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Brasil tem tudo para fazer a COP da virada  

"A próxima COP tem que ser a nossa COP, a COP da virada. Podemos mostrar ao mundo que não somos o que dizem", escreve Maurilio Biagi Filho

Brasil tem tudo para fazer a COP da virada  

Artigo exclusivo publicado na edição 358 da revista do JornalCana

Quando, ainda na década de 1970, o Brasil deu a largada no Proálcool, no contexto de uma crise internacional do petróleo, acendeu a centelha de uma revolução energética extremamente eficaz, que nos tornou referência mundial em uso de fontes renováveis. Talvez nem mesmo os seus idealizadores imaginassem o alcance daquela política pública que, mesmo com seus altos e baixos durante sua trajetória, ainda é o maior programa de energia renovável do mundo. 

Décadas depois, temos a responsabilidade e a oportunidade de liderar mais uma vez a transição energética em escala global e mostrarmos ao mundo o nosso protagonismo nesse setor. A COP 2025, que será realizada em novembro no Pará, está aí e será nossa vitrine, se soubermos aproveitá-la em nosso favor. 

De acordo com o mais recente relatório do Fórum Econômico Mundial, o Brasil ocupa a 15ª posição no ranking de 118 países em desempenho na transição energética — à frente de todas as nações latino-americanas e de potências como Estados Unidos e Reino Unido. Mas, se metade da nossa matriz energética já provém de fontes renováveis, o que representa mais de três vezes a média global, tenho certeza de que estamos pelo menos entre as três primeiras posições. Esse ranking só pode estar errado. Ou por falta de informação ou, talvez, por alguns critérios subjetivos. 

Somos líderes em reservas florestais, temos abundância em água, temos bioma, temos tecnologia, temos gente preparada e, mais do que isso, temos vocação histórica para a transição energética.  

O biometano, por exemplo, representa uma fronteira de desenvolvimento espetacular para o interior do Brasil.  

Trata-se de um combustível limpo, renovável, gerado a partir de resíduos da agroindústria, em especial da cana-de-açúcar. Sua utilização pode promover um ciclo virtuoso que inclui a descarbonização da matriz energética, a valorização dos resíduos, a redução de custos logísticos e a geração de renda e empregos locais.  

Biometano e Descarbonização

Recentemente tive acesso ao plano de descarbonização de frotas da Necta, distribuidora de gás canalizado na região noroeste do estado de São Paulo, e fiquei impressionado com o avanço da atuação integrada para descarbonização da frota entre embarcador (usinas e indústrias), operador logístico (transportadoras), abastecimento (postos garagens e terminais) e montadoras (caminhões). 

O biometano também já é uma realidade para o mercado urbano residencial, comercial e industrial. Presidente Prudente (SP) vai se tornar em breve a primeira cidade brasileira abastecida exclusivamente por gás biometano, marcando seu pioneirismo no projeto Cidades Sustentáveis, que faz parte do Plano Estadual de Energia de São Paulo. 

A próxima cidade a seguir esse modelo será Ribeirão Preto, recebendo o biometano de usina da região. O prefeito Ricardo Silva (PSD) enxergou com clareza essa oportunidade e, inclusive, ouviu o setor, dando um passo importante para transformar um recurso do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) para a compra de ônibus elétricos em ônibus movidos a biometano, o que deve proporcionar a renovação de toda a frota de transporte público da cidade para essa fonte renovável, que é mais barata e sustentável.  

Saber ouvir e corrigir a rota quando necessário é uma virtude louvável e que não vemos em muitos políticos, mas o Ricardo tem. Fiz um artigo falando que seria um erro logístico e econômico comprar ônibus elétrico, ainda mais na capital do agronegócio, explicando a viabilidade e vantagens da frota movida a biometano. Antes de publicá-lo em vários veículos de imprensa, entreguei a ele. Ricardo não só levou em consideração os argumentos, mas se convenceu e já agiu chamando todos os elos envolvidos nessa cadeia e ao mesmo tempo conversando em Brasília para adaptar o projeto. 

A COP como Vitrine e a Necessidade de Coesão

Portanto, não faltam ações concretas para tornar o Brasil ainda mais relevante na agenda climática. A próxima COP tem que ser a nossa COP, a COP da virada. Podemos mostrar ao mundo que não somos o que dizem. Que não somos apenas exportadores de commodities ou alvos de críticas simplistas. Somos um país que, mesmo com desafios sociais e políticos intensos, há muito tempo é exemplo em energia limpa, em agricultura de baixo carbono, em soluções integradas entre economia e meio ambiente. 

Mas é fundamental que falemos a mesma língua. O nosso gargalo é a comunicação, que só será eficaz com coesão e maturidade. Hoje, o Brasil vive uma divisão profunda, que impede o diálogo entre diferentes setores, classes e visões de mundo. Essa polarização não é exclusividade nossa — o planeta vive um momento de tensões crescentes, com guerras abertas e uma retórica inflamada em todos os cantos. Cada qual com sua verdade absoluta, sua soberba, suas preferências e lideranças. 

É justamente por isso que precisamos ser diferentes. Precisamos construir pontes onde outros levantam muros. A transição energética não é uma pauta de esquerda ou de direita. É uma agenda de futuro. É a única agenda possível para garantir um planeta habitável às próximas gerações. Precisamos estar dispostos a dialogar, propor, construir.   

Deveríamos estar prontos para dar um show na COP30, mas, enfatizo, precisamos estar unidos para sermos capazes de projetar uma liderança internacional sólida, respeitada e influente. Temos a matriz energética mais limpa do mundo. Temos uma indústria sucroenergética madura. Temos o biometano como trunfo e o etanol como herança bem-sucedida. Aliás, cabe aqui ressaltar que à época da implantação do Proálcool, os EUA mandaram técnicos aqui para conhecer o projeto e copiaram, ipsis litteris, lá para resolver o problema do estoque regulador de milho à época. 

Temos, sobretudo, a obrigação de fazer valer essa vantagem histórica em nome de um futuro mais sustentável, justo e próspero — para o Brasil e para o mundo.