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Contradição marca a produção de energia

Produzir mais energia sem aumentar, proporcionalmente, a poluição é o grande desafio energético dos países para as próximas décadas. Sobretudo, para aqueles que ainda estão em fase de desenvolvimento, como o Brasil. Particularmente, a tarefa brasileira parece ser mais complexa, por envolver a tentativa de manter a matriz energética eminentemente limpa, por um lado, e, por outro, tendo pela frente a exploração das reservas de petróleo e gás, mais poluentes, localizadas no pré-sal.

“Há uma contradição muito clara, sob a ótica ambiental, entre a exploração do pré-sal e, portanto, o uso maior dos combustíveis fósseis, e a redução da presença da hidroeletricidade em nossa matriz energética”, analisa o ex-secretário nacional de Meio Ambiente e professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE) da Universidade de São Paulo, José Goldemberg. “Não existe incompatibilidade nenhuma”, rebate o presidente da Empresa de Pesqui! sa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim. “A matriz elétrica brasileira continuará sendo fortemente hídrica, nosso consumo de combustíveis para transportes será liderado pelo etanol e biocombustíveis, e o pré-sal se destinará principalmente a exportações e o enriquecimento do país”, afirma ele.

No cerne desse debate se localiza a dificuldade de obtenção nos órgãos ambientais de licenças para a construção e operação de usinas hidrelétricas. No último leilão promovido pelo governo para a contratação de energia futura, realizado no ano passado, houve predominância de termelétricas movidas a combustíveis fósseis (óleo e carvão) entre os vencedores.

“Que fique claro que não se trata de planejamento, mas de necessidade de uso das termelétricas. Só participa do leilão quem possui licença ambiental e, enquanto havia licença para 22 mil megawatts (MW) de térmicas, quase nenhuma hidrelétrica estava licenciada”, justifica Tolmasquim. “Essa é uma consequência de questões envo! lvendo os órgãos ambientais e uma visão muito parcial que ainda prevalece nesses casos.”

O diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Adriano Pires, entende que há uma “contradição” nos órgãos ambientais. “São acidentes de percurso”, opina, ao comentar o desempenho das térmicas nos leilões e no fato de haver maior rigor para a liberação de licenças para as hidrelétricas em relação às térmicas movidas a combustíveis fósseis. “Esses processos de liberação de licenças precisam e estão sendo avaliados”, pondera.

Para o gerente-sênior de energia da consultoria ICF Internacional, Lúcio de Medeiros, a EPE enfrenta a dificuldade de planejar e garantir o abastecimento de energia futura tentando minimizar o risco de não poder contar com hidrelétricas por falta de autorizações ambientais. “Talvez seja necessário aperfeiçoar os sistemas que precificam a energia e auxiliam o planejamento para que passem a con! siderar fatores ambientais e os impactos das restrições ambientais na formação de preços”, sugere.

Critérios de liberação das licenças podem ser ajustados às necessidades de expansão da oferta de energia, ao mesmo tempo em que ganhará mais força a diversificação da matriz energética, a partir de maior presença de fontes alternativas, como eólica, biomassa e solar, menos poluentes.