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Governo ensaia socorro a usineiros

Com todo o cuidado para não sucumbir ao lobby da bancada ruralista do Congresso, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tem analisado com lupa o histórico de crédito do setor sucroalcooleiro do país. Preocupado com a situação dos usineiros – alçados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva à condição de heróis –, o governo deverá socorrê-los por meio da instituição. A ordem do presidente do banco, Luciano Coutinho, é ajudar, sim, mas sem favorecer A ou B. Ainda em fase preliminar, o levantamento deverá resultar na renegociação das dívidas ou no lançamento de uma nova linha de crédito setorial, que confira fôlego financeiro às usinas para a travessia da crise.

Qualquer que seja a solução, no entanto, deverá evitar possíveis calotes capazes de comprometer o res! ultado da instituição em meio à mais grave crise financeira mundial desde a Grande Depressão dos anos 30. Em meio à crise, o setor sucroalcooleiro sofre com a combinação de baixos preços do etanol no mercado brasileiro e escassez de crédito privado. Em total sigilo, para não estimular acusações de favorecimento com dinheiro do trabalhador nem fazer crescer a fila de desesperados na porta da instituição, técnicos do banco têm gastado boas horas, nos últimos meses, com a análise do histórico bancário de cada usina.

Da análise também tem participado os agentes financeiros privados responsáveis pelo repasse dos empréstimos do banco estatal. Pelas regras do BNDES, financiamentos abaixo de R$ 10 milhões só podem ser liberados por intermédio dos chamados agentes repassadores. Sobre essas instituições tem recaído boa parte das pragas dos usineiros, insatisfeitos com o represamento de R$ 2,5 bilhões em empréstimos recentes do BNDES! para capital de giro e financiamento de estoques das usinas.

Diretor técnico da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica), Antônio de Pádua Rodrigues afirma que, apesar do anúncio das novas linhas, respectivamente em dezembro e abril, a liberação do dinheiro pelos bancos privados tem ocorrido de forma morosa, devido a exigências consideradas excessivas pelo setor. Como reflexo da crise mundial, os bancos já não aceitam mais garantias em ativos fixos, como as próprias usinas e equipamentos, como contrapartida. Só garantias mercantis, como contratos de exportação, ou seguro-fiança bancária são bem-vindos.

– O problema é que o setor negocia a maior parte de sua produção no mercado spot (de curto prazo); praticamente não existem contratos de longo prazo – questiona o diretor técnico da Unica. – Ao mesmo tempo, a fiança bancária agrega um custo ao produtor, geralmente de 3% ao ano. Para quem se encontra em situação difícil, fica complicado recorrer a esse tipo de garantia.

Sinalização do governo

O representante da Unica diz desconhecer qualquer iniciativa do banco para socorrer os usineiros. O executivo diz que, ao contrário de outros setores ajudados com pacotes nos últimos meses, os usineiros não querem um programa de socorro, mas preços sustentáveis para assegurar a viabilidade comercial do negócio.

Bem-vindo ou não, o socorro ao setor sucroalcooleiro já ocorreu no mês passado, ainda que de forma velada. Ao promover o reajuste da alíquota da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) – o imposto da gasolina – paralelamente à queda do preço do combustível na refinaria, o governo atendeu, na prática, a uma reivindicação dos usineiros. Se não limitasse a queda do preço da gasolina às refinarias, o Ministério de Minas e Energia praticamente provocaria a quebra de boa parte das usinas. Se o combustível fóssil ficasse mais barato, a frota brasileira, ! boa parte composta por carros flex, descartaria o álcool hidratado (etanol).

Defensável do ponto de vista ambiental, uma vez que o etanol produz menos CO2 que os combustíveis fósseis, a medida ganhou respaldo oficial, quando o diretor financeiro da Petrobras, Almir Barbassa, afirmou que a gasolina tornou-se “combustível alternativo” do país.