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Governo amplia pressão sobre inadimplentes do Renovabio

O cerco contra distribuidoras em não conformidade com a Política Nacional de Biocombustíveis (Renovabio) se fechou mais um pouco no último mês

O cerco contra distribuidoras em não conformidade com a Política Nacional de Biocombustíveis (Renovabio) se fechou mais um pouco no último mês, depois que o governo federal ingressou no Superior Tribunal de Justiça (STJ) com pedido para suspender liminares que protegem inadimplentes em créditos de descarbonização (Cbios).

O movimento ocorre em meio a uma onda de judicializações contra o programa nos últimos anos e vem como ofensiva para derrubar jurisprudência que se formava em instâncias inferiores a favor de companhias em desconformidade com suas metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).

Há 43 ações judiciais em curso contra o Renovabio, segundo a Advocacia-Geral da União (AGU). No pedido recente feito ao STJ, o governo solicita a suspensão de decisões que favoreceram 6 distribuidoras, que juntas acumulam meta de 3,61 milhões de Cbios em 2025 ‒ sendo 2,15 milhões de ciclos anteriores.

Os acórdãos citados na ação permitiam depósitos em juízo por essas 6 distribuidoras inadimplentes em substituição a suas respectivas metas de aposentadoria de Cbios. Juntos, os valores superam R$5,4 milhões ‒ montante, porém, muito abaixo dos cerca de R$130 milhões que seriam devidos por elas, considerando o atual patamar de preço dos títulos (R$59,90, segundo cotação de 11 de junho de 2025).

O governo sustenta que as decisões tomadas em instâncias inferiores comprometem a consolidação do Renovabio como política pública estratégica na descarbonização do país, geram insegurança jurídica para o mercado e lançam dúvidas sobre compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. Ele também alega que os valores dos depósitos judiciais foram calculados unilateralmente pelas empresas e não correspondem ao montante devido em Cbios.

Distribuidoras inadimplentes criticam o fato de a responsabilidade de compensar emissões a partir da compra de Cbios recair exclusivamente sobre elas, e não sobre produtoras de combustíveis fósseis. Muitas questionam suas metas individuais ao sustentar que elas excederiam sua participação real na poluição gerada. Elas também apontam para a volatilidade dos preços dos títulos, que dificulta o planejamento e as operações de companhias de pequeno e médio porte em um mercado concentrado.

Todos os olhos no Judiciário

Das 160 distribuidoras registradas no país, 61 iniciaram o ciclo de 2025 com menos Cbios aposentados do que deveriam. Destas, 20 mantêm alguma decisão liminar para evitar a aplicação de penalidades, segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). A dívida acumulada por inadimplentes soma 10,49 milhões de títulos (21,25pc da meta agregada para o ano).

O desfecho da disputa, que coloca governo e órgãos reguladores de um lado e distribuidoras inadimplentes de outro, é acompanhado de perto por participantes do mercado. Uma aplicação mais efetiva da lei, que garanta que todas as distribuidoras inscritas cumpram os objetivos estabelecidos (inclusive em ciclos anteriores), teria impacto relevante sobre a demanda por Cbios ‒ e, consequentemente, sobre os preços.

Nas palavras de um operador de mercado, “quando as cortes superiores baterem o martelo sobre os processos em aberto, saberemos se o Renovabio é realmente para valer”.

Entendendo a relevância do debate, alguns dos principais agentes do mercado brasileiro solicitaram participação como parte interessada. Em apoio à posição do governo, estão União da Agroindústria Canavieira e de Bioenergia do Brasil (Unica), Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (Sindicom) e Cooperativa de Produtores de Cana de Açúcar, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo (Copersucar). Já do lado das distribuidoras que judicializaram contra o Renovabio aparece a Associação Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis (ANDC).

Mercado em compasso de espera

Ipiranga, Raízen e Vibra ‒ as três maiores distribuidoras do país ‒ sofreram perda de quase 10 pontos percentuais em participação de mercado entre 2022-2025, para 50,16pc, segundo dados da ANP. Elas atribuem parte do movimento a uma suposta concorrência desleal no mercado, provocada pela vantagem competitiva de distribuidoras inadimplentes em Cbios e companhias que descumprem o mandato de 14pc de mistura de biodiesel ao diesel.

Nos últimos meses, as três se organizaram por uma agenda de conformidade no mercado e patrocinaram a sanção da chamada nova lei dos Cbios (Lei nº 15.082/2024), que endureceu penas para distribuidoras em não conformidade com suas metas de aposentadoria de títulos.

As expectativas de que as normas começassem a surtir efeitos a partir de abril, porém, se frustraram com um entendimento da Procuradoria Federal junto à ANP de que punições mais duras não poderiam retroagir.

O momento de incertezas deixou o mercado em compasso de espera, derrubando os preços após um ensaio de recuperação no início do ano. O movimento também é afetado pelo nível recorde de emissões, que acumulam 18,95 milhões de títulos até o dia 11 de junho, alta de 4,1pc ante igual período em 2024.

Desde o início de 2025, o valor do Cbio registra uma média de R$69,96, nível muito abaixo das médias consolidadas nos últimos três anos: R$100,64 em 2022, R$113,39 em 2023 e R$87,68 em 2024. Tal patamar desencorajou muitos produtores de biocombustíveis a vender papéis, o que fez com que os estoques acumulados por emissores atingissem o maior patamar já visto, de 16,35 milhões em junho. A parte obrigada, por outro lado, aproveitou oportunidades de compra, com seus estoques saltando de 9,1 milhões para 12,53 milhões do início de maio para cá, volume 28pc superior ao de um ano atrás.