Mercado

A cana na safra 2010 - Parte I

As colheitadeiras e cortadores avançam sobre os canaviais, as moendas retiram o caldo da cana, as caldeiras começam a produção de etanol, de açúcar e de bioeletricidade que devem alimentar postos de combustível, gôndolas, redes de transmissão de energia elétrica e pelos portos ganhar o mundo. Começa mais uma safra na Região Sudeste, em meio a grandes expectativas de expansão dos mercados interno e externo, uma crescente concentração do setor sucroenergético, com fusões e aquisições, e reestruturação financeira depois de quase dois anos de preços retraídos. Por isso, urge contarmos com melhor planejamento, estabilidade e previsibilidade da produção, no sentido de atender a atual demanda, evitar grandes oscilações de preços e começar a pavimentar o caminho rumo à liderança mundial no setor de biocombustíveis.

A decisão da Agência de Proteção Ambiental (EPA) dos EUA de considerar o etanol produzido a partir da cana um combustível avançado – que reduz a emissão de dióxido de carbono em mais de 40% na comparação com a gasolina – derruba uma das principais barreiras não tarifárias à entrada do etanol brasileiro no mercado americano e pode representar, ainda, a abertura do mercado global. Trata-se do resultado de um formidável trabalho que a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) vem desempenhando junto ao Congresso e ao governo norte-americanos. Hoje, o Brasil exporta 1,5 bilhões de litros para os EUA; até 2022, este volume pode saltar para 15 bilhões de litros.

Cada vez mais, o segmento de mercadorias e futuros da BM&F Bovespa é utilizado como referência de preço e demanda para commodities agrícolas, deixando de lado o papel da bolsa como plataforma auxiliar de escoamento de produção do agronegócio. Por isso, a bolsa brasileira prepara o lançamento de um novo contrato de etanol, trocando a entrega física por liquidação financeira, para, enfim, fazer esta operação decolar

Participei, recentemente, da Convenção Latino-Americana do Projeto de Sustentabilidade Global dos Biocombustíveis (GSB), que reuniu especialistas nacionais e estrangeiros. Na ocasião, o Prof. Dr. Lee Lynd, presidente do Comitê Diretor da entidade, foi taxativo: o Brasil tem condições de ser o primeiro a produzir comercialmente o etanol celulósico e de tornar-se líder neste mercado.

O fracasso da reunião das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-15) pode ter, momentaneamente, refreado o entusiasmo de alguns quanto ao estabelecimento de um mercado global de biocombustíveis, mas a realidade é cristalina: produzimos o combustível renovável mais competitivo e ambientalmente correto do mundo, temos experiência de quase 40 anos na produção e uso em larga escala, dispomos de terras abundantes (principalmente pastagens degradadas) e clima propício, além de dominarmos a melhor tecnologia de produção.

Não é por acaso que estamos observando um grande processo de concentração, em que inclusive grandes empresas estrangeiras estão adquirindo unidades produtoras ou estabelecendo joint ventures. Aproveitaram-se da crise que se abateu sobre o setor sucroenergético em 2007, com queda drástica dos preços do açúcar e do etanol, e foi aprofundada com a recente crise global. Com isso, houve redução de investimentos que estavam previstos e falta de liquidez para honrar compromissos com fornecedores, tradings e agentes financeiros. O governo até acenou com a possibilidade de utilizar a Petrobras para barrar a “invasão” estrangeira, mas esqueceu-se de oferecer condições para que as empresas de pequeno e médio porte possam sobreviver e competir neste mercado. O BNDES poderia dispor de linhas de financiamento específicas para fortalecer o capital de giro e estruturar empresas deste porte. Diante deste quadro, fica evidente que as demandas ficaram mais complexas, pois o setor sucroenergético se tornou estratégico para o País. Por isso, o Legislativo terá papel fundamental na elaboração e aprovação de propostas que sejam capazes de alicerçar o crescimento sustentável desta atividade.

Cientes de que estamos falando de uma atividade privada, é fundamental sermos capazes de compatibilizar seus interesses com os interesses do Estado. Defendo a definição do papel estratégico da bioeletricidade e do etanol na matriz energética. Para tanto, defendo a formação de uma Secretaria Nacional para o Desenvolvimento das Energias Renováveis, que estaria ligada diretamente à Presidência da República, com a participação de toda a cadeia produtiva. Hoje, estas questões se dispersam em vários ministérios e secretarias, com diferentes linhas de abordagem, interesses e grau de atuação.

Entre suas atribuições, destaco a elaboração de um marco regulatório específico dos biocombustíveis, capaz de melhorar o planejamento, de assegurar estabilidade e a previsibilidade da produção. Para tanto, defendo as seguintes propostas:

Fortalecer as comercializadoras e rever a atual estrutura de comercialização, que penaliza o produtor;

Estabelecer um tratamento tributário diferenciado para os biocombustíveis, com alíquota nacional de ICMS, IPI diferenciado, uso da CIDE como imposto ambiental e regulatório;

Definir as responsabilidades quanto ao transporte e à logística, fortalecendo parcerias entre governo e iniciativa privada (ex.: PPPs) para viabilizar a construção de alcoodutos, hidrovias e ferrovias. Segundo a Associação Brasileira de Agribusiness (Abag), demonstram que o custo para transportar o etanol por tudo chega a 30% do valor total feito por caminhão, que hoje corresponde a 10% do custo final da produção;

Garantir a warrantagem como um instrumento anual, com recursos orçamentários garantidos. A elevação brusca, por mais que saibamos a razão (alta incidência de chuvas, sobra de cana e preço aviltante, no meio do ano, que impulsionaram o consumo), provocou um desgaste da imagem do produto e estão sendo feitas, junto ao Ministério de Fazenda, tratativas que precisam avançar;

Estabelecer uma estratégia de comercialização internacional dos biocombustíveis nas diferentes esferas de discussões internacionais.

A segunda parte deste artigo será publicada na próxima edição

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