À primeira vista, pode parecer que as atividades agropecuárias têm gerado menos postos de trabalho. No entanto, o que os números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), do IBGE, revelam é que o perfil da mão de obra demanda pelo setor tem se modificado estruturalmente. Há aumento das contratações formais e uma expressiva redução dos postos de trabalho informais. Em outras palavras, o setor tem demando uma força de trabalho mais qualificada e oferecido remuneração que cresce de forma mais acelerada do que em outros setores.
Em 2023, a população ocupada da agropecuária caiu 5% frente ao ano anterior, passando de 8,68 milhões para 8,25 milhões de pessoas – uma perda de 432,99 mil postos de trabalho. Contudo, é importante destacar que essa redução no número de ocupações foi causada, exclusivamente, pela redução das vagas informais, uma vez que as formais apresentaram estabilidade. Dessa forma, entre 2022 e 2023, a população ocupada informal “dentro da porteira” contraiu 6,5%, refletindo em uma perda de 435,31 mil ocupações. Já as vagas formais mantiveram-se praticamente estáveis (+0,1%), correspondendo a criação de 2,32 mil postos de trabalho. Os dados são do estudo do Centro de Estudos do Agronegócio da Fundação Getulio Vargas (FGVAgro), com base nos microdados da PNAD Contínua.
A pesquisa tem como objetivo analisar como o bom momento do setor em 2023 refletiu no seu mercado de trabalho. Para isso, foi considerado tanto o número de pessoas ocupadas, a formalidade e a informalidade dessas ocupações, bem como as remunerações médias mensais e a taxa de desocupação nas regiões em que o universo agro é a atividade econômica predominante.
É válido ressaltar que, no entanto, a redução dos postos de trabalho na agropecuária não é algo exclusivo do ano de 2023, uma vez que há claramente uma trajetória de queda refletida nos dados. Isto é, desde 2016 (início da série histórica para abertura dos formais e informais) até o ano passado, houve perda de 791,25 mil ocupações na atividade agropecuária do país. Destaca-se que essa queda, assim como em 2023, ocorreu exclusivamente por conta dos informais.
De acordo com Felippe Serigati, coordenador do estudo e pesquisador do FGVAgro, apesar dos cenários adversos para algumas culturas e criações nesse ano, a expectativa é de que essa trajetória prossiga, pois a demanda por uma mão de obra mais qualificada no setor não é algo conjuntural, mas estrutural. Além disso, o setor já passou por diversos outros choques adversos que não alteraram essa dinâmica.
Os dados demonstram que o setor agropecuário está ficando, ao longo do tempo, menos intensivo em trabalho e mais intensivo em tecnologia. Isso fez com que a demanda por profissionais mais qualificados aumentasse. Essa expansão da qualidade do mercado de trabalho associado ao setor fica mais nítido quando se observa que as ocupações formais estão crescendo enquanto as informais contraindo, considerando um período maior.
Como o número de ocupações formais no agro se manteve estável entre 2022 e 2023 e o de informais contraiu de forma expressiva (-6,5%) (gráfico 3), a taxa de formalidade do mercado de trabalho aumentou, passando de 23,2% para 24,5% no período, correspondendo à maior taxa de formalidade da agropecuária de toda a série histórica.
Vale ressaltar que o mercado de trabalho da atividade “dentro da porteira” tem uma peculiaridade diferente das demais atividades econômicas: grande parte dos produtores rurais trabalham como pessoa física, não possuindo Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ). Logo, esses trabalhadores acabam sendo classificados na PNADC como ocupados informais. Isso explica, em parte, a menor taxa de formalidade do universo agro quando comparada ao restante do mercado de trabalho brasileiro (57,9%).
Remuneração na agropecuária
Embora o número de ocupados na agropecuária tenha reduzido na passagem de 2022 para 2023, a remuneração média real mensal do setor aumentou 2,1%, passando de R$ 1.855,94 para R$ 1.894,89, ou seja, mesmo após um crescimento anual de 7,7% em 2022, a remuneração média do mercado de trabalho agropecuário registrou novamente robusta expansão. Com isso, desde o período pré-pandemia (2019), a agropecuária acumula uma alta real de 11,3% em sua remuneração média; já o mercado de trabalho brasileiro acumula uma expansão de apenas 1,5%.
É importante destacar que o crescimento da remuneração em 2023, em relação a 2022, foi causado tanto pelos informais quanto pelos formais, uma vez que ambos tiveram seus rendimentos aumentados em, respectivamente, 3,7% e 4,1%.
Antes de prosseguir, é válido salientar que, assim como a tendência de redução do pessoal ocupado na agropecuária já é observada há tempos, a trajetória de aumento da remuneração média mensal do setor também é bem nítida, e isso se mantém quando se desagrega a remuneração média dos trabalhadores por categoria de ocupação (isto é, formais e informais).
Entre 2016 e 2023, a remuneração média mensal real do setor cresceu 20,8%. No mesmo período, os formais registraram um aumento de 22,3% e os informais de 17,7% em suas remunerações. Para ter uma base de comparação, no mesmo período, a remuneração paga pela média de todos os setores econômicos brasileiros cresceu, em termos reais, 4,6% (sendo que a dos formais cresceu 3,2% e a dos informais, 7,2%) – ou seja, ritmo muito menos intenso do que o verificado na atividade agropecuária.
Remuneração por estado
Em 2023, as principais Unidades da Federação em termos de Valor Bruto da Produção
(VBP) da agropecuária, foram Mato Grosso, São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Goiás, Rio
Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina. Juntos, esses estados responderam por 81,3% do VBP da atividade no período, de acordo com o Ministério da Agricultura e Pecuária.
Com exceção de Minas Gerais, todas as principais Unidades da Federação, em termos de VBP da agropecuária, registraram um crescimento, entre 2019 e 2023, mais intenso da remuneração paga pela agropecuária do que aquela paga pela média de todos os setores econômicos do estado.
No caso do Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Goiás e Mato Grosso – ou seja, potências da agropecuária – a remuneração paga aos trabalhadores “dentro da porteira” cresceu tanto que se tornou, na média, maior do que àquela paga aos trabalhadores de todos os setores do estado. Por exemplo, em Goiás, uma pessoa ocupada na agropecuária recebeu, em 2023, uma remuneração média 19,9% maior do
a média da remuneração do estado; em 2019, uma pessoa ocupada no agro recebia, em
média, 89,0% do que a remuneração média mensal do estado.
Já São Paulo, Paraná, Santa Catarina e outras dezessete Unidades da Federação, apesar
de ainda o trabalhador do agro receber, na média, uma remuneração mensal menor do
que a média estadual, a diferença entre essas remunerações diminuiu entre 2019 e 2023, uma vez que a remuneração paga pelo agro cresceu em uma maior intensidade
do que o total.
A diferença entre a remuneração da agropecuária e a total somente não diminuiu no Distrito Federal, no Amapá e em Minas Gerais. Porém, é importante ressaltar que, com
exceção de Minas Gerais, essas Unidades da Federação têm pouca expressividade na atividade agropecuária brasileira.
Goiás é o estado com maior remuneração e Piauí o menor
Atualmente, em termos de remuneração média real mensal da agropecuária há, claramente, dois “Brasis”. Um formado pelas regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste, locais em que a atividade, de modo geral, é mais dinâmica, mais profissional, que usam uma intensidade maior de tecnologia de ponta, têm grandes condições de competição e, naturalmente, têm forte relevância na agropecuária brasileira. Nesses locais, os trabalhadores recebem, na média, uma remuneração mensal maior. O outro é formado pelas regiões Norte e Nordeste (com exceção de Rondônia, Tocantins e Roraima), que contam com um universo agro ainda menos dinâmico e que, portanto, pagam uma remuneração média menor.
Nesse sentido, vale ressaltar que Goiás, em 2023, foi o estado que melhor remunerou os trabalhadores da agropecuária, pagando, por mês, em média, R$ 3.532,99. Em seguida estão o Mato Grosso (R$ 3.521,05), Mato Grosso do Sul (R$ 3.388,38) e Rio Grande do Sul (R$ 3.337,33). Por outro lado, as piores remunerações do agro foram registradas no Piauí (R$ 679,54), Ceará (R$ 715,00) e Sergipe (R$ 834,10).
Portanto, observa-se que, entre 2019 e 2023, o desenvolvimento da produção agropecuária implicou positivamente no mercado de trabalho associado a essa atividade, em termos de remuneração média real mensal. Ou seja, em grande parte das Unidades da Federação, a remuneração paga aos trabalhadores “dentro da porteira” cresceu em uma maior intensidade do que a dos demais setores econômicos.
Isso fez com que, a diferença entre a remuneração média do setor e a total ficasse menor ao longo do tempo e, nos casos de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul, a remuneração do pessoal ocupado “dentro da porteira” ficou maior do que a do mercado de trabalho total.
Além disso, fica claro que, nos principais estados do agro, as taxas de desocupação foram menores em 2023 relativamente às demais Unidades da Federação, o que sugere que o desenvolvimento da agropecuária colabora para a dinamização da economia estadual, de forma que seus benefícios não fiquem associados apenas ao setor primário.