O principal executivo da companhia indiana Shree Renuka Sugars, Narendra Murkumbi, não é figura fácil. Fala pouco com jornalistas, apesar da costumeira cordialidade e simpatia. Em entrevista exclusiva ao Valor, ele expressa, no entanto, a confiança para fazer negócios no Brasil. Em tempos em que o motivador dos investimentos neste segmento é o etanol, a Shree Renuka desponta como sendo o único grupo sucroalcooleiro do mundo que pôs capital em aquisições no Brasil apostando primordialmente no açúcar.
As razões dessa empreitada passam, obviamente, pelos bons lucros que a commodity historicamente traz aos que nela apostam. No Brasil, por exemplo, em sete dos últimos nove anos, a commodity foi mais rentável do que o álcool, segundo levantamento da Datagro. Mas, ! no caso da Índia, o propósito tem uma motivação cultural, que faz a diferença. Afinal de contas, lá sua população – a segunda maior do mundo – toma diariamente de três a quatro xícaras por dia de açúcar com chá, e não o contrário.
A companhia que Murkumbi lidera tem capacidade de processamento de 35,5 mil toneladas por dia, o equivalente a 5 milhões de toneladas por safra. Para se ter uma ideia da envergadura dos investimentos feitos no Brasil, com 100% das duas usinas paranaenses do grupo Vale do Ivaí e mais metade das duas unidades da Equipav, a companhia agrega à sua capacidade de moagem de cana aproximadamente 8 milhões de toneladas.
Hoje com 39 anos, Murkumbi fundou a companhia aos 28 juntamente com a sua mãe. “Não tínhamos experiência nenhuma nessa indústria. Eu e minha mãe começamos do zero. Apesar de ter apenas 11 anos, a empresa está se movendo muito rápido”, diz. Por ironia do destino, parte desse movimento é resultado do próprio descompasso entre o crescimen! to desta indústria na Índia e a retração do cultivo de cana em seu país que fez com que os negócios da Shree Renuka com o Brasil tivessem que ser ampliados.
A companhia, com capital aberto na bolsa da Índia, começou os primeiros negócios com açúcar brasileiro em 2003. Na época, o foco era apenas importação. A Índia estava com os mais baixos estoques da história – em níveis próximos dos atuais, de 2,5 milhões de toneladas – bem distante dos 10 milhões do ciclo 2007/08, quando o produto indiano invadiu o mercado, derrubando preços.
A volatilidade da cultura da cana na Índia é história já contada. A cada dois anos a gigante pode inverter o mercado mundial, pois por lei, as indústrias são proibidas de ter canavial próprio e, portanto, o fornecimento da matéria-prima é feito exclusivamente pelos 50 milhões de plantadores de cana – quase a população dos nove Estados do Nordeste brasileiro – que decidem ano a ano o que plantar, dependendo do estímulo de preços no governo.
Murkumbi conta que o interesse da Shree Renuka no Brasil começou a mudar no ciclo 2006/07. O marco foi a construção da segunda refinaria da empresa, em 2007, com capacidade de processar 2 mil toneladas de açúcar bruto por dia. Não havia oferta suficiente nem na Índia e nem em outro país mais próximo e já em 2006, Murkumbi veio ao Brasil com olhar de comprador, não de açúcar, mas de usinas de açúcar. Era preciso garantir a origem do produto bruto para ser processado na nova refinaria.
Construída em uma região portuária no estado de Haldia, a refinaria tinha localização estratégica justamente para receber açúcar de várias origens. “Mas desde a sua inauguração, em 2007, essa unidade apenas processou açúcar bruto do Brasil. Não encontramos açúcar em nenhum outro lugar”, conta.
No entanto, a missão de comprar ativos no Brasil não foi tão simples. Em 2006, na primeira tentativa da companhia indiana, o setor sucroalcooleiro nacional vivia um momento de euforia, o já conhecido boom de investimentos. Não era possível para um industrial aceitar os preços nada razoáveis das usinas praticados naquela época. “Estive no Brasil em 2006 e o valor das usinas estava muito alto. Havia muitos competidores que não eram da indústria, mas do mercado financeiro”, conta.
O retorno às compras só pode ocorrer agora, em 2009, diz Murkumbi, após a crise trazer os ativos a patamares razoáveis. O primeiro alvo foi o grupo Moema, revela o executivo. “Mas era muito bom negócio para a Bunge”, lembra, justificando o motivo pelo qual as negociações não chegaram aos finalmente.
Com condições mais razoáveis de preços, a empresa seguiu avaliando ativos até fechar em novembro a compra das duas usinas do grupo Vale do Ivaí, pelas quais pagou US$ 82 milhões e assumiu dívidas de US$ 240 milhões, e agora em fevereiro deste ano, a Equipav, em um negócio avaliado em R$ 600 ! milhões e que contemplou a compra de 50,79% das duas usinas paulistas. Em torno de R$ 218 milhões devem ser investidos para ampliar de 10,5 milhões para 12 milhões de toneladas a capacidade somada das duas unidades.
O etanol e a cogeração também estão na diretriz da empresa, que já fabrica ambos na Índia. “A produção no Brasil será comercializada no próprio mercado brasileiro, por enquanto. Na Ásia, os biocombustíveis ainda estão em debate”. Ele diz descartar novas aquisições neste ano no Brasil. “O foco agora é trazer essas aquisições para sua capacidade máxima e aproveitar a qualidade dos ativos que adquirimos”.