Artigo

Reforma tributária e o diferimento para CBS/IBS no agronegócio

"Essa reforma tributária sobre o consumo traz significativas alterações para o produtor rural, seja ele pessoa física ou jurídica"

Este artigo em nossa coluna tem uma razão especial, uma vez que, apesar de sua simplicidade, farei em saudosa homenagem pela recente perda de queridos amigos e sócios doutores Brasil do Pinhal Pereira Salomão e Marcelo Salomão, grandes advogados, tributaristas e visionários, com quem muito aprendi e sou eternamente grato! Continuaremos o legado e o projeto do escritório Brasil Salomão e Matthes adiante com muita honra e determinação!!

Não deixarei também de homenagear pela amizade e carinho outros dois queridos amigos e brilhante advogados que nos deixaram Leo Meirelles do Amaral e Rodrigo Rigo Pinheiro.

Como dizia saudoso Vicente Rao: “Envelhecer é perder amigos”.

O tema deste artigo, ademais, envolve discussão sugerida para a palestra que daria em São Paulo no 5º Simpósio da tradicional Sociedade Rural Brasileira (SRB), mas, que, infelizmente, pelo falecimento exatamente naquela madrugada do querido amigo Marcelo Salomão, não pude participar, rendendo aqui meus agradecimentos e justificativas pela ausência que, parcialmente, buscarei suprir por este texto a respeito do diferimento da CBS/IBS na cadeia do agronegócio.

A reforma e o possível impacto ao produtor rural: o diferimento como parcial solução

Em verdade, essa reforma tributária sobre o consumo traz significativas alterações para o produtor rural, seja ele pessoa física ou jurídica, na medida em que, como regra, será contribuinte do IBS/CBS, sujeitando-se a todos os seus regramentos. Salvo a exceção prevista para aqueles que aufiram receita bruta inferior a R$ 3,6 milhões ano ou realizem operações mediante contrato de integração vertical, forçosamente, deverão se submeter à nova sistemática de tributação, em substituição, principalmente, ao ICMS e PIS/Cofins.

Essa alteração é relevante, uma vez que, no regime atual, o produtor rural em geral, quanto ao ICMS, goza na aquisição de insumos e na saída dos produtos agropecuários de isenções, diferimentos e reduções de base, não gerando impacto em seu caixa relevante (valor de tributo a pagar na entrada e saída), além de não ter grande complexidade. Por sua vez, o PIS/Cofins somente atinge produtores rurais pessoas jurídicas e mesmo em tal qualidade, também existem previsões legais de alíquota zero e suspensão para tais tributos para a maioria dos insumos e comercialização de seus produtos agropecuários, não sendo uma realidade recorrente no segmento.

Com isso, notamos que esta etapa inicial da cadeia econômica (cadeia primária), de forma usual, tem sido exonerada de tais tributos [1].

Impacto do IBS/CBS no Fluxo de Caixa do Produtor Rural

Por outro lado, com o surgimento, especialmente, do IBS/CBS, o produtor rural irá, em regra, diante da não cumulatividade, assumir o ônus de tais tributos na aquisição de insumos e demais bens e serviços a serem utilizados em sua atividade econômica. Portanto, temos na entrada, diante da tributação de tais itens pelo IBS/CBS, a necessidade de que este produtor rural tenha um maior fluxo de caixa para suportar tais exações fiscais. É certo que haverá crédito a ser abatido dos produtos agropecuários, que, em geral, sofrerão tributação com redução de alíquota de 60. No entanto, a maioria das culturas e atividades são longas diante do ciclo para produção como soja, cana de açúcar, criação de animais para abate, silvicultura, entre outras.

Isso significa dizer que o produtor, diante da alteração promovida pela reforma tributária, terá que dispender de mais dinheiro — caixa — para comprar seus insumos, ao passo que o crédito somente seria utilizado em período posterior — sem correção —, sem contar ainda com um possível acúmulo de créditos passíveis de ressarcimento, sobretudo, diante da vocação do setor à exportação, além da redução de alíquota em 60% ou mesmo alíquota zero (cesta básica/ovos, frutas e hortícolas).

Sendo assim, sem pretensão de exonerar a cadeia, mas atenuar este impacto no caixa do produtor e do possível acúmulo de créditos de IBS/CBS, houve a previsão legal do diferimento [2] na aquisição de insumos. Vê-se, portanto, que não se trata de um incentivo fiscal, mas, tão somente, um instrumento que objetiva equalizar estes reflexos negativos na cadeia do agronegócio, especialmente, ao produtor rural (pessoa física ou jurídica; contribuinte e não contribuinte).

LC 214/2025 e previsão do diferimento para insumos

Quando da edição da Lei Complementar nº 214/2025, houve, portanto, a previsão do instituto do diferimento para IBS e CBS na cadeia do agronegócio, no tocante à aquisição de insumos, conforme dispõe o artigo 138:

“Art. 138. Ficam reduzidas em 60% (sessenta por cento) as alíquotas do IBS e da CBS incidentes sobre o fornecimento dos insumos agropecuários e aquícolas relacionados no Anexo IX desta Lei Complementar, com a especificação das respectivas classificações da NCM/SH e da NBS.

§1º A redução de alíquotas prevista no caputdeste artigo somente se aplica aos produtos de que trata o Anexo IX desta Complementar que, quando exigido, estejam registrados como insumos agropecuários ou aquícolas no órgão competente do Ministério da Agricultura e Pecuária.

§2º Fica diferido o recolhimento do IBS e da CBS incidentes nas seguintes operações com insumos agropecuários e aquícolas de que trata o caput:

I – fornecimento realizado por contribuinte sujeito ao regime regular do IBS e da CBS para:

a) contribuinte sujeito ao regime regular do IBS e da CBS; e

b) produtor rural não contribuinte do IBS e da CBS que utilize os insumos na produção de bem vendido para adquirentes que têm direito à apropriação dos créditos presumidos estabelecidos pelo art. 168 desta Lei Complementar; e

II – importação realizada por:

a) contribuinte sujeito ao regime regular do IBS e da CBS; e

b) produtor rural não contribuinte do IBS e da CBS que utilize os insumos na produção de bem vendido para adquirentes que têm direito à apropriação dos créditos presumidos estabelecidos pelo art. 168 desta Lei Complementar.

§3º O diferimento de que tratam a alínea ‘b’ do inciso I e a alínea ‘b’ do inciso II, ambos do § 2º, somente será aplicado sobre a parcela de insumos utilizada pelo produtor rural não contribuinte do IBS e da CBS na produção de bem vendido para adquirentes que têm direito à apropriação dos créditos presumidos estabelecidos pelo art. 168 desta Lei Complementar.

§4º (VETADO).

§5º Nas hipóteses previstas na alínea ‘a’ do inciso I e na alínea ‘a’ do inciso II, ambas do § 2º deste artigo, o diferimento será encerrado caso:

I – o fornecimento do insumo agropecuário e aquícola, ou do produto deles resultante:

a) não esteja alcançado pelo diferimento; ou

b) seja isento, não tributado, inclusive em razão de suspensão do pagamento, ou sujeito à alíquota zero; ou

II – a operação seja realizada sem emissão do documento fiscal.

§6º O recolhimento do IBS e da CBS relativos ao diferimento será efetuado pelo contribuinte que promover a operação que encerrar a fase do diferimento, ainda que não tributada, na forma prevista nos §§ 7º e 8º deste artigo.

§7º Na hipótese a que se refere a alínea ‘a’ do inciso I do § 5º deste artigo, a incidência do IBS e da CBS observará as regras aplicáveis à operação tributada.

§8º Na hipótese a que se refere a alínea ‘b’ do inciso I do § 5º deste artigo, fica dispensado o recolhimento do IBS e da CBS caso seja permitida a apropriação de crédito, nos termos previstos nos arts. 47 a 56.

§9º Nas hipóteses previstas na alínea ‘b’ do inciso I e na alínea ‘b’ do inciso II, ambos do § 2º deste artigo, o diferimento será encerrado mediante:

I – a redução do valor dos créditos presumidos de IBS e de CBS estabelecidos pelo art. 168, na forma do § 3º do referido artigo; ou

II – (VETADO).”

Deste modo, esta previsão legal estabelece que haverá diferimento no recolhimento dos tributos IBS e CBS nas operações com insumos agropecuários e aquícolas previstos no Anexo IX desta Lei Complementar, com a especificação das respectivas classificações da NCM/SH e da NBS. Este é o primeiro aspecto, ou seja, o diferimento está restrito aos insumos listados no Anexo IX da Lei Complementar.

Mais do que isso, nos parece que não se trata de uma faculdade, uma vez que a lei enuncia “fica diferido”, tratando de um mandamento ou ordem. Sendo assim, nas hipóteses em que for cabível, é obrigatório.

As hipóteses de diferimento ocorrerão: (1) — no fornecimento realizado por contribuinte sujeito ao regime regular do IBS/CBS; e (2) — na importação.

Diferimento para Contribuintes e Produtores Rurais

Quanto ao fornecimento por contribuinte sujeito ao regime regular, haverá diferimento na operação para: (1.a)  contribuinte sujeito ao regime regular do IBS e da CBS; e (1.b) — produtor rural não contribuinte do IBS e da CBS que utilize os insumos na produção de bem vendido para adquirentes que têm direito à apropriação dos créditos presumidos estabelecidos pelo artigo 168 desta lei complementar.

Notem que haverá diferimento na aquisição por qualquer contribuinte (entre eles o produtor rural, mas não somente, estendendo para outros como agroindústrias, revendas, cooperativas), além do produtor rural não contribuinte, todavia, nesta última hipótese, somente quando tais bens e serviços forem utilizados como insumo para produção de produtos agropecuários, aquícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura e comercializados para aqueles que tem direito ao crédito presumido, ou seja, normalmente, agroindústrias, produtores rurais contribuintes, comércio, excluindo o consumidor final ou não contribuinte. Portanto, na aquisição pelo produtor rural não contribuinte para produção com destino a não contribuinte ou consumidor final, inexiste diferimento, havendo aquisição de insumos com redução de 60% na alíquota.

A outra previsão diz respeito à importação de insumos realizada por (2.a) contribuinte sujeito ao regime regular, bem como (2.b) produtor rural não contribuinte que utilize na produção de bem vendido para adquirentes que têm direito à apropriação dos créditos presumidos.

Cabe inclusive mencionar que o artigo 138, § 3º, da LC 214 reitera e reforça a restrição na aplicação do diferimento quando do fornecimento ou importação de insumos por produtor rural não contribuinte, como acima exposto.

Juntamente com a previsão estabelecida no artigo 138 da lei complementar, é preciso também se atentar às operações que envolvam as cooperativas.

Isso porque, há previsão nas operações com sociedades cooperativas, que possuem um regime específico, preceituando o artigo 271, § 4º:

“DAS SOCIEDADES COOPERATIVAS

Art. 271. As sociedades cooperativas poderão optar por regime específico do IBS e da CBS no qual ficam reduzidas a zero as alíquotas do IBS e da CBS incidentes na operação em que:

I – o associado fornece bem ou serviço à cooperativa de que participa; e

II – a cooperativa fornece bem ou serviço a associado sujeito ao regime regular do IBS e da CBS.

(…)

§1º O disposto no caput deste artigo aplica-se também:

I – às operações realizadas entre cooperativas singulares, centrais, federações, confederações e às originárias dos seus respectivos bancos cooperativos de que as cooperativas participam; e

II – à operação de fornecimento de bem material pela cooperativa de produção agropecuária a associado não sujeito ao regime regular do IBS e da CBS, desde que anulados os créditos por ela apropriados referentes ao bem fornecido.

§4º O disposto no inciso II do § 1º não se aplica às operações com insumos agropecuários e aquícolas contempladas pelo diferimento estabelecido pelo § 3º do art. 138”.

Neste aspecto, referido preceito normativo esclarece que não se aplica a venda de insumo — bem material [3] — pela cooperativa com alíquota zero ao produtor rural associado não contribuinte (ato cooperativo típico), aplicando-se o diferimento, desde que este o utilize para produção de bem vendido para adquirentes que têm direito à apropriação dos créditos presumidos estabelecidos pelo artigo 168 desta lei complementar [4]. Portanto, nesta hipótese haverá diferimento dos insumos e inexistindo operação com alíquota zero, aplicando-se o regime específico para as demais ocasiões.

Por fim, lembramos que o fornecimento de insumos do artigo 138 da Lei Complementar nº 214/2015 com diferimento não impõe, à luz da não cumulatividade, o estorno dos créditos de IBS/CBS na saída, uma vez que inexiste previsão legal neste sentido, na medida em que a legislação impõe este procedimento, como regra, somente para operações imunes e isentas [5]. Todavia, quem adquirem insumos com diferimento, por sua vez, não terá direito ao crédito [6].

Considerações finais

Sem pretender esgotar a análise quanto ao diferimento na cadeia do agronegócio, apresentamos nossas primeiras ponderações que seguirão com mais elementos em outros textos desta coluna.

Obs.: este texto originalmente está postado no portal Consultório Jurídico.


[1] É certo que podemos ter resíduos tributários que não estão diretamente exonerados e que, em tese, a reforma tributaria visa sanar.

[2] Sobre o instituto do diferimento: MARQUEZI Jr, Jorge Sylvio.Diferimento do ICMS no ordenamento jurídico brasileiro. Doutorado. PUC/SP. 2016.

[3] – Vejam que o rol do art. 138 não contempla somente insumos como bens materiais, havendo imateriais e serviços. Haveria aqui uma restrição?

[4] – “§ 4º O disposto no inciso II do § 1º não se aplica às operações com insumos agropecuários e aquícolas contempladas pelo diferimento estabelecido pelo § 3º do art. 138.”

[5] – “Art. 51. A imunidade e a isenção acarretarão a anulação dos créditos relativos às operações anteriores.”

[6] – “art. 49: “As operações imunes, isentas ou sujeitas a alíquota zero, a diferimento ou a suspensão não permitirão a apropriação de créditos pelos adquirentes dos bens e serviços.”