Mercado

A integração do açúcar no Mercosul ainda está pendente

Ao mesmo tempo em que o Mercosul retoma negociações bilaterais com a União Europeia, é importante lembrar que o açúcar ainda permanece como exceção ao livre comércio no Cone Sul. Um acordo entre os dois blocos que almeje algum avanço vai esbarrar no fato de que nem no bloco regional, ao qual o Brasil pertence, o açúcar está integrado.

A União Europeia tem acordos de preferência de comércio com três grupos de países, beneficiários dos programas Tudo Menos Armas, de Desenvolvimento Sustentável e Governança, e o dos países ACP (ex-colônias da África, do Caribe e do Pacífico). O Brasil não é beneficiário de nenhum deles.

Desde a assinatura do Tratado de Assunção, em março de 1991, negociadores brasileiros têm apresentado propostas de convergência tarifária externa e desgravação tarifária interna. Em abril de 1992 foi criada comissão no âmbito do Subgrupo de Trabalho 8, de Política Agrícola, que, com a intervenção dos subgrupos de Política Industrial e Tecnológica e de Política Energética, ficou responsável por propor alternativas para uma política regional.

Não havendo acordo, em agosto de 1994 foi criado o Grupo Ad Hoc para estudar o regime de adequação do setor açucareiro. As negociações prosseguem até hoje, sem alcançar consenso.

Os argentinos, pressionados por seus produtores de açúcar, têm sistematicamente apontado a existência de assimetrias que impediriam a integração no açúcar.

Essas têm sido baseadas no argumento de que a produção brasileira de etanol estaria calcada num mercado cativo, determinado pela mistura de etanol à gasolina, e que o etanol subsidiaria indiretamente a produção de açúcar.

Na prática, o etanol anidro é misturado à gasolina no Brasil por lei federal de caráter ambiental, e desde 2003 tem participação cada vez menor no consumo total, com o crescimento do consumo de etanol hidratado usado na frota flex.

Além disso, o preço do etanol é, via de regra, menor, em termos equivalentes, do que o do açúcar, não justificando a ideia de que a receita do etanol favorece a do açúcar.

O apontamento do caso brasileiro fica ainda mais frágil quando se considera que a Argentina também adotou a mistura de 5% de etanol à gasolina a partir de 2010, e já cogita elevar o percentual para 7% e, depois, para 10%, e que o etanol, objeto da alegada assimetria, já está integrado.

Desde que o Mercosul foi criado, a exportação brasileira de açúcar saltou de 1 milhão para 24,3 milhões de toneladas anuais. O mercado regional do Mercosul nunca foi alvo dos produtores brasileiros, e o frete tem sido a barreira natural de proteção dos demais produtores do bloco.

O interesse em retardar a integração no açúcar residia no fato de que o custo de produção brasileiro era bem menor do que o das outras nações do bloco, principalmente da Argentina. No entanto, a valorização do real e a elevação dos custos no Brasil estreitaram muito a diferença de competitividade, a ponto de hoje ser praticamente nula. A Argentina exporta entre 400 mil e 700 mil toneladas de açúcar por ano, e o Paraguai é hoje o maior produtor mundial de açúcar orgânico, ambos com indústrias novamente em crescimento.

Do ponto de vista estritamente econômico, acabaram as razões para o regime diferenciado do açúcar no Mercosul, pois as dificuldades de se avançar na Rodada Doha devem levar cada vez mais a iniciativas de negociação bilateral, não apenas com os europeus.

PLINIO NASTARI, presidente da Datagro Consultoria, foi membro da Comissão do Açúcar SGT-8 do Mercosul.