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O etanol do Brasil é o melhor

William J. Clinton, 420 presidente dos Estados Unidos, está novamente em campanha. Não apenas para que a senadora Hillary Clinton seja escolhida a candidata do Partido Democrata à sucessão de George W. Bush, mas para que o papel fundamental do Brasil no combate ao aquecimento global seja devidamente reconhecido. “Nenhum país no mundo faz mais esforços do que o Brasil para achar um caminho para o desenvolvimento sustentável, para salvar o planeta do aquecimento global e aumentar a prosperidade da sua população”, afirmou Clinton a uma platéia de executivos americanos e brasileiros em Nova York, no dia 2 de maio. No majestoso salão Cipriani em Wall Street, a poucos metros da Bolsa de Valores de Nova York, o ex-presidente foi a estrela do Fórum de Desenvolvimento Sustentável 2008, promovido pelo empresário Mario Garnero e pela Associação das Nações Unidas-Brasil. Em seguida, falou à DINHEIRO:

DINHEIRO – O etanol brasileiro não deve ser culpado da alta nos preços dos alimentos, como algumas pessoas estão tentando fazer?

BILL CLINTON – Não. O etanol brasileiro é o melhor de todos.

DINHEIRO – Por quê?

CLINTON – Porque você obtém oito galões de etanol para cada galão [de combustível fóssil usado no processo de plantio e colheita]. Há um grande ganho na economia tradicional de CO2, por causa da queima do petróleo e do transporte. Mas, se você limpar demais as terras da floresta tropical, o prejuízo dessa prática irá minar o ganho do etanol.

DINHEIRO – Não é o caso do Brasil.

CLINTON – Sou um grande fã do etanol de cana brasileiro, mas o Brasil deve tentar produzir mais sem ter de, para isso, derrubar a floresta tropical. Sei que o Brasil não faz isso. A questão é como o Brasil pode produzir mais etanol ou espalhar a tecnologia e fazer parcerias em outros lugares que não a floresta tropical. Não sei se você se lembra, mas o presidente Lula e o presidente Bush disseram que poderiam trabalhar juntos nessa questão.

DINHEIRO – De que maneira?

CLINTON – Os Estados Unidos poderiam ajudar a financiar a tecnologia brasileira [de produção de etanol de cana] no Caribe e na República Dominicana. Isso ajudaria a produzir etanol não apenas para o uso no transporte local, nos países do Caribe, mas também para exportar para os Estados Unidos. Onde quer que levemos essa tecnologia, temos de ver qual é o potencial de ganho e o de perda.

DINHEIRO – As pessoas que são contra o etanol estão erradas?

CLINTON – Sim. Primeiro, o que está causando o aumento do preço dos alimentos no mundo não é a produção de etanol de cana.

DINHEIRO – O que está causando a alta dos preços de alimentos no mundo?

CLINTON – É o crescimento da população, a seca, as mudanças climáticas. Talvez 10% dos aumentos sejam causados pela substituição de plantações de alimentos tradicionais para produzir milho e usá-lo como matéria-prima do etanol. Mas 90% dos aumentos de preços dos alimentos não têm nada a ver com a questão intrínseca desse combustível.

DINHEIRO – Os chineses estão comendo mais…

CLINTON – Exatamente. E não apenas comendo mais, mas ingerindo alimentos mais energéticos. Como a renda per capita aumenta, come-se mais carne. Isso também causa mudanças nas plantações de algumas culturas em favor de outras. A explosão dos preços dos alimentos é uma coisa muito complicada e tem mais a ver com o consumo de comida do que com a produção do etanol.

DINHEIRO – Como se resolve essa questão?

CLINTON – A única preocupação com relação à produção de etanol de cana é como fazer isso de maneira a preservar a floresta tropical. Entre as muitas coisas que devemos fazer está o aumento da produtividade na produção de alimentos nos países mais pobres. Estou fazendo isso na África. Não estou criticando, mas veja onde estão os aumentos de preços de comida na África. Veja o que fez o Haiti.

DINHEIRO – O que fez o Haiti?

CLINTON – Os haitianos derrubaram todas as florestas, pois as pessoas eram tão pobres que precisavam da madeira para se aquecer e cozinhar. O solo bom se arruinou. A poluição desceu, alcançou as águas e reduziu a população de peixes. [Comprometeu] a habilidade de produzir desenvolvimento sustentável. O presidente [René Garcia] Préval foi ministro da Agricultura e entende isso. Se ele conseguir o espaço que precisa, conseguirá recuperar o Haiti. Trabalhamos com eles na questão da Aids.

DINHEIRO – Que outras medidas poderiam ser tomadas?

CLINTON – A primeira coisa que podemos fazer é melhorar dramaticamente a produtividade e a agricultura sustentável nos países mais pobres. E aí temos de eliminar barreiras comerciais entre as regiões. Assim, poderemos obter mais produtividade com menos gasto de energia. Os preços da energia é que estão aumentando os preços dos alimentos. E há mais bocas para comer, a renda está aumentando.

DINHEIRO – Mas há outros fatores por trás desses aumentos de preços.

CLINTON – Na margem, também é verdade que os subsídios nos países ricos – especialmente os europeus e os EUA – para produzir etanol de milho criaram esses problemas de preços. Teremos que desembrulhar isso. Muito dos problemas que estamos vendo também refletem as mudanças climáticas. As temperaturas mais severas e as condições climáticas mais extremas interrompem a produtividade da agricultura. Não há uma bala de prata nessa questão.

DINHEIRO – Qual é a proposta de Hillary Clinton nessa área?

CLINTON – Basicamente, a Hillary defende um acordo pós-Kyoto, um sistema de cap and trade [pelo qual agentes poluidores do ambiente compram créditos de quem consegue reduzir emissões de CO2]. A proposta é fazer com que os Estados Unidos invistam uma quantia enorme de dinheiro nos próximos anos para se tornarem mais eficientes do ponto de vista energético.

DINHEIRO – Como isso seria feito?

CLINTON – Precisamos ter mais energia limpa gerada em nosso próprio país. Seja ela solar, eólica, biomassa, geotérmica. Precisamos criar escala de produção a todas essas formas de geração de energia. Como o Brasil, os Estados Unidos são um país grande e precisam ter eficiência nas redes de transmissão de energia elétrica, levando- a das regiões produtoras para as regiões consumidoras da melhor forma possível.