O etanol teme ser atropelado pelo pré-sal. Os usineiros querem que o governo defina claramente qual é a política pública no País para o setor de combustíveis para evitar experiências como a do Programa Brasileiro do Álcool (Proálcool), que nasceu, cresceu e foi morto ao sabor das cotações internacionais de petróleo.
Eles temem que as atenções voltadas ao petróleo acabem levando o etanol a perder espaço no mercado local e visibilidade internacional, num momento em que lutam para transformá-lo num produto de exportação. Até a descoberta do petróleo da camada pré-sal, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vinha projetando no exterior a imagem do Brasil como o País que iria fornecer energia renovável para o mundo.
“Estamos conversando com o governo”, afirmou Antonio de Padua Rodrigues, diretor técnico da Uni! ão da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica). “É preciso criar uma regra garantindo que o etanol continuará a ser o número um na matriz de combustíveis e que a gasolina é uma alternativa. Não se pode achar que o mercado, com a flutuação dos preços, vai decidir.” Ele argumentou que é preciso dar segurança aos investidores e aos consumidores.
A euforia do pré-sal e a depressão da crise internacional atingiram em cheio a indústria da cana-de-açúcar. O etanol é um sucesso de vendas, mas muitas empresas foram soterradas pelo endividamento que vinham carregando, quando o crédito secou. Somado a isso, o estudo polêmico divulgado pelo Ministério do Meio Ambiente na semana passada, apontando os carros movidos a gasolina como menos poluentes que aqueles movidos a álcool, veio manchar de cinza a imagem verde do etanol. O estudo tem sido contestado pela Unica e por vários especialistas.
O carro flex fuel, uma invenção brasileira, é a chave do sucesso do etanol no País. No fim de 20! 08, o consumo nacional do combustível ultrapassou o da gasolina. No ano passado, foram vendidos 2,3 milhões de carros flex, comparados a 217 mil a gasolina e somente 84 a álcool. O consumo de etanol no País cresceu 27% entre janeiro e agosto, ante o mesmo período de 2008, segundo a ETH Bioenergia, do Grupo Odebrecht.
EFEITOS DA CRISE
Mas esse êxito não reflete a situação de grande parte das usinas. A crise fez com que empresas pedissem recuperação judicial, como a Companhia Albertina, usina localizada em Sertãozinho (SP). Outras foram compradas, como foi caso da NovAmérica, absorvida pela Cosan em março deste ano.
“Para as empresas descapitalizadas, a crise foi um golpe muito duro”, afirmou Marcos Lutz, vice-presidente comercial e de logística da Cosan, maior grupo brasileiro de açúcar e álcool. No ano fiscal encerrado em março, a empresa investiu R$ 1,346 bilhão, excluindo aquisições.
Os investimentos em andamento foram decididos há dois ou três anos. ! “Estamos inaugurando três usinas”, afirmou José Carlos Grubisich, presidente da ETH Bioenergia. “Vamos passar de uma capacidade de moagem de 13 milhões de toneladas para de 28 milhões a 30 milhões em 2014.” Segundo o executivo, apesar de ainda não ter fechado nenhum negócio, a ETH tem analisado oportunidades de aquisição. Esse movimento de fusões e aquisições é o que toma a atenção do setor no momento, mais do que qualquer projeto novo.
Na semana passada, o governo anunciou um projeto de zoneamento agroecológico da cana-de-açúcar, proibindo o plantio da cultura em 81,5% do território. Apesar de os usineiros discordarem de muitos pontos do projeto, a definição da área de plantio, para preservar o ambiente, é importante para a pretensão do País de se tornar grande exportador de etanol.
Assim como o acordo assinado com o governo em junho, que garantiu condições mínimas de trabalho, o regulamento ajudará a evitar barreiras não-tarifárias ao etanol brasileiro. Os importadore! s querem garantias de que o etanol não é resultado de desmatamento e de condições sub-humanas de trabalho.
Mas a exportação ainda é difícil, dependendo muito de oportunidades como a falta do produto em mercados específicos. Os Estados Unidos, a Europa e o Japão definiram metas de redução do consumo de combustíveis fósseis, o que deve aumentar a demanda internacional. Os empresários reconhecem, no entanto, que essa demanda pode levar alguns anos para se concretizar.
O esforço para transformar o etanol numa commodity ainda não deu resultado. “A expectativa é que, em 2010, seja definida uma especificação comum para o álcool anidro (que é adicionado à gasolina)”, afirmou Plínio Nastari, presidente da consultoria Datagro. “As perspectivas são muito alvissareiras.”