Faz quase 40 anos que o Brasil vem combatendo o efeito estufa — desde quando a preocupação com mudanças climáticas passava ao largo das prioridades das agências internacionais. A opção do Brasil pelo etanol (álcool etílico combustível), na primeira crise do petróleo, ainda nos anos 1970, representou um inusitado e pioneiro ataque ao aquecimento global. Desde que a legislação brasileira aprovou a mistura de 25% de etanol à gasolina deixamos de jogar 700 milhões de toneladas de CO2 na atmosfera.
Desde 2003, quando foram lançados os primeiros veículos flex, cerca de 45 milhões de toneladas de CO2 deixaram de ser emitidas pelo Brasil. Se a opção brasileira fosse pela via da compensação ambiental, teríamos de plantar perto de 144 milhões de árvores.
Este é o efeito etanol da cana-deaçúcar, que reduz em média 89% de gases efeito estufa contra 46% do etanol de beterraba e 31% do etanol de milho. Essas (des)proporções foram o centro das discussões do 2º Ethanol Summit, no início do mês, promovido pela Unica (União da Indústria de Canade-Açúcar), em São Paulo. Durante três dias, cerca de 1,5 mil participantes do mundo inteiro trocaram ideias sobre energia limpa e renovável como alternativa para o petróleo.
Para os congressistas presentes ao Ethanol Summit, o encontro foi esclarecedor.
Mesmo para os mais distantes da compreensão da geografia nacional, ficou bem claro que o etanol da canadeaçúcar não é uma ameaça à floresta amazônica. A expansão da cana ocorre em áreas muito distantes: nas regiões Sudeste (68%), Centro-Oeste (10%) e Nordeste (12%). A cana ocupa atualmente 8,36 milhões de hectares, área menor que 1% do território nacional.
Os canaviais dependem da alternância de estações secas e úmidas para aumentar o teor de sacar! ose. Outra razão para ficar distante da Amazônia são as condições logísticas (usinas) e de transporte confiável.
A cana-de-açúcar é plantada a 2.500 quilômetros da Floresta Amazônica, onde as terras não permitem o cultivo.
Essa explicação foi repetida à exaustão durante os três dias do encontro.
E, mesmo quando alguém sugeria que o aumento da demanda poderia exigir maior espaço para a produção, a resposta vinha rápida: a área destinada à cana deverá crescer três milhões de hectares nos próximos dez anos — um ritmo bem menor que o dos últimos dois anos.
O Brasil é o único país onde a gasolina é combustível alternativo, em 90% da frota nacional. Por isso, o presidente da Unica, Marcos Jank, insiste que, tal como o petróleo, o biocombustível deve circular pelo mundo sem barreiras alfandegárias nem impostos: — Não faz sentido que não haja tarifa alfandegária sobre o petróleo, mas incida sobre o etanol brasileiro — diz Jank.
O etanol é uma das mais a! ltas apostas brasileiras. Tanto que o BNDES é um dos principais financiadores do setor sucroalcooleiro. A Petrobras também deverá investir US$ 2,8 bilhões na produção de biocombustíveis — US$ 174 bilhões no período entre 2009 e 2013, segundo afirmação do presidente da empresa, José Sérgio Gabrielli, durante uma das sessões plenárias do Ethanol Summit.
Hoje, o combustível de petróleo representa menos de 50% do mercado de carros leves, segundo Gabrielli. Em 2020, será de 22%. Essa conquista só foi alcançada porque uma infraestrutura foi acionada há quase 40 anos. Há atualmente centenas de produtores de cana-de-açúcar no país que abastecem 37 mil postos com, pelo menos, uma bomba de etanol; hoje, 97% dos carros produzidos no Brasil são flex fluel. A Petrobras será a primeira distribuidora de etanol no Japão.
Na abertura do Ethanol Summit, a Unica anunciou dois projetos — um deles na área trabalhista (o RenovAção) e o! outro de comunicação para o segmento canavieiro (o Agora). O RenovAção é o primeiro e mais ambicioso programa de requalificação profissional. Como o setor sucroalcooleiro cada vez está mais mecanizado, os produtores têm um programa de redirecionamento do trabalho dos canavieiros.
Quanto ao Agora (Agroenergia e Meio Ambiente), o objetivo é disparar uma grandiosa campanha de marketing e comunicação. A meta é mostrar que o etanol pode fazer muito mais contra as mudanças climáticas do que sonham os que ainda insistem no petróleo por absoluta falta de informação.
O RenovAção deve ser introduzido nas principais regiões produtoras do Estado de São Paulo. Os canavieiros que se dedicam ao plantio e ao corte manual da cana-de-açúcar receberão treinamento e requalificação para desempenhar outras funções na área industrial das usinas ou em outros segmentos.
No primeiro ano, serão sete mil cortadores de cana a recebe! r a requalificação, segundo o presidente da Unica, Marcos Jank. O programa tem o apoio do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e da Feraesp (Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo); além das empresas John Deere, Case IH e Syngenta.
O dado complicador é que, com a mecanização na lavoura de cana, cerca de 180 mil cortadores perderão seus empregos. Em contrapartida, só serão gerados 50 mil empregos em colheita e plantio mecânico, passando de 15 mil para 65 mil; e pelo menos 20 mil empregos na indústria sucroalcooleira: — Vamos gerar empregos novos para 70 mil pessoas, que serão caldeireiros, tratoristas, operadores de máquina — diz Jank.
Professores e alunos da rede pública não ficarão de fora do Agora. Como forma de conscientização para a necessidade de mitigar o aquecimento global, será disparada uma campanha educativa.
A iniciativa envolverá dez mil escolas, 40 mil pro! fessores e quase 2,4 milhões de jovens matriculados nas 7ª e 8ª séries. O projeto deve premiar os melhores trabalhos de todo o País.