O agave sisalana é uma planta cultivada principalmente no semiárido da Bahia e dá origem às fibras naturais conhecidas como sisal — usadas na fabricação de cordas, tapetes, estofados e outros produtos de alta durabilidade. O Brasil é o maior produtor mundial dessa fibra, com cerca de 200 mil hectares cultivados. O setor, no entanto, enfrenta um desafio: a matocompetição, ou seja, a disputa entre a planta e ervas daninhas por água, luz e nutrientes, o que reduz a produtividade e limita o potencial de uma cultura estratégica para o país.
Para superar essas barreiras, pesquisadores vinculados ao Programa de Pós-Graduação em Genética e Biologia Molecular e Programa de Bioenergia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), desenvolveram, em pesquisas realizadas no Instituto de Biologia (IB) da Unicamp sob supervisão de pesquisadores deste Instituto, um método para obter o primeiro agave transgênico do Brasil, resistente ao herbicida glifosato – químico usado para eliminar ervas daninhas.
“Desenvolvemos e adaptamos a tecnologia para obter, com sucesso, um agave sisalana transgênico. É o primeiro do país, o que representa um marco para a modernização do cultivo”, afirma Gonçalo Amarante Guimarães Pereira, docente do IB Unicamp e líder do grupo de inventores.
A resistência ao glifosato permite o controle do mato sem prejudicar a planta, abrindo caminho para maior densidade de plantio, redução no uso de defensivos e ganhos em produtividade. “O método exigiu inúmeras tentativas do time de transformação, liderado pela Carolina Rossi de Oliveira, até definir as condições corretas para a transformação genética”, lembra Pereira.
Impacto social e ambiental
Além de modernizar a produção e gerar novas oportunidades econômicas, a tecnologia tem forte impacto social e ambiental.
“Hoje, o cultivo de sisal ainda é marcado pelo uso de equipamentos rudimentares e pouco seguros, além de grande dependência do trabalho manual. Esse cenário mantém a atividade associada à pobreza no semiárido.
Tecnologias como a nossa trazem o agave para outro patamar de reconhecimento, permitindo o registro da planta como cultivar comercial e acesso a financiamentos agrícolas. Isso pode mudar a realidade de milhares de agricultores familiares da região”, ressalta o docente.
Ele lembra ainda que o desenvolvimento contribui diretamente para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU).
“Estamos falando de erradicação da pobreza, geração de empregos, inovação, redução das desigualdades e energia limpa. Uma planta resistente, mais produtiva e adaptada ao sertão é uma ferramenta poderosa de transformação”, afirma.
Agave e Bioenergia
Do sisal ao biocombustível
Além de fortalecer a indústria de fibras naturais, a tecnologia posiciona o Brasil para explorar o agave como fonte estratégica de bioenergia. Segundo Pereira, o potencial da planta para a produção de etanol já é reconhecido na literatura científica e pode ganhar nova dimensão.
“Na década de 1970, com a crise do petróleo, o Brasil avançou no etanol da cana. Agora, temos a chance de repetir essa história com o agave, uma planta capaz de gerar biomassa em regiões áridas e transformar o sertão do País em polo de energia limpa”, avalia.
O desenvolvimento do agave transgênico integra o Programa Brazilian Agave Development for Energy (BRAVE), coordenado pelo Laboratório de Genômica e Bioenergia (LGE) do IB Unicamp, em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai Cimatec), a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), a Universidade Estadual Paulista (Unesp) e a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP).
Com duração de cinco anos e investimento de R$ 30 milhões da Shell Brasil, empresa parceira de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) do grupo, o BRAVE busca explorar o agave como fonte de energia limpa e renovável, fomentando uma cadeia agroindustrial sustentável.
“O BRAVE visa converter o agave na ‘cana-de-açúcar do sertão’. Assim como a cana, ele pode gerar etanol de primeira e segunda geração, biocombustível e bioeletricidade – mas com uma vantagem crucial: precisa de até 80% menos água do que a cana-de-açúcar”, enfatiza Pereira.
A proteção da invenção foi realizada com apoio da Agência de Inovação Inova Unicamp, com depósito de pedido de patente nacional junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e solicitação de proteção internacional por meio do Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes (PCT). A tecnologia está disponível para licenciamento.
“A Inova é simplesmente central. Sem ela, a Unicamp não seria o que é hoje. Nós, pesquisadores, temos as ideias e desenvolvemos os projetos, mas é a Inova que dá a estrutura para proteger, avaliar e conectar com o setor produtivo. Eu costumo dizer que, junto com a pesquisa e o ensino, a Inova é um terceiro pilar da Universidade, responsável por integrar a ciência à sociedade”, finaliza o docente.
O desenvolvimento da tecnologia liderada por Pereira foi realizado pelos pesquisadores Carolina Rossi de Oliveira, Marcelo Falsarella Carazzolle e Pollyana Karla da Silva, pelos doutorandos do Programa de Bioenergia, Aline Vitória Corim Marim e Camila Gomes Cabral e pela estudante de Iniciação Científica (IC), Giovanna Rafaeli Rezende, todos do IB Unicamp.
Licenciamento da Tecnologia Unicamp
A Inova Unicamp disponibiliza no Portfólio de Tecnologias da Unicamp uma vitrine tecnológica. Empresas e instituições públicas ou privadas podem licenciar a propriedade intelectual desenvolvida na Unicamp, com ou sem exclusividade, tais como patentes, cultivares, marcas, software e know-how. O contato e negociação é realizado diretamente com a Agência de Inovação da Unicamp pelo formulário de conexão com empresas.
A Inova Unicamp também oferta ativamente as tecnologias para as empresas, com a intenção de que o conhecimento gerado na Universidade chegue ao mercado e à sociedade. Para conhecer outros casos de licenciamento de tecnologias da Unicamp acesse o site da Inova.