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A Nova Campo Lindo renasce após sofrer duro golpe

Gestores trabalham para a Nova Campo Lindo moer toda a cana de que é capaz 

A Nova Campo Lindo renasce após sofrer duro golpe


Em um mercado volátil como o sucroenergético brasileiro, ver uma moderna destilaria passar por maus bocados e se levantar após grande esforço coletivo não é algo incomum. Faz parte, como se diz, e ao final, em geral, se torna algo honroso, quase heroico

Agora, testemunhar uma unidade já em grande aperto ser jogada deliberadamente ainda mais para o fundo do poço por meio de um aventureiro qualquer dói na alma de todos os que gravitam em seu entorno, às vezes cidades inteiras.

Christiano Cavalcante

Essa dor acometeu os cidadãos de Nossa Senhora das Dores e Capela, municípios sergipanos próximos à Nova Usina Campo Lindo, que há menos de dois anos foi vítima do que consideram ter sido um duro golpe de um investidor inescrupuloso com nome de empresário de sucesso.

Quando o empresário Roberto Campos Marinho Filho atravessou o grande portão da usina, em meados de 2022, vindo de São Paulo e se apresentando e agindo como proprietário da Bams Participações, uma das “inúmeras” empresas da sua holding, uma faísca de esperança brotou em toda a região.

“Finalmente vemos uma luz no fim do túnel” diziam os colaboradores entre si, até então impactados pelas promessas de Roberto Campos

Marinho Filho, que garantia investimento imediato de R$ 8 milhões para a recuperação da unidade. Como duvidar de alguém que trazia numa só assinatura os nomes e sobrenomes de um respeitado economista do passado, Roberto Campos, e do fundador do maior conglomerado de comunicações do Brasil, Roberto Marinho?

Kayro Castro

Embora sem qualquer ligação com qualquer um destes famosos, a pose e o discurso de que tinha bala na agulha, garantindo mundos e fundos que livrariam a unidade da iminente bancarrota, levaram os acionistas a permitir que ele assumisse a usina sem colocar um tostão no seu caixa, mas apenas com a promessa de que ficariam livres do enorme passivo que se acumulava desde 2016.

Para os sertanejos do Sergipe, o acordo feito no fio do bigode e na palavra dada, onde “promessa é dívida”, era suficiente. 

Em poucos meses, entretanto, os colaboradores, fornecedores e credores se deram conta de que a promessa feita não havia sido e nem seria cumprida, mas a dívida, esta sim, tinha mais que permanecido, mas aumentado e muito.

Perceberam que a luz que haviam visto no fim do túnel não era a da saída do buraco, mas da chegada arrasadora em sentido contrário de uma locomotiva sem freio, cujo maquinista utilizava-se das homonímias para deixar que pensassem que era mesmo um figurão, mas que na realidade suas balas na agulha eram de festim.

Umberto Gonçalves

A última promessa, de trazer mundos e fundos para revitalizar a usina, transformou-se em pouco tempo, isto sim, em um fim de mundo e poço sem fundo, uma vez que nada do trato foi cumprido, a julgar pelos testemunhos presenciais e oculares desta reportagem e que ficam à disposição de Roberto Campos Marinho Filho, cujo nome aparece hoje em 197 processos judiciais, para serem explicadas ou mesmo contestadas, uma vez que ele não nos atendeu ou respondeu aos contatos.

“Usina que não mói, mói o dono”

Felizmente, a usina foi encampada no ano passado por um trio parada dura que fechou aliança pela retomada e tem conseguido avanços. Na safra passada conseguiram jogar na esteira 496 mil toneladas de cana e neste ano a projeção é moer 600 mil.

Neste final de julho de 2024 a equipe de engenheiros e de manutenção trabalhava em cronograma adiantada no apontamento, a fim de fazer a destilaria “partir” novamente em meados de outubro.

E o trio permanece decidido a fazer com que a agora denominada Nova Campo Lindo, que embora tenha parado por uma safra, a de 2022/23, exatamente durante a administração de Roberto Campos Marinho Filho, mantenha e amplie o título de destilaria mais moderna do estado do Sergipe, informa o executivo de operações e sócio, Umberto Gonçalves.  Os outros dois diretores são Kayro Castro e o deputado estadual por Sergipe, Christiano Rogério do Rêgo Cavalcante.

Na Nova Campo Lindo, todos os processos são automatizados, sua capacidade instalada possibilita que triture até 1,2 milhão de toneladas e suas colhedoras garantem que 60% de sua cana sejam colhidas de forma mecanizada, uma porcentagem admirável e invejada em termos de Nordeste.

Com isso, a nova administração trabalha para que a unidade não apenas volte ao patamar de antes de 2016, quando não possuía grandes dívidas, sem passivos trabalhistas e moía até 800 mil toneladas por safra, mas ultrapasse a marca e em breve implante uma também moderna fábrica de açúcar. “Importante é moer, porque usina que não mói, mói o dono”, observa Kayro Castro.
Destilaria não moeu e virou um bagaço

O ano em que a unidade ficou parada foi um desastre, recordam-se os colaboradores. Nas mãos de Roberto Campos Marinho Filho – embora depois ele não aparecesse oficialmente no contrato assinado pela Bams Participações, mas sim seu estafe, por procurações, a usina não moeu, mas virou um bagaço.

De acordo com Durval César de Menezes Lima Neto, gerente agrícola da unidade de 2016 a 2022, poucos dias depois que a Bams Participações assumiu a unidade, a “chave geral” desligou. Em vez de aportar dinheiro no empreendimento a fim de apontá-la para a safra de retomada no ano passado, tudo parou, atrasou ou não foi pago.

De acordo com os antigos proprietários, há uma lista de descumprimentos de Roberto Campos Marinho Filho:
q comprometeu-se investir R$ 8 milhões na unidade, não o fez;
q garantiu que pagaria três meses de salários atrasados, não pagou;
q demitiu e terceirizou a equipe de manutenção;

q em vez de cortar e buscar a cana própria da usina no campo e começar a moer, vendeu toda a produção de cana própria da usina (em torno de 80 mil toneladas de cana, equivalentes a cerca de R$ 12 milhões) para outra usina nos arredores, a Taquari, no município de Capela;  q em vez de contratar mais colaboradores, que em geral costuma pelo menos triplicar durante a safra, houve demissão em massa e sem pagamentos de rescisões trabalhistas integrais;

q não reagiu quando a energia da usina foi cortada por falta de pagamento e o local ficou às escuras por quatro meses. Ao assumir no ano passado, a nova diretoria quitou a conta, próxima dos R$ 800 mil reais, informa o deputado e também diretor, Christiano Rogério do Rêgo Cavalcante, e passou a pagar de forma parcelada as dívidas anteriores, que incluem as trabalhistas.   
Desventuras em série e caso de polícia

Durval Cesar de Me3nezes Lima Neto

Apenas com a venda da cana própria da usina, que estava no ponto para ser colhida, a Bams Participações faturou em torno de R$ 12 milhões, garante um antigo executivo da unidade.

As desventuras em série culminaram em dois episódios tristes para a usina, e um deles virou caso de polícia.

De acordo com o ex-executivo, após vender a cana da usina, dilapidando seu patrimônio, seu controlador oculto, Roberto Campos Marinho Filho, embora sempre ali presente, comunicou a todos que não moeriam naquele ano, para tristeza geral da região e prejuízo de fornecedores, que viram seus canaviais ficarem no campo, bisados.

Pior foi quando aconteceu o caso de polícia, em meados e 2022, relembra Ricardo Barbosa de Sousa, policial militar reformado e então supervisor de segurança patrimonial da usina. Ele havia trabalhado ali por seis anos, saiu na primeira vez e fora recontratado dezoito meses antes. Veja seu depoimento:

“Era por volta das 22h de uma sexta feira, eu estava de férias em casa, na cidade de Siriri, que fica a 20 km da usina, quando me ligaram dizendo que algumas pessoas estavam embarcando de forma suspeita cinco máquinas da usina em pranchas de três grandes carretas. Como policial militar reformado, percebi que algo estava errado. Fizemos uma discreta campana na entrada da cidade de Capela e quando as carretas passaram, filmamos tudo (o JornalCana teve acesso ao vídeo). Nas pranchas estavam uma pá carregadeira, uma retroescavadeira hidráulica, uma carregadeira de cana e dois tratores de 200cv cada. Eu, meu enteado Luiz Adelson e um outro policial que estava comigo, o sargento PM Eliseu, deixamos o comboio passar e o seguimos. Foram em direção a Maceió. Pararam em um posto do DER, depois seguiram viagem. Finalmente, as máquinas foram localizadas em uma zona rural, longe do endereço onde as notas fiscais indicavam. As investigações policiais apontaram que houve desvio das máquinas e elas foram recuperadas, por meio de um mandado de busca e apreensão. A empresa Bams alegou, na ocasião, que haviam retirado a máquina da usina a fim de levá-las para manutenção em Maceió, embora todas estivessem em perfeito estado e não precisassem de grandes reparos. Tampouco foi explicado por que em vez de ficarem no local onde seria feito o “conserto”, foram transportadas para um local incerto, só descoberto por meio das investigações.

Ricardo Barboza de Sousa

O JornalCana procurou o empresário Roberto Campos Marinho Filho por telefone e mensagens de texto para marcar entrevista e ouvi-lo a respeito de todas as informações publicadas nesta reportagem, mas não obteve resposta. O espaço permanece aberto e disponível a ele no site do JornalCana e na próxima edição impressa, para que se pronuncie.

Luiz Montanini

Essa matéria faz parte da edição 352 do JornalCana. Para ler, clique aqui.

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