhões de toneladas, apenas 10 milhões de toneladas abaixo do ciclo anterior. O número contrasta fortemente com as projeções feitas no primeiro semestre, quando o mercado trabalhava com a possibilidade de uma quebra entre 30 e 40 milhões de toneladas.

“A safra começou bastante defasada, mas ganhou ritmo principalmente a partir de setembro e outubro. No fim das contas, a quebra acabou sendo bem menor do que se esperava”, explica.

Chuvas fora de época mudaram o cenário

O principal fator para a reversão do pessimismo foi o regime climático atípico no início do ciclo. Março teve pouca chuva, abril foi marcado por volumes elevados, o que atrasou o início da colheita e contaminou as primeiras projeções. No entanto, essas mesmas chuvas deram “sobrevida” à cana colhida no segundo semestre.

“A produtividade não caiu tanto quanto se imaginava. Ela foi mais fraca no início, mas se manteve mais estável ao longo do ano e acabou ficando acima da safra anterior a partir da segunda quinzena de setembro”, destaca Delloiagono. Dados do Pecege, da Unica e do CTC confirmam esse movimento.

Etanol ganha espaço no fim da safra

Embora a safra 2025/26 tenha sido majoritariamente açucareira, o cenário mudou no último terço do ciclo. A queda nos preços internacionais do açúcar, aliada à aproximação da entressafra e aos estoques abaixo da média histórica, fez com que o etanol passasse a remunerar melhor do que o açúcar.

“O direcionamento para o etanol no fim da safra foi muito mais intenso do que vimos nos últimos anos, quando o açúcar dominava claramente o mix”, afirma o analista. Esse movimento já se reflete nas decisões das usinas e deve influenciar o próximo ciclo.

Próxima safra tende a ser cheia

Para a safra 2026/27, a perspectiva é de crescimento relevante, caso o clima colabore nos primeiros meses de 2026. O Pecege trabalha com um aumento entre 15 e 20 milhões de toneladas, levando a moagem para algo entre 630 e 640 milhões de toneladas, o que colocaria o ciclo como o segundo maior da história do Centro-Sul.

Esse avanço deve permitir a recuperação da produção de etanol de cana, que caiu cerca de 3 bilhões de litros na comparação entre as safras 2024/25 e 2025/26.

Um levantamento preliminar com 33 usinas da região Centro-Sul confirma o otimismo do setor. “De maneira quase que uniforme, todas elas estão esperando melhor produtividade, expansão da área colhida e moagem mais elevada”, revela Delloiagono.

Etanol de milho limita preços

Além da retomada do etanol de cana, o crescimento do etanol de milho será decisivo para o equilíbrio do mercado. A estimativa do Pecege é de um aumento adicional de 1 bilhão de litros dessa rota em 2026.

“No total, estamos falando de até 4 bilhões de litros a mais de etanol no mercado. Isso não significa um colapso de preços, mas cria um teto”, explica Delloiagono. Segundo ele, o mercado não vê espaço para novas altas expressivas do etanol no próximo ciclo, com tendência de estabilidade ou leve queda.

Outro efeito direto do avanço do milho é a redução da sazonalidade da entressafra. Diferentemente da cana, o milho pode ser estocado e ofertado de forma mais regular ao longo do ano, reduzindo a pressão altista tradicional dos preços quando as usinas de cana interrompem a moagem.

“Estratégias de carregar etanol para vender na entressafra vão ficando menos atrativas. Esse é um impacto claro do etanol de milho”, afirma.

Usinas flex ainda avançam lentamente

Apesar do crescimento do etanol de milho, o Pecege não observa, ao menos por enquanto, um movimento relevante de usinas de cana migrando para o modelo flex, especialmente em São Paulo. A concorrência do milho é mais intensa no Centro-Oeste, como Mato Grosso e Goiás.

“No cenário atual, os preços dos grãos não estão atrativos o suficiente para justificar uma troca mais agressiva da cana pelo milho”, avalia Delloiagono.

Custos de produção sob pressão

Outro ponto de atenção para o setor são os custos de produção, que aumentaram na safra 2025/26. A quebra inicial de produtividade elevou o custo unitário, já que os custos fixos foram diluídos em um volume menor. Além disso, houve pressão dos insumos, especialmente fertilizantes, que registraram picos de preço ao longo do ano.

“Tudo indica que produzir cana ficou mais caro nesta safra”, resume o analista. Com preços de açúcar e etanol mais equilibrados e sem grandes picos de remuneração, a tendência é de margens mais apertadas para o setor.

Joacir Gonçalves

Repórter

Jornalista profissional com mais de 35 anos de experiência

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